Decisão Monocrática nº 5009684-89.2012.404.0000 de Tribunal Regional Federal da 4a Região, Terceira Turma, 19 de Junio de 2012

Data19 Junho 2012
Número do processo5009684-89.2012.404.0000

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Município de Joinville/SC contra decisão que, em ação civil pública movida em prejuízo da Fazenda Municipal, do Estado de Santa Catarina e da União, deferiu a antecipação da tutela para determinar aos requeridos o fornecimento, a infante enfermo, do medicamento Micofenolato Mofetil, em determinada quantidade e em prazo certo, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais).

Segundo a decisão atacada:

Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face do ESTADO DE SANTA CATARINA, MUNICÍPIO DE JOINVILLE E UNIÃO, com a qual colima provimento jurisdicional que determine aos réus que forneçam, de forma solidária, o medicamento remédio MICOFENOLATO MOFETIL para o tratamento da menor C. K. S., a qual necessita do aludido medicamento com urgência, em prazo a ser estipulado por este Juízo, mas que o MPF pede não seja superior a uma semana.

Conforme os fatos expostos na inicial, no dia 11 de abril de 2012, o senhor Marcos Alves Soares procurou a Procuradoria da República em Joinville, ocasião em que declarou que sua filha, C. K. S., de 5 anos, é portadora de síndrome nefrótica e necessita do medicamento micofenolato mofetil 500 mg, o qual não está padronizado para a síndrome nefrótica no programa de medicamentos excepcionais. Cada caixa do medicamento varia entre R$ 785,50 e 832,88. O representante, conforme declaração de hipossuficiência, tem renda mensal de R$ 685,47.

Segundo as informações da Secretaria de Saúde do Município de Joinville: Micofenolato não está relacionado na RENAME, portanto o Município não recebe verba para aquisição deste medicamento. Informou ainda que medicamentos não relacionados na RENAME vigente ou que não constam do elenco pactuado nas CIBs não podem ser custeados com os recursos financeiros definidos, conforme Portaria 2.982.

A Secretaria de Estado de Saúde também apresentou informações acerca do fármaco em apreço, segundo as quais: o micofenolato mofetil 500 mg está padronizado pelo Ministério da Saúde, junto ao Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, apenas para os pacientes submetidos ao transplante renal, hepático e cardíaco (CID10 T86.1, Z94.0, Z94.1 e Z94.4), segundo critérios estabelecidos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde.

Em 28 de maio de 2012, o pai da paciente paradigma apresentou receita médica subscrita pela Dra. Luciana Frigo da Silva, na qual noticia o agravamento do quadro clínico da menor CLARA KONS SOARES, nestes termos: Paciente com síndrome nefrótica não responsivo a corticoterapia, realizada ciclosporina também sem resposta ao tratamento. Preconizado para a paciente uso de micofenolato mofetil 500 mg de 12/12 horas como forma de controle da doença, com objetivo de prevenir a progressão para perda de função renal.

Defende o autor que o medicamento pleiteado mostra-se indispensável para o tratamento da menor, sob pena de agravamento de seu quadro clínico, o qual poderá progredir para a insuficiência renal crônica.

O não fornecimento do remédio, o qual é insubstituível por quaisquer outros que hoje são disponibilizados pela rede pública de saúde e indispensável ao adequado e necessário tratamento da menor fere, a toda evidência, o preceito constitucional insculpido no artigo 196.

A inicial está instruída com documentos.

É o que consta dos autos.

Em primeiro plano, diante da gravidade do caso apresentado e da padronização do medicamento para outras patologias, afasto a aplicação do art. 2º da Lei nº 8.437, de 1992 no presente feito.

A Constituição Federal erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado, a teor do disposto no art. 196, assim redigido:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

No plano infraconstitucional, a Lei nº. 8.080/90, em seu art. 2º, assim estatui:

A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

Tal concepção, coincidente com as definições de saúde dadas pela OMS e pelo UNICEF, encontra sua expressão mais completa na 'Declaração de Alma-Ata', formulada por aquelas entidades na República do Cazaquistão, em 12 de setembro de 1978, a qual 'reafirma enfaticamente que a saúde - estado completo de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade - é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde.'(Oliveira, Sebastião Geraldo. 'Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador'. São Paulo: LTr, 1996)

Cabe ressaltar, ainda, que o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela ONU em 16 de dezembro de 1966, prevê em seu artigo 12, que os Estados Partes reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.

Como se vê, o direito à saúde, nas conceituações internacionalmente adotadas, citadas acima, foi incorporado expressamente ao catálogo de direitos fundamentais reconhecidos pelo Estado Brasileiro e, ainda que assim não fosse, 'assumiria a feição de direito fundamental não-escrito implícito' (Sarlet, Ingo Wolfgang. 'A Eficácia dos Direitos Fundamentais', 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 302), quer por se tratar de desdobramento necessário dos direitos à vida e à dignidade da pessoa humana, quer por força do parágrafo 2° do art. da CF/88.

Este conceito amplo de direito à saúde decorre da adoção da teoria ampla do tipo normativo de direito fundamental, que impõe uma compreensão máxima do direito, com o objetivo de emprestar o máximo alcance possível ao bem protegido pela norma jusfundamental. Sob este viés é que se deve interpretar a proteção constitucional aos direitos fundamentais à vida e à saúde, previstos nos arts. 5º, 'caput' e 196, da Constituição Federal, bem como do correspondente dever do Estado, através de prestações positivas de concretizar a vontade constitucional.

Ao interpretar o artigo 196 da Constituição Federal, já sinalizou o Supremo Tribunal Federal nos seguintes termos:

PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no...

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