Acórdão nº 2003/0062403-4 de S1 - PRIMEIRA SEÇÃO

Número do processo2003/0062403-4
Data12 Março 2008
ÓrgãoPrimeira Seção (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 541.239 - DF (2003/0062403-4)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
EMBARGANTE : S.S.I.E.C.D.M.
ADVOGADO : DOMINGOS NOVELLI VAZ
EMBARGADO : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : C.R.S.K. E OUTRO(S)

EMENTA

TRIBUTÁRIO. IPI. CRÉDITO-PRÊMIO. DECRETOS-LEIS 491/69, 1.724/79, 1.722/79, 1.658/79 E 1.894/81. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. EXTINÇÃO DO BENEFÍCIO. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA PELA PRIMEIRA SEÇÃO. VIGÊNCIA DO ESTÍMULO FISCAL ATÉ 04 DE OUTUBRO DE 1990. RESSALVA DO ENTENDIMENTO DO RELATOR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 07/STJ.

  1. O crédito-prêmio do IPI, nas demandas que visam o seu recebimento, posto não versarem hipótese de restituição, na qual se discute pagamento indevido ou a maior, mas, antes, reconhecimento de aproveitamento decorrente da regra da não-cumulatividade estabelecida pelo texto constitucional, não obedece a regra inserta no artigo 168, do CTN, sendo-lhe aplicável o disposto no Decreto nº 20.910/32, que estabelece o prazo prescricional de cinco anos, contados do ato ou fato que originou o crédito.

  2. Destarte, os créditos fiscais passíveis de aproveitamento são os adquiridos nos cinco anos imediatamente anteriores ao ajuizamento da ação (Precedentes das Turmas de Direito Público: AgRg no Ag 585290/RS, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, publicado no DJ de 28.02.2005; REsp 225359/DF, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, publicado no DJ de 16.05.2005; AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 675087/PR, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, publicado no DJ de 20.03.2006; e REsp 799074/RS, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, publicado no DJ de 17.04.2006).

  3. Ação ajuizada em 09/06/1994, objetivando o reconhecimento do direito líquido e certo de se creditarem e utilizarem os créditos de IPI referente ao crédito-prêmio concedido às operações de exportação, previsto no art. 1º, do Decreto-Lei 491/69, dos créditos referentes ao período de 1985 até outubro de 1990.

  4. O Supremo Tribunal Federal ao conhecer e julgar inúmeros Recursos Extraordinários acerca da causa sub judice, notadamente no que pertine à inconstitucionalidade das delegações ao Ministro da Fazenda para se imiscuir na subsistência do incentivo fiscal, deixou clara a natureza tributária do crédito prêmio sob alguns aspectos, bem como a sua submissão ao regime dos créditos contra a Fazenda em geral, de sorte que é heteróloga a incidência legislativa na solução das questões atinentes ao crédito prêmio do IPI, incidindo na espécie, as regras gerais do Código civil, mercê de coadjuvadas pelas regras tributárias.

  5. Deveras, a interpretação dos institutos jurídicos obedece à regra mater de aproximá-los, por analogia, daqueles que com o mesmo guardam afinidades técnico-jurídicas, assim ocorrendo com os contratos atípicos, com os processos e procedimentos, com as obrigações em geral, etc.

  6. Sob esse enfoque, forçoso ter presente, no que pertine à eficácia da lei no tempo, as regras da Lei de Introdução ao Código Civil, na parte em que se relaciona com o thema sub judice.

  7. O Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil) dispõe que:

    "Art. 2° - Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

    § 1° - A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

    § 2° - A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

    § 3° - Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência."

  8. É assente na doutrina nacional e alienígena que: "quando as leis especiais regulam matéria compreendida num Código ou em outra lei geral, mas contêm, sobre a mesma, disposições que não se encontram no Código ou na lei geral e que não contradizem ao novo direito, continuam em vigor, em relação a todas as disposições que devem ser consideradas como parte integrante do novo Código ou da nova lei." (Doutrina clássica de SAREDO, in Trattato Delle Leggi, 1886, pág. 505; e Abrogazione Delle Leggi, nº 111, in Digesto Italiano, Vol. 1ª parte, 1927, pág. 134).

  9. À igual solução chega FIORE, quando observa no caso de determinada matéria ser disciplinada por uma lei geral, havendo certas relações, atinentes à mesma espécie, reguladas por lei particular, o fato de ser publicada uma lei geral, que reja a matéria, na sua integralidade, não traz como conseqüência ab-rogação implícita da lei especial relativa a ela, quando se não apresenta incompatibilidade absoluta entre essa lei especial e a geral, ou quando a ab-rogação não resulte claramente da intenção legislativa, do objeto, do espírito ou do fim da lei geral. (Fiore, D.D.G.S.P., Applicazione ed Interpretazione Delle Leggi, Parte 1º de II Dirito Civile Italiano Secondo La Dottrina e La Giurisprudenza, de Fiore, Brugi e outros, vol. 2º, 2ª ed., Rago, 1925, página 653 e nota 1 - reportando-se à monografia de Giuliani, em La Legge, 1867, pág. 289, e a decisões da Corte de Cassação de Turim (dezembro de 1866 e 1º de fevereiro de 1867) e da de Macerata (28 de fevereiro de 1867)).

