Acórdão nº 2005/0160115-2 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistro LUIZ FUX (1122)
EmissorT1 - PRIMEIRA TURMA
Tipo de RecursoRecurso Especial

RECURSO ESPECIAL Nº 784.167 - PR (2005/0160115-2)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : ESTADO DO PARANÁ
PROCURADOR : CESAR AUGUSTO BINDER E OUTRO(S)
RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA
PROCURADOR : V.A.F. E OUTRO(S)
INTERES. : ENGARTH KROLL E OUTROS
ADVOGADO : AMAURY PEREIRA ROSA

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO DIRETA. DISCUSSÃO ACERCA DO DOMÍNIO. ART. 34 DO DL. 3.365/41. TERRAS DE FRONTEIRA. PARANÁ.

  1. A alienação pelo Estado da Federação de terras de fronteira pertencentes à União é considerada transferência a non dominio, por isso que nula.

  2. É máxima jurídica sedimentada que "ninguém pode transferir o que não tem", tampouco a entidade pública pode desapropriar bem próprio (nemo plus iuris transfere ad alium potest quam ipse habet).

  3. Deveras, a doutrina de Carnelutti na sua Teoria Geral do Direito, acerca do ato jurídico inexistente aduz que:

    "Oposto a eficácia do ato e, em geral, do fato, que procede, não da sua perfeição mas da sua imperfeição, é a sua ineficácia. Ineficácia do ato material e inexistência do ato jurídico são designações equivalentes.

    É a segunda a preferida na prática, em matéria de ato ilícito e, em geral, de atos não imperativos, em vista de estes atos serem praticados com um fim prático, independente da sua eficácia jurídica. Quando faltam os requisitos dessa eficácia, diz-se então, simplesmente, que não existe ato jurídico, ou que o ato material não constitui ainda um ato jurídico. Tal é, particularmente a fórmula adotada pelo Código de Processo Penal, onde se declara, para o caso de existir o ato material mas ser desprovido dos requisitos jurídicos, que o fato não constitui infração (a chamada Declaração de inexistência da infração: art. 479 do CPP).

    Quanto aos atos imperativos, quando existe o ato material mas falta algum dos seus requisitos jurídicos, é uso chamar à ineficácia nulidade, designação diversa que tem como razão o fato de em tais atos a consecução do seu fim prático depender da sua eficácia jurídica, o que faz com que a ineficácia os torne inúteis, isto é, os anule por completo. O aforismo nullum est quod nullum producit effectum teria, pois, mais sabor se o invertêssemos; a nulidade é que é a expressão da inutilidade, e não vice-versa. Por outro lado, a inexistência deveria aqui significar, não propriamente a inexistência dos elementos jurídicos, mas dos elementos materiais do ato. Em breve veremos, porém, que há necessidade de alterar o conceito de inexistência. (Ed. Lejus, 2000, p. 484 e 161).

  4. O novel Código Civil, ao versar a política das nulidades, erigiu regras que revelam que a nulidade absoluta e a inexistência jurídica são denominações que revelam a mesma essência conceitual. Assim é que dispõem os arts. 166, 168 e 169, verbis:

    Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

    II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

    Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

    Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.

    Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

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  5. A doutrina do novo ordenamento é assente no sentido de que que: "A impossibilidade do objeto refere-se, essencialmente, ao aspecto físico ou jurídico. Por impossibilidade física do objeto compreende-se tudo o que o homem não pode realizar por suas próprias forças, impedindo pelas leis naturais. O aspecto jurídico diz respeito ao objeto incompatível com o ordenamento jurídico, seja por determinação da lei ou de disposição negocial. Indeterminável é o objeto que não pode ser determinado, faltando no conteúdo da declaração os requisitos para tornar possível a prestação" (Gustavo Tepedino et. al. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Vol. I. Renovar, p.310). No mesmo sentido, a doutrina atual do tema em contradição: A.J. deA., Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 2002; Antônio Junqueira de Azevedo, Negócio Jurídico e Declaração Negocial, São Paulo, 1986; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. I, 20. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004; C.A. daM.P., Teoria Geral do Direito Civil, 3. ed., Coimbra Editora, 1999; Clovis Bevilaqua, Código Civil Comentado, 10. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1953; Francesco Ferrara, A simulação dos Negócios Jurídicos, São Paulo, Saraiva, 1939; Francisco Amaral, Direito Civil, 5. ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2003; J.M. Carvalho Santos, Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. III, 9. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1963; João Alberto Schützer Del Nero, Conversão Substancial do Negócio Jurídico, Rio de Janeiro, Renovar, 2001; José Beleza dos Santos, A Simulação em Direito Civil, Coimbra, 1955; Leonardo de Andrade Mattietto, Invalidade dos Atos e Negócios Jurídicos, in Gustavo Tepedino (coord.), A Parte Geral do Novo Código Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 2002; Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 4. ed., Coimbra, Almedina, 1995; Marcos Bernades de Mello, Teoria do Fato Jurídico: Plano de Validade, 4.ed., Rio de Janeiro, Saraiva, 2004; Pablo Stolze Gagliano e R.P.F., Novo Curso de Direito Civil, vol. I, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 2003; Pietro Perlingieri, Perfis do Direito Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1999; Régis Velasco Fichtner Pereira, A Fraude à Lei, Rio de Janeiro, Renovar, 1994; Renan Lotufo, Código Civil Comentado, vol. I, São Paulo, Saraiva, 2003; Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil, vol. 1, São Paulo, Altas, 2001; Sílvio Rodrigues, Direito Civil, 34. ed., São Paulo, Saraiva, 2003.

