Acórdão nº 2005/0190825-0 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Data25 Março 2008
Número do processo2005/0190825-0
ÓrgãoPrimeira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 798.143 - RJ (2005/0190825-0)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : G.G.C. - ESPÓLIO E OUTROS
REPR. POR : R.C.D.R.C. - INVENTARIANTE
ADVOGADO : MARCELLO CINELLI DE PAULA FREITAS E OUTRO(S)
RECORRIDO : COMPANHIA MUNICIPAL DE ENERGIA E ILUMINAÇÃO - RIOLUZ
PROCURADOR : EDUARDO ALVES FONTE E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE. DESAPROPRIAÇÃO EFETUADA POR ENTE MUNICIPAL. TERRENO DE MARINHA. DECRETO-LEI Nº 9.760/46. BEM PERTENCENTE À UNIÃO. ART. 20, II, DA CF/1988. EXPROPRIADO PROPRIETÁRIO SOMENTE DO DOMÍNIO ÚTIL DO IMÓVEL. ENFITEUSE. RESTITUIÇÃO PELO VALOR PAGO A MAIOR. POSSIBILIDADE.

  1. A desapropriação tem como pressuposto o domínio do expropriado e o domínio iminente do Poder Público, por força da supremacia dos interesses estatais.

  2. Consectariamente, é juridicamente impossível a expropriação de bens próprios, muito embora o seja, no caso da enfiteuse, viável a aquisição originária do domínio útil.

  3. A alienação de bem de terceiro é ato jurídico ineficaz ou inexistente, porquanto ninguém pode transferir o que não tem, tampouco a entidade pública pode desapropriar bem próprio ( nemo plus iuris transfere ad alium potest quam ipse habet).

  4. Deveras, a doutrina de Carnelutti na sua Teoria Geral do Direito, acerca do ato jurídico inexistente aduz que:

    "Oposto a eficácia do ato e, em geral, do fato, que procede, não da sua perfeição mas da sua imperfeição, é a sua ineficácia. Ineficácia do ato material e inexistência do ato jurídico são designações equivalentes.

    É a segunda a preferida na prática, em matéria de ato ilícito e, em geral, de atos não imperativos, em vista de estes atos serem praticados com um fim prático, independente da sua eficácia jurídica. Quando faltam os requisitos dessa eficácia, diz-se então, simplesmente, que não existe ato jurídico, ou que o ato material não constitui ainda um ato jurídico. Tal é, particularmente a fórmula adotada pelo Código de Processo Penal, onde se declara, para o caso de existir o ato material mas ser desprovido dos requisitos jurídicos, que o fato não constitui infração (a chamada Declaração de inexistência da infração: art. 479 do CPP).

    Quanto aos atos imperativos, quando existe o ato material mas falta algum dos seus requisitos jurídicos, é uso chamar à ineficácia nulidade, designação diversa que tem como razão o fato de em tais atos a consecução do seu fim prático depender da sua eficácia jurídica, o que faz com que a ineficácia os torne inúteis, isto é, os anule por completo. O aforismo nullum est quod nullum producit effectum teria, pois, mais sabor se o invertêssemos; a nulidade é que é a expressão da inutilidade, e não vice-versa. Por outro lado, a inexistência deveria aqui significar, não propriamente a inexistência dos elementos jurídicos, mas dos elementos materiais do ato. Em breve veremos, porém, que há necessidade de alterar o conceito de inexistência. (Ed. Lejus, 2000, p. 484 e 161).

  5. O novel Código Civil, ao versar a política das nulidades, erigiu regras que revelam que a nulidade absoluta e a inexistência jurídica são denominações que revelam a mesma essência conceitual. Assim é que dispõem os arts. 166, 168 e 169, verbis:

    Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

    II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

    Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

    Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.

    Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

    -------------------------------------------------------

  6. A doutrina do novo ordenamento é assente no sentido de que que: "A impossibilidade do objeto refere-se, essencialmente, ao aspecto físico ou jurídico. Por impossibilidade física do objeto compreende-se tudo o que o homem não pode realizar por suas próprias forças, impedindo pelas leis naturais. O aspecto jurídico diz respeito ao objeto incompatível com o ordenamento jurídico, seja por determinação da lei ou de disposição negocial. Indeterminável é o objeto que não pode ser determinado, faltando no conteúdo da declaração os requisitos para tornar possível a prestação" (Gustavo Tepedino et. al. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Vol. I. Renovar, p.310). No mesmo sentido, a doutrina atual do tema em contradição: A.J. deA., Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 2002; Antônio Junqueira de Azevedo, Negócio Jurídico e Declaração Negocial, São Paulo, 1986; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. I, 20. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004; C.A. daM.P., Teoria Geral do Direito Civil, 3. ed., Coimbra Editora, 1999; Clovis Bevilaqua, Código Civil Comentado, 10. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1953; Francesco Ferrara, A simulação dos Negócios Jurídicos, São Paulo, Saraiva, 1939; Francisco Amaral, Direito Civil, 5. ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2003; J.M. Carvalho Santos, Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. III, 9. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1963; João Alberto Schützer Del Nero, Conversão Substancial do Negócio Jurídico, Rio de Janeiro, Renovar, 2001; José Beleza dos Santos, A Simulação em Direito Civil, Coimbra, 1955; Leonardo de Andrade Mattietto, Invalidade dos Atos e Negócios Jurídicos, in Gustavo Tepedino (coord.), A Parte Geral do Novo Código Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 2002; Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 4. ed., Coimbra, Almedina, 1995; Marcos Bernades de Mello, Teoria do Fato Jurídico: Plano de Validade, 4.ed., Rio de Janeiro, Saraiva, 2004; Pablo Stolze Gagliano e R.P.F., Novo Curso de Direito Civil, vol. I, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 2003; Pietro Perlingieri, Perfis do Direito Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1999; Régis Velasco Fichtner Pereira, A Fraude à Lei, Rio de Janeiro, Renovar, 1994; Renan Lotufo, Código Civil Comentado, vol. I, São Paulo, Saraiva, 2003; Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil, vol. 1, São Paulo, Altas, 2001; Sílvio Rodrigues, Direito Civil, 34. ed., São Paulo, Saraiva, 2003.

  7. A desapropriação, em caso de enfiteuse, não pode, como evidente, incidir sobre o domínio pleno, tanto mais que vigora como consectário do princípio que veda o enriquecimento ilícito, a máxima (ninguém pode transferir a outrem mais direito do que ostenta).

  8. O expropriante, verificando ter desapropriado bem próprio, pode pleitear em "repetição de indébito", ação de nítido caráter pessoal, o que indevidamente pagou.

  9. In casu, a decisão a quo, após aferir o pagamento indevido, determinou que em liquidação de sentença fosse deduzido o valor do domínio útil.

  10. Os bens públicos dominicais são inafetáveis ao uso comum ou especial, bem como inalienáveis e impassíveis de transferência ex vi legis por força de prescrição consumativa, posto também imprescritíveis.

  11. Deveras, é cediço à luz do caso concreto que: a) A inscrição da enfiteuse no RGI gerou presunção de ciência erga omnes; b) A desapropriação é forma originária de aquisição da propriedade, o que torna incompatível com garantia da evicção; c) A boa-fé é inoperante na hipótese de venda a non dominio para efeito de consolidação de propriedade, repercutindo, tão-somente, no tocante a imputação de perdas e danos; d) A aferição do valor a ser repetido é matéria insindicável no E.STJ; e) A desapropriação de bem próprio corresponde a uma não expropriação, porquanto ato inexistente na concepção privatística do ato jurídico.

  12. A ação de rito ordinário, objetivando o ressarcimento do valor pago aos ora recorrentes a título de indenização por desapropriação de imóvel, que a recorrida julgava ser de propriedade dos recorrentes, é de natureza pessoal e sua prescrição é vintenária.

  13. Inocorre erro in procedendo na apreciação do mérito quando o panorama da causa enquadra no § 3º, do art. 515, do CPC, de aferição única da instância a quo.

  14. Recurso especial improvido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, após o voto-vista do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki (voto-vista), Denise Arruda (RISTJ, art. 162, § 2º, segunda parte), José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília (DF), 25 de março de 2008(Data do Julgamento)

    MINISTRO LUIZ FUX

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 798.143 - RJ (2005/0190825-0)

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pelo espólio de G.G.G. e outros, fulcrado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, integrado por embargos de declaração, assim ementados:

    EXTINÇÃO DO PROCESSO. CONFIGURAÇÃO DA LEGITIMIDADE DE PARTE. MATÉRIA EXCLUSIVA DE DIREITO. JULGAMENTO DE MÉRITO PELO TRIBUNAL EM CAUSA MADURA (art. 515, §3°, do CPC). REPETIÇÃO DO INDÉBITO. VENDA DE DOMÍNIO PLENO. BEM DE TITULARIDADE DA UNIÃO FEDERAL. LIMITAÇÃO DO PREÇO AOS VALORES DOS DIREITOS DO ALlENANTE.

    Estando a causa madura para a definição do mérito e versando matéria exclusiva de direito (art. 515, §3°, do CPC) impõe-se o reconhecimento da legitimidade da parte autora para postular o pedido da inicial, bem como a obrigação da ré de lhe repetir o valor atualizado do preço pago a maior, a título de venda de domínio pleno, deduzido o preço do domínio útil, compreendendo direitos à ocupação e em formação de aforamento, propriedade de acessões e benfeitorias, em valores atualizados, a ser apurado em liquidação de sentença, por arbitramento pericial.

    Provimento parcial do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT