nº 2003.42.00.001839-9 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Quarta Turma, 24 de Marzo de 2008

Magistrado ResponsávelDesembargador Federal Hilton Queiroz
Data da Resolução24 de Marzo de 2008
EmissorQuarta Turma
Tipo de RecursoRecurso Criminal

Assunto: Homicídio Qualificado (art. 121, § 2º) - Crimes da Competência do Tribunal do Júri - Penal

Autuado em: 28/11/2007 15:39:40

Processo Originário: 20034200001839-9/rr

RECURSO CRIMINAL Nº 2003.42.00.001839-9/RR RELATOR: EXMO SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ

RECORRENTE: ELISEL SAMUEL MARTIN

RECORRENTE: ROBSON BELO GOMES

RECORRENTE: FRANCISCO DAS CHAGAS OLIVEIRA DA SILVA

ADVOGADO: MOACIR JOSÉ BEZERRA MOTA E OUTRO

ACÓRDÃO

Decide a Turma, à unanimidade, conhecer dos recursos e, no mérito, negar-lhes provimento.

4ª Turma do TRF da 1ª Região - 24/03/2008.

HILTON QUEIROZ DESEMBARGADOR FEDERAL

RELATÓRIO

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ (RELATOR):

Ao manifestar-se nos autos (fls. 986/993), a PRR/1ª Região assim sumariou os fatos:

"Nos autos da presente ação criminal, o M.P.F. denunciou ELISEL SAMUEL MARTIN e ROBSON BELO GOMES como incursos nas penas previstas para o crime tipificado no artigo 121, § 2°, inciso IV, do Código Penal. Posteriormente, através de aditamento, FRANCISCO DAS CHAGAS OLIVEIRA DA SILVA foi acusado pela prática do delito tipificado no artigo 121, § 2°, inciso IV, e artigo 211, c/c art. 29, todos do Código Penal.

  1. Processada a ação, sobreveio a sentença de pronúncia da lavra do MM. Juízo Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Roraima, a qual restou, no entanto, anulada, "por ausência de fundamentação concreta", nos termos do v. acórdão de fls. 853-865, proferido pela e. 4ª Turma do TRF/1ª Região, em 31 de julho de 2006.

  2. Desse modo, dando cumprimento à r. decisão colegiada, o MM. Juízo a quo proferiu nova sentença, às fls. 885-904, através da qual julgou procedente a denúncia para pronunciar ELISEL SAMUEL MARTIN, ROBSON BELO GOMES e FRANCISCO DAS CHAGAS OLIVEIRA DA SILVA como incursos nas do art. 121, § 2°, IV e artigo 211, c/c art. 29, todos do CPB.

  3. Da r. sentença de pronúncia, a defesa dos réus ELISEL SAMUEL MARTIN e ROBSON BELO GOMES interpõe, conjuntamente, o recurso em sentido estrito, na forma das razões de fls.

    910-915, ao passo que em relação ao réu FRANCISCO DAS CHAGAS OLIVEIRA DA SILVA as razões recursais são apresentadas em peça diversa, objeto de fls. 916-923.

  4. Preliminarmente, a defesa dos réus aponta a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, alegando, para tanto, que "por não se tratar de disputa de terra, nem de questão envolvendo uma coletividade ou mesmo uma comunidade indígena", a competência pertenceria à Justiça Estadual. No mérito, alega que "as provas carreadas aos autos demonstram claramente que o acusado jamais praticou qualquer ilícito penal que ensejasse a presente sentença de pronúncia, até porque não existem nos autos provas robustas ou mesmo indícios para condenar o denunciado, ora recorrente, pois, está sendo pronunciado por um crime que não praticou, além de não ser respeitado o princípio da ampla defesa e do devido processo legal na fase das alegações finais, pois conforme às fls. 790 dos autos, os advogados de defesa foram intimados via DPJ, porém, não se pronunciaram, o MM.

    Juiz a quo teria que intimar o réu pessoalmente para apresentar sua defesa, ou nomear advogado 'a doc' para apresentar alegações finais, também poderia encaminhar os autos para Defensoria Pública para apresentação das alegações finais".

  5. Em síntese, requer "seja reformada a r. sentença de pronúncia, para julgar o acusado inocente de propostas pelo Douto Representante do Parquet Estadual, absolvendo-o sumariamente dos crimes que está sendo acusado, acatando- se, assim, a tese de negativa de autoria e devendo ser observado o princípio do in dubio pro reo absolvendo dessa forma o acusado".

  6. Contraditados os recursos pelo MPF (fls. 928-950 e 951- 973) e mantida, no juízo de retratabilidade previsto no art. 589 do CPP, a r. decisão recorrida (fl. 978), subiram então os autos, vindo eles agora à PRR/1ª Região para a manifestação do custos legis." (fls. 986/988).

    Ao final, opinou pelo não provimento dos recursos.

    É o relatório.