  6. A adequação da realidade normativa à realidade prática denota que a ação de desapropriação por interesse social restou como a única demanda possível, posto ensejar imissão imediata na posse pela União, atingindo o escopo judicial da paz social, in casu, a crise fundiária legal entre os assentados e os ilegalmente titulados.

  7. Deveras, a expropriação é ação real e por isso o domínio é o seu tema central. A suposta propriedade do Paraná sobre os imóveis ilegalmente alienados impõe a formação de litisconsórcio necessário (art. 47, § único, c.c o art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.871/99), verbis:

    CPC - Art. 47 - Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo

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    Lei n° 9.871/99 - Art. 3° Caso a desapropriação, por interesse social, para fins de reforma agrária, recaia sobre imóvel rural, objeto de registro, no Registro de Imóveis, em nome de particular, que não tenha sido destacado, validamente, do domínio público por título formal ou por força de legislação específica, o Estado, no qual situada a área, será citado para integrar a ação de desapropriação.

    § 1° Nas ações judiciais em andamento, o Incra requererá a citação do Estado.

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  8. Consectariamente, inocorre julgamento extra-petita na análise do domínio, no bojo da presente ação, porquanto há, em verdade, impossibilidade jurídica de o titular expropriar bem próprio, o que encerra figura assemelhada à confusão.

  9. Deveras, não cabe ao ente público expropriar e indenizar aquilo que lhe pertente, ou, ainda, ao Incra indenizar área pertencente à União.

  10. In casu, cuida-se de milhares de ações de desapropriação em curso na Justiça Federal do Estado Paraná, cuja discussão dominial assume relevância amazônica, impondo-se o afastamento do óbice em enfrentar a legitimidade dos títulos, sob pena de resultar em nefastas conseqüências aos entes envolvidos - expropriados, Incra, União e Ministério Público, como, v.g., duplicação do número de ações no judiciário e enriquecimento sem causa, com prejuízos incalculáveis, segundo relatado pelo juízo de primeira instância.

  11. Destarte, o afastamento da orientação jurisprudencial dominante torna-se, na hipótese, medida imperiosa, sem caracterizar violação à uniformização, porquanto a dúvida quanto à legitimidade dos títulos é real e concreta, demonstrável prima facie evidente, inclusive com orientações firmadas há décadas pelo Pretório Excelso, verbis:

    "TERRAS DE FAIXA DE FRONTEIRA. LEI N. 2.597 DE 12-9-55. ESSAS TERRAS PERTENCEM AO DOMÍNIO DA UNIÃO. OS ESTADOS DELAS NÃO PODEM DISPOR".

    (...)

    Ora, no caso concreto, a justiça paranaense fez reverter para o Estado, as terras outrora vendidas à recorrente e integrantes da referida faixa. É verdade que essas terras foram vendidas pelo Estado, mas, isso significa que os seus títulos estão sujeitos à ratificação e retificação pela União que, no exercício do seu juízo discricionário, dirá se esses títulos continuam ou não continuam a ser válidos, através do reconhecimento que processar da legitimidade da concessão feita. E, as terras pertencem, incontestavelmente, ao domínio da União. É faixa de fronteira reservada expressamente há mais de um século aos serviços de defesa nacional, faixa esta, que hoje passou a ser de 150 Km, como em 1850 era de dez léguas". (STF - RE. 52331/PR. Min. Hermes Lima, DJ. 10.09.1963.

  12. No mesmo sentido:

    "TERRAS DEVOLUTAS. FAIXA DE FRONTEIRA. CONCESSÃO FEITA PELO ESTADO. RESCISÃO.

    - As terras devolutas situadas na faixa de fronteira são bens dominicais da União.

    - As concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelo Estado anteriormente à vigente Constituição, devem ser interpretadas legitimando o uso, mas não a transferência do domínio, em virtude de manifesta tolerância da União e de expresso reconhecimento de...

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