nº 2001.72.00.003683-2 de Tribunal Regional Federal da 4a Região, Oitava Turma, 9 de Febrero de 2005

Magistrado ResponsávelPaulo Afonso Brum Vaz
Data da Resolução 9 de Febrero de 2005
EmissorOitava Turma
Tipo de RecursoApelação Criminal

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.72.00.003683-2/SC

EMENTA

PENAL. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. FORMA EQUIPARADA. ART. 273, § 1º-B, I, V E VI, DO CP. COMPETÊNCIA FEDERAL. INTRODUÇÃO EM TERRITÓRIO NACIONAL DE COMPRIMIDOS DE CYTOTEC. PENA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO. PARÂMETRO. DELITO DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO. Os crimes que afetem a saúde pública não atraem, só por isso, a competência federal. A importação de remédio de procedência ignorada, sem registro e adquirido de estabelecimento sem licença do Órgão de Vigilância Sanitária competente, no entanto, pode ser entendida como contrabando sob forma especializada. Por opção legislativa (Lei nº 9.677/98), uma conduta que antes se amoldava ao tipo previsto no art. 334 do CP passou a ser prevista em tipo penal próprio (art. 273 do CP), providência que não alterou, todavia, a competência federal para processamento e julgamento do feito. Quem introduz clandestinamente em solo nacional produto de origem estrangeira destinado a fins terapêuticos ou medicinais, sem registro, de procedência ignorada e adquirido de estabelecimento sem licença do Órgão de Vigilância Sanitária competente, pratica o delito capitulado no art. 273, § 1º-B, incisos I, V e VI, do CP. A pena do delito previsto no art. 273 do CP - com a redação que lhe deu a Lei nº 9.677, de 02 de julho de 1998 - (reclusão, de 10 (dez) e 15 (quinze) anos, e multa) deve, por excessivamente severa, ficar reservada para punir apenas aquelas condutas que exponham a sociedade e a economia popular a "enormes danos" (exposição de motivos). Nos casos de fatos que, embora censuráveis, não assumam tamanha gravidade, deve-se recorrer, tanto quanto possível, ao emprego da analogia em favor do réu, recolhendo-se, no corpo do ordenamento jurídico, parâmetros razoáveis que autorizem a aplicação de uma pena justa, sob pena de ofensa ao princípio da proporcionalidade. "A criação de solução penal que descriminaliza, diminui a pena, ou de qualquer modo beneficia o acusado, não pode encontrar barreira para a sua eficácia no princípio da legalidade, porque isso seria uma ilógica solução de aplicar-se um princípio contra o fundamento que o sustenta" (Fábio Bittencourt da Rosa. In Direito Penal , Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p. 04). Hipótese em que ao réu, denunciado por introduzir, no território nacional, 06 comprimidos de Cytotec , medicamento desprovido de registro e de licença do órgão de Vigilância Sanitária competente (art. 273, § 1º-B, incisos I, V, e VI, do CP), foi aplicada a pena de 03 anos de reclusão, adotado, como parâmetro, o delito de tráfico ilícito de entorpecentes, o qual tem como bem jurídico tutelado também a saúde pública. Possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito que se reconhece, seja porque o delito de tráfico foi tomado apenas como substrato para aplicação da pena, seja porque o remédio importado não era "falsificado, corrompido, adulterado ou alterado" (inciso VII-B do art. 1º c/c o parágrafo primeiro do art. 2º da Lei nº 8.072/90).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, dar parcial provimento à apelação criminal, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 09 de fevereiro de 2005.

