Acórdão nº 2007/0101123-6 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Número do processo2007/0101123-6
Data22 Abril 2008
ÓrgãoPrimeira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 948.944 - SP (2007/0101123-6)

RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADO
RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR : LAÍS NUNES DE ABREU E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERES. : J L

EMENTA

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE REMÉDIO. DOENÇA GRAVE. ACÓRDÃO FUNDADO EM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO APELO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.

  1. Cuida-se de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e pelo Ministério Público Federal em face do INSS objetivando garantir à criança J. L, acometida da moléstia denominada "puberdade precoce verdadeira", tratamento mediante fornecimento do medicamento NEODECAPEPTYL. O TRF da 3ª Região, por unanimidade, manteve a sentença de Primeiro Grau, por entender que: a) o INSS é parte legítima para figurar no feito tendo em vista que as fontes de financiamento da seguridade social são comuns tanto à saúde quanto à assistência e previdência social, a teor do que disciplinam os arts. 194 e 195, da CF de 1988; b) o fornecimento do medicamento pleiteado é medida que se impõe em face dos princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade humana, de proteção à saúde e à criança. Em sede de recurso especial, o INSS aponta negativa de vigência dos artigos 267, VI, 535 II, do CPC, 11, da Lei n. 8.689/93 e a Lei n. 8.088/90. Interpostos recursos extraordinário e especial, sendo o último admitido pelo TRF da 3ª Região. Sem agravo de instrumento contra a decisão que inadmitiu o apelo extraordinário, conforme certidão de fl. 233. Parecer do Ministério Público Federal (fls. 288/293) opinando pelo não-conhecimento do recurso ao argumento de que: a) as Súmulas n. 282 e 284 do STF incidem à espécie; b) o acórdão não pode ser revisto na via especial porque decidido à luz da interpretação da norma constitucional; c) não prospera a alegada nulidade do acórdão, por afronta ao artigo 535, II, do CPC.

  2. Não há violação do art. 535,II, do CPC, quando o julgador apresenta fundamento jurídico sobre a matéria apontada como omissa, muito embora sem adotar a tese de direito ventilada pela parte. No caso, a questão vertente à legitimidade do INSS para figurar no pólo passivo da lide foi decidida pelo Tribunal de origem com suporte nos artigos 194 e 195 da CF de 1988.

  3. O TRF da 3ª Região apreciou a demanda a partir da interpretação da norma constitucional. Desse modo, é inviável a revisão do aresto, na via do recurso especial, sob pena de usurpar a competência atribuída pela Carta Magna ao colendo STF.

  4. Nesse sentido, destaco do julgado impugnado (fls. 158/159):

    No caso concreto, é possível que a criança tenha direito a receber tutela jurisdicional favorável a seu interesse, com fundamento em princípios contidos na Lei Maior, ainda que nenhuma regra infraconstitucional vigente apresente solução para o caso. Para a solução desse tipo de caso, denominado por R. Dworkin como “hard case”(caso difícil), não se deve utilizar argumentos de natureza política, mas apenas argumentos de princípio.

    O pedido de fornecimento do medicamento à menor(direito a prestações estatais stricto sensu - direitos sociais fundamentais), traduz-se, in casu, no conflito de princípios: de um lado, os da dignidade humana, de proteção ao menor, do direito à saúde, da assistência social e da solidariedade e, de outro, os princípios democrático e da separação dos Poderes.

    A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma(do seu enunciado)para uma norma concreta - norma jurídica - que, por sua vez, será um resultado intermediário em direção à norma decisão(resultado final da concretização). (J.J Gomes Canotilho e F. Müller).

    Pelo modelo síntese de ponderação de princípios (Alexy), o extremo benefício que a determinação judicial para fornecimento do medicamento proporciona à menor faz com que os princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade humana, de proteção à saúde e a criança prevaleçam em face dos princípios democrático e da separação de poderes, minimamente atingidos no caso concreto.

  5. Recurso especial conhecido em parte e não-provido. Ausência de violação do art. 535,II, do CPC.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda (Presidenta) votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília (DF), 22 de abril de 2008 (Data do Julgamento)

    MINISTRO JOSÉ DELGADO

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 948.944 - SP (2007/0101123-6)

    RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADO
    RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
    PROCURADOR : LAÍS NUNES DE ABREU E OUTRO(S)
    RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
    INTERES. : J L

    RELATÓRIO

    O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (art. 105, III, "a", da Constituição Federal de 1988), contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região assim ementado (fls. 158/159):

    AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE PASSIVA: INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO - “HARD CASE” (CASOS DIFÍCEIS)- CONFLITUOSIDADE ENTRE PRINCÍPIOS - UTILIZAÇÃO DE METÓDICA DE CONCRETIZAÇÃO CONSTITUCIONAL- CARÁTER “PRIMA FACIE” DOS PRINCÍPIOS- MODELO SÍNTESE DE PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS.

  6. Ação civil pública para defesa da saúde da criança, enferma de doença rara “puberdade precoce verdadeira”, cujo tratamento medicamentoso é de elevado preço, não pode ser interrompido e a família da menor não reúne condições econômicas para custeá-lo.

  7. As normas processuais - tais como as que definem a legitimidade passiva - devem ser entendidas em harmonia com o direito material, sobretudo a Constituição. In casu, ao tempo em que ajuizada a demanda, urgia-se de um lado a necessidade imediata de ações concretas do Estado para proteção da saúde e vida de uma criança de um ano e dez meses, sendo que de outro lado nos deparávamos com um momento ainda inicial de implantação dessa rede de serviços de saúde, onde a distribuição de competências, ações e principalmente a estruturação econômica do SUS não se apresentavam adequadamente definidas, fatos esses que tornavam justificável a dúvida de quem deveria figurar no pólo passivo da ação(União ou INSS) . Nesse quadro, razoável o endereçamento da ação em face do INSS(autarquia especializada em seguridade social).

  8. No caso concreto, é possível que a criança tenha direito a receber tutela jurisdicional favorável a seu interesse, com fundamento em princípios contidos na Lei Maior, ainda que nenhuma regra infraconstitucional vigente apresente solução para o caso. Para a solução desse tipo de caso, denominado por R. Dworkin como “hard case”(caso difícil), não se deve utilizar argumentos de natureza política, mas apenas argumentos de princípio.

  9. O pedido de fornecimento do medicamento à menor(direito a prestações estatais stricto sensu - direitos sociais fundamentais), traduz-se, in casu, no conflito de princípios: de um lado, os da dignidade humana, de proteção ao menor, do direito à saúde, da assistência social e da solidariedade e, de outro, os princípios democrático e da separação dos Poderes.

  10. A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma(do seu enunciado)para uma norma concreta - norma jurídica - que, por sua vez, será um resultado intermediário em direção à norma decisão(resultado final da concretização). (J.J Gomes Canotilho e F. Müller).

  11. ...

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