    9.1 A doutrina nacional de Eduardo Espínola, in A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho, 3ª Ed., Renovar, Rio de Janeiro, 1999 leciona que:

    "(...)A Lei de Introdução acolheu, destarte, a fórmula do Código Civil Italiano - “Lê leggi non sono abrogate Che da leggi per dichiarazione esperssa Del legislatore, o per incompatibilità delle nuove disposizioni com lê precedenti, o perche la nuova elgge l'intera matéria già regolata dalla legge anteriore” -, que se conservou, quase sem alteração de palavras, co Código de 1939.

    Da combinação dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei de Introdução, resulta que uma disposição geral não se entende ter revogado a disposição geral já existente, podendo subsistir as duas, quando, não havendo entre elas incompatibilidade, a nova lei geral não disponha, inteiramente, sobre a matéria de que tratava a disposição geral anterior.

    Se se tratar de um Código ou de uma lei orgânica, que regule completamente a matéria em questão, a conclusão a que devemos chegar, tendo em vista a última parte do parágrafo primeiro, é que estão revogadas todas as disposições gerais e especiais que se referiam à mesma matéria.

  10. Dessume-se de tudo quanto exposto que: (i) a ab-rogação da lei não se presume; (ii) no silêncio do legislador, deve presumir-se que a lei nova pode conciliar-se com a precedente; (iii) a lei especial derroga a geral, a não ser que das suas palavras, ou do seu espírito, resulte manifesta a intenção do legislador de ter querido suprimir qualquer disposição particular e dar força absoluta à lei geral: in tolo jure generi per speciem derogatur et illud porissimum habetur, quod ad speciem derogatur et iltud potissimum habetur, quod ad ,Ipeciem directum est" (L. 80, D. De reg. jur., L. 17); (iv) a disposição especial revogará a geral quando a ela ou ao seu assunto se referir, alterando-a explícita ou implicitamente, o que. conforme dissemos. é a regra geral; outrossim, deixando subentender que a lei especial, referindo-se à disposição da lei geral ou ao seu assunto, não revogará essa disposição, quando, em vez de alterá-la, que é o caso comum, se destina a dar força absoluta à lei geral; (v) a ab-rogação política das leis só estende a sua eficácia às que são absolutamente incompatíveis com o direito público do Estado; e (vi) um artigo de lei pode sobreviver a todo o resto de uma lei ab-rogada.

  11. A hermenêutica e a aplicação da Lei Tributária, em face da natureza dos tributos, cujo escopo é a satisfação coletiva, impõe obediência a certas regras, no dizer do maior exegeta brasileiro que foi Carlos Maximiliano. Consoante as suas insuperáveis lições,"(...)quando se trata de competência para decretar ônus fiscais, decide-se, na dúvida, pelo poder de tributar; quando se interpreta lei de impostos, observa-se o inverso - opina-se, de preferência, a favor do contribuinte e contra o erário. Presume-se o direito de lançar taxas; não se presume o lançamento. Entretanto não se interpreta a lei tendo em vista só a defesa do contribuinte, nem tampouco a do Tesouro apenas. O cuidado de exegeta não pode ser unilateral: deve mostrar-se equânime o hermeneuta e conciliar os interesses em momentâneo, ocasional, contrataste. Não atende somente à letra, nem se deixa dominar pela preocupação de restringir; resolve de modo que o sentido prevaleça e o fim óbvio, o transporte objetivo seja atingido. O escopo, a razão da lei, a causa, os valores jurídico-sociais.(...)".

  12. Isto porque, com esteio na doutrina alienígena o exegeta enfatiza, litteris: "(...) Opostas ao in dubio contra fiscum, até hoje universalmente vitorioso na jurisprudência, despontam objeções no campo da doutrina, fundadas em não ser, hoje, o tributo uma imposição arbitrária e talvez caprichosa de potentado, como outrora; porém a conseqüência do reconhecimento espontâneo de um dever para com a pátria e a sociedade feito pelos próprios contribuintes: estes, representados pelos seus eleitos, decretam o ônus para si próprios, consentem no lançamento, apóiam-no de antemão." (In Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, 19ª edição, 2001, p. 271 com citações dos clássicos: Mantellini - Lo Stato e il Codice Civile, Vol. I, p. 233 e segs.; Benvenuo Griziotti - Principii di Politica, Diritto e Scienza delle Finanze, 1929, p. 200-206; Ezio Vanoni - Natura ed Interpretazione Delle Leggi Tributarie, 1932, p. 3-35).

  13. À luz desses princípios informativos perenes, forçoso concluir que o Crédito-Prêmio, num país de notória situação de agravamento de suas contas públicas internas e externas, revela situação excepcional e privilegiante, as quais induzem o intérprete a ter presente que: "O rigor é maior em se tratando de disposição excepcional, de isenções ou abrandamentos de ônus em proveito de indivíduos ou...

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