RELATÓRIO

Cuida-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra Theo Mattos dos Santos pela prática do delito previsto no art. 273, § 1º, c/c § 1º-B, I, V e VI, do Código Penal. A exordial, recebida em 26.08.2002 (fl. 03), assim narrou os fatos delituosos: "Na tarde do dia 1º de abril de 2001, nas imediações do Camelódromo nesta Capital, o denunciado vendeu a jornalista da RBS TV, que se apresentou como cliente, seis comprimidos do abortivo CYTOTEC pelo preço de cento e cinqüenta reais. Durante a transação, além de o denunciado orientar o jornalista a respeito do modo do uso do remédio para fins abortivos, garantiu a autenticidade do produto, afirmando que o comprara em uma farmácia do Paraguai. Os comprimidos comercializados, apreendidos pelo Auto de Apresentação e Apreensão de fl. 16, foram submetidos a perícia que, além de atestar que se tratava de substância sujeita a controle especial, sendo permitida a sua aquisição apenas por estabelecimentos hospitalares devidamente cadastrados junto à Autoridade Sanitária, não foi hábil a identificar a procedência do produto, apesar de na cartela em que se encontravam os comprimidos constarem dizeres em língua estrangeira. O denunciado, portanto, vendeu produto estrangeiro destinado a fins medicinais, que ingressou ilegalmente no país, sem registro, de procedência ignorada e adquirido de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente" (fls. 04/05). Regularmente instruído o processo, sobreveio sentença que julgou procedente a denúncia para condenar o réu às penas de 10 (dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime integralmente fechado, e 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário de ½ (meio) salário mínimo, vigente à data do fato, como incurso nas sanções do art. 273, § 1º-B, incisos I, V e VI, do Código Penal (fls. 135/143). A decisão foi publicada em 14.11.2003 (fl. 144). Irresignado, apelou o réu. Em suas razões, alega, em síntese, que: (a) os fatos narrados na denúncia não se amoldam ao crime previsto no art. 273, § 1º-B, I, V e VI; (b) inexiste prova da falsificação, corrupção, adulteração ou alteração do medicamento apreendido, bem como de sua procedência; (c) não há prova da autoria e do dolo específico; (d) inocorreu qualquer dano à saúde pública; (e) as provas coligidas aos autos são frágeis e os elementos de convicção colhidos durante a fase inquisitorial não autorizam um decreto condenatório. Nestes termos, requereu a absolvição. Em caso de ser mantida a condenação, requer a desclassificação da conduta para o delito descrito no art. 273, § 2º, do Diploma Penal (fls. 161/185). Nesta Instância, a Procuradoria Regional da República apresentou contra-razões e opinou pelo improvimento da apelação (fls. 187/195). É o relatório. À revisão.

VOTO

I - Da competência A importação de remédio falsificado, adulterado ou corrompido, com o advento da Lei nº 9.677, de 02.07.1998, passou a ser incriminada pelo art. 273 do CP e, à vista do princípio da especialidade, deixou de configurar o delito de contrabando, não podendo o agente responder cumulativamente pelos dois delitos. O § 1º do art. 273 do CP, ao qual faz expressa remissão o § 1º-A, elenca, entre as condutas incriminadas, a de importar " produto (destinado a fins terapêuticos ou medicinais) falsificado, corrompido, adulterado ou alterado ". A substância descrita no dispositivo mencionado, desde que falsificada, corrompida, adulterada ou alterada, configura, desse modo, o elemento especializador. Critérios especializantes são também previstos no § 1º-B do art. 273 do CP, quando sanciona com a mesma pena do caput " quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: I- sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária; II- em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; III- sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; V- de procedência ignorada; VI- adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. " A restrição que se opõe à possibilidade de o agente ser denunciado também pelo delito previsto no artigo 334 do Código Penal, no entanto, não se revela idônea a afastar a competência federal para processamento e julgamento do feito. Certo que os crimes que afetam a saúde pública não atraem, só por isso, a competência federal, conforme já assentara a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ainda na época em que os delitos previstos nos artigos 272 e 273 não haviam sofrido alteração que lhes imprimiu a Lei nº 9.677/98 (CC nº 34540-SP, Terceira Seção, relator Ministro Félix Fischer, 23/09/02). Se fosse por esse motivo, não haveria mesmo como se admitir a manutenção do feito sob jurisdição federal. Ocorre que a importação de remédio falsificado não deixa de ser também delito de contrabando. Aconteceu apenas de o legislador, decerto preocupado com a gravidade da conduta, deslocar, para um tipo penal próprio, uma conduta que já se encontrava descrita no art. 334 do Código Penal, dando-lhe tratamento penal mais severo. A ninguém escaparia que a conduta, se praticada antes da alteração legislativa, seria classificada como contrabando. Na modalidade de importar , portanto, o processamento e julgamento do delito previsto no § 1º e no § 1º- B do art. 273 do CP é de competência federal. Neste diapasão, trago à colação o seguinte precedente desta Corte: "PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO NO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. PRAMIL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. COMPETÊNCIA FEDERAL. CONTRABANDO SOB FORMA ESPECIALIZADA. (...) Omissis. - Os crimes que afetem a saúde pública não atraem, só por isso, a competência federal. A importação de remédio sem autorização do órgão de vigilância sanitária, no entanto, pode ser entendida como contrabando sob forma especializada. Por opção legislativa (Lei nº 9.677/98), uma conduta que antes se amoldava ao tipo previsto no art. 334 do CP, passou a ser prevista em tipo penal próprio (art. 273 do CP), providência que não alterou, todavia, a competência federal para processamento e julgamento do feito. " grifei (HC nº 2004.04.01.012508-0/PR, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Oitava Turma, Unânime, DJU 28/04/2004, p. 739). Assim sendo...

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