Decisão Monocrática nº 0008385-65.2012.404.0000 de Tribunal Regional Federal da 4a Região, Terceira Turma, 27 de Agosto de 2012

Data27 Agosto 2012
Número do processo0008385-65.2012.404.0000

Vistos, etc.

Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, em cumprimento de sentença oriunda de condenação em honorários advocatícios, indeferiu o pedido de penhora de 30% sobre o salário que recebe de dois planos de saúde, "tendo em vista que a impenhorabilidade do salário é absoluta e garantida pelo artigo 649, inciso IV, do Código de Processo Civil. Além disso, não há qualquer prova nos autos de que a quantia que se pretende seja penhorada não afetará a saúde financeira do executado" (fl. 118).

A parte agravante alega "possibilidade de penhora sobre parte de salário, considerando ainda o caráter alimentar dos honorários advocatícios" (fl. 06).

DECIDO.

O eminente Desembargador Vladimir Souza Carvalho, do TRF da 5ª Região, admitiu a flexibilização da penhora de salários, no julgamento do AGTR 2009.05.00.042045-6, verbis:

1. A impenhorabilidade dos vencimentos, soldos ou retribuição de natureza salarial, começa e termina no órgão pagador. Quando este efetua o pagamento em conta bancária, a regra se altera. A impenhorabilidade desaparece, porque ela prevalece apenas na relação Administração X servidor, a impedir a Administração de qualquer desconto, a título de requisição de ordem judicial, sob o trajo de penhora. No momento em que o ordenado é depositado na conta corrente do servidor, em instituição bancária, a impenhorabilidade desaparece, ou, pelo menos, se flexibiliza.

2. Embora reconheça, nestas hipóteses, a penhorabilidade de referida verba, entendo que deva se aplicar o mesmo posicionamento adotado pela jurisprudência nos casos de penhora sobre o faturamento, limitado a um determinado percentual, a fim de não inviabilizar as atividades econômicas da empresa.

3. Manutenção da penhora on-line, porém limitada a trinta por cento da quantia depositada, a fim de não comprometer a subsistência do agravante.

4. Agravo de instrumento provido, em parte.

A jurisprudência do Eg. TJ/RS admite o deferimento de penhora sobre salários quando o caso concreto justifica, verbis:

EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE PARCELA DO SALÁRIO DO DEVEDOR. MEDIDA EXCEPCIONAL. CABIMENTO.

A despeito de não se admitir, de regra, penhora sobre salário, cabível a medida excepcional de contrição sobre parte dos vencimentos do devedor quando se apresentar como única forma de satisfação do crédito. Caso em que a credora conta mais de 85 anos de idade e a Execução tramita há mais de quatro anos. Recurso provido. Decisão monocrática.

(Agravo de Instrumento Nº 70026849521, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 14/10/2008)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO POPULAR. CONDENAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE VERBAS AO ERÁRIO. PENHORA DE 30% SOBRE OS VENCIMENTOS. IMPENHORABILIDADE AFASTADA. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO. CASO CONCRETO.

O deferimento do bloqueio de 30% sobre o salário do agravante se justifica no caso concreto, relativizando-se a impenhorabilidade prevista no art. 649, IV, do CPC, ante a supremacia do interesse público sobre o particular. Ademais, o dinheiro se sobrepõe na ordem de nomeação de bens, de acordo com art. 655 do CPC. Necessidade de satisfação do crédito do exeqüente. Manifesta improcedência. SEGUIMENTO NEGADO.

(Agravo de Instrumento Nº 70025569310, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 05/08/2008)

Destaco o entendimento do eminente Desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, do TJ/RS, no julgamento do AI 70026849521, verbis:

"A inconformidade manifestada no Agravo é de ser acolhida.

Com efeito, conforme depõem as peças que instruem o instrumento do presente recurso, a agravante intentou Execução de Título Extrajudicial em dezembro de 2004, não tendo, até a presente data, conseguido sequer formalizar penhora de bens à satisfação de seu crédito.

A despeito de já haver manifestado entendimento da impossibilidade de se ultimar constrição sobre valores advindos de verbas remuneratórias por salários, há de se mitigar a vedação frente ao caso concreto.

Na espécie, a credora pretende a penhora de 10% (dez por cento) sobre os ganhos do devedor, até implemento da quantia devida.

Nesse passo, não se visualiza gravame que ponha em risco a subsistência do executado ou de seus dependentes, porquanto mínima a parcela a sofrer constrição.

Ademais, como citado pela recorrente, esta Câmara já entendeu por bem acolher pretensão de semelhante moldura de direito, em judicioso voto de relatoria do Des. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA, sessão de julgamento a qual integrei, aresto que me reporto, verbis:

EMENTA: SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. PENHORA DE PARCELA DO SALÁRIO. EXCEPCIONALIDADE. Considerando a demonstração de que a penhora de parte do salário do devedor se mostra como o único meio capaz de evitar a frustração completa da atividade executiva, bem como a gravidade da conduta que deu origem ao crédito em execução, admite-se, de modo excepcional, a prática do ato. Peculiaridades do caso concreto. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70021928163, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 29/05/2008)

Colegas! Penso que o agravo deva ser provido.

Inicialmente, cumpre destacar que o Poder Judiciário não pode mais ser visto como um mero aplicador da lei, como pretendia Montesquieu, tampouco pode ficar trancado em redes conceituais ou puros arquétipos lógico-formais. A atividade do julgador, de notável caráter social, impõe mesmo a interpretação da legislação de modo tridimensional, ou seja, levando-se em conta os fatos, os valores e as normas.

Nesse contexto, mostra-se indispensável a superação do modelo racionalista do direito, que ignorava os aspectos culturais do fenômeno jurídico, tratando-o como uma ciência geométrica, matemática. É desse modelo a aplicação da lógica formal (do silogismo, da subsunção), em que ocorrendo os fatos previstos no tipo normativo (ou seja, havendo incidência), aplicar-se-ia a conseqüência jurídica estabelecida previamente. Pensava-se que o juiz faria justiça ao agir desse modo, aplicando a letra fria da lei.

Contudo, tem-se consciência de que a lei é elaborada de modo geral e abstrato, e ela mesma busca assegurar determinado valor (princípio). Ocorre que, em casos concretos, diante de suas peculiaridades, a aplicação pura e simples da regra pode confrontar com outros valores (ou princípios) igualmente protegidos pela ordem jurídica, o que leva o julgador a ponderá-los, buscando aquela decisão mais justa, que não atinja o núcleo essencial de nenhum princípio ou direito fundamental.

Em outras palavras, está o juiz autorizado a interpretar a legislação de modo a amoldar os valores existentes no sistema, justamente porque para se fazer justiça e, conseqüentemente, prestar-se de modo adequado a tutela jurisdicional, é preciso examinar os fatos, os valores e as normas que dizem respeito à respectiva demanda. A lei deve ser aplicada em conformidade com as peculiaridades do caso, com pretensão de correção do direto posto, especialmente naquelas hipóteses que podem ser qualificadas como hard cases, tal como ocorre nesse agravo de instrumento.

No caso concreto, não há dúvida, a aplicação pura e simples do disposto no art. 649, IV, do CPC garante, de modo absoluto, a proteção ao salário do agravado. Por outro lado, atinge frontalmente o direito fundamental da agravante de ser compensada pelos prejuízos suportados, pois a impenhorabilidade do salário frustraria a execução da obrigação de seu algoz, obrigação reconhecida em sentença criminal condenatória transitada em julgado.

Para elucidar a questão, convém destacar a gravidade da causa que deu origem ao crédito da agravante. Ela, uma criança de 12 anos de idade, foi estuprada pelo agravado, que tinha 32 anos na época. Transcrevo parte dos fatos apurados na espera penal:

A vítima contou que juntamente com seu irmão foi buscar leite num sítio, sendo que aquele se distanciou a frente por estar de bicicleta. Enquanto caminhava pelo trilho (trilha) que leva até o sítio, foi abordada pelo réu, conhecido de seu pai, sendo que ele agarrou-a pelo pescoço e mandou que não gritasse, pois senão morreria. Arrastou-a por uns 500 metros até um mato. No caminho a vítima largou seus tamancos na esperança de que seu irmão os encontrasse e chamasse seu pai. No mato o réu seguiu com as ameaças de morte, jogou a vítima no chão, tirou-lhe as roupas e a deflorou. Feito isso, tornou a dizer que nada contasse a alguém. Ele deixou o local por um lado e a vítima por outro, logo encontrando uma amiga, a quem contou o ocorrido. Em seguida encontrou seu pai e contou a ele também. Seu irmão encontrou seus chinelos e chamou o pai. No mato o acusado ficou tapando a boca da vítima durante o tempo.

(...)

Nesse contexto, tenho que a frustração da reparação da vítima no campo econômico culminaria mesmo com a negativa de prestação de tutela jurisdicional, visto que esta deve ser realizada não apenas no plano normativo, mas, também, no plano sensível da vida. Vejamos (BAGGIO, Lucas Pereira. Formas de Tutela Jurisdicional e a Tutela Condenatória. In Instrumentos de Coerção e Outros Temas de Direito Processual Civil: Estudos em homenagem aos 25 anos de docência do...

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