    VOTO

    O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ (RELATOR):

    Esse o teor do requerimento ministerial que iniciou o feito no juízo a quo:

    "O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República ao final firmado, compareceu a digna presença de Vossa Excelência para, no exercício de sua atribuição constitucional de 'dominus litis', oferecer DENÚNCIA em desfavor de:

    ELISEL SAMUEL MARTIN, brasileiro, casado, vaqueiro, filho de Eunice Samuel Martin, nascido aos 04.11.1967 em Normandia/RR, residente na Fazenda Santa Lúcia, nas margens do Rio Uraricoera, município de Amajari/RR, portador do RG nº 146.454 SSP/RR, qualificado às fls.

    365/72; e ROBSON BELO GOMES, brasileiro, solteiro, vaqueiro, filho de Aderlino Gomes do Nascimento e de Maria Cristina da Silva Belo, nascido aos 08.04.1980 em Boa Vista/RR, residente na Fazenda Santa Maria, localidade do Trairão, município de Amajari/RR, não possuidor de Carteira de Identidade, qualificado às fls. 373/380 do IPF;

    pela prática do seguinte delituoso:

    I - DOS FATOS Compulsando-se o incluso Inquérito Policial que, por sua vez, originou-se através da Portaria às fls. 02, verifica- se que, na manhã do dia 02 de janeiro de 2003, nas dependências da Fazenda Retiro, localizada nas proximidades da Vila do Mutum, município de Uiramutã, neste Estado, os Denunciados, que trabalhavam como vaqueiros da referida propriedade, agindo conjuntamente e com animus necandi, desferiram disparos de arma de fogo contra o silvícola ALDO DA SILVA MOTA, que na ocasião do alvejamento estava com os braços levantados, razão pela qual veio a falecer, conforme atesta o Laudo Cadavérico de fls. 232/315, conduta esta que configura o ilícito de homicídio qualificado, previsto no art. 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal brasileiro.

    Ademais, visando ocultar o crime praticado e escapar da sanção penal, os denunciados enterraram o corpo do índio assassinado em uma cova rasa existente no lavrado da Fazenda Retiro, conforme atestam os Laudos de Locais de fls. 78/85 e 317/336, conduta esta que configura o crime de ocultação de cadáver, estatuído no art. 211 do Estatuto Repressor pátrio.

    Da análise dos autos, verifica-se a existência de provas e indícios convincentes da conduta delitiva perpetrada pelos denunciados, eis que tratavam-se dos únicos vaqueiros que se encontravam na Fazenda Retiro na data de 02 de janeiro de 2003, dia em que o índio ALDO MOTA avisou a seus amigos e familiares que iria até aquela propriedade para buscar um garrote que lá se encontrava, tendo então desaparecido, razão pela qual inclusive foi instaurado este Inquérito Policial, que objetivou averiguar o referido desaparecimento.

    Com a colheita de farta prova testemunhal nesta fase inquisitorial, logrou-se chegar à autoria do homicídio e da ocultação de cadáver nas pessoas dos denunciados, conforme se depreende da análise de alguns trechos dos seguintes depoimentos, ipsis litteris:

    '(...) QUE enquanto aguardava a chegada de seus familiares o depoente avistou três cavaleiros, não sabendo identificar os mesmos, soltando o gado do curral existente na sede da FAZENDA RETIRO, não tendo visto a direção para onde tais cavaleiros seguiram; QUE logo em seguida aos cavaleiros terem soltado o gado e desaparecido de sua visão, o depoente escutou três estalos, não sabendo dizer se eram disparos de arma de fogo ou barulho de chicotadas, seguidos de dois gritos de uma pessoa; QUE o depoente não sabe dizer de que direção vieram os gritos, somente sabendo que os estalos vieram do outro lado do igarapé que separa a fazenda do retiro SÃO CRISTÓVÃO, na direção de uma serra existente naquele local; (...)' (Depoimento de Alfredo José de Souza, fls. 172 do IPF - grifo).

    '(...) QUE o seu tio ALDO foi no dia 02 de janeiro do corrente ano buscar nove reses na Fazenda Retiro; QUE o depoente soube que o 'inglês' não permitiu que seu tio ALDO saísse da Fazenda com as reses; QUE o depoente soube que 'inglês' foi atrás de seu tio ALDO, no campo, após este ter saído da sede da fazenda, e o emboscou em uma serra que existia na Fazenda; QUE ROBSON estava junto com o 'inglês' quando este foi atrás de seu tio; QUE 'inglês' e ELISEL são a mesma pessoa; (...)' (Depoimento de Denício Calisto, fls. 203).

    Ademais, fatos anteriores também corroboram para apontar a personalidade criminosa do primeiro acusado ELISEL SAMUEL MARTIN, eis que segundo consta dos autos, este seria pessoa violenta, que sempre andava armado e ameaçava os indígenas que adentrassem na Fazenda Retiro, bem como o mesmo teria, meses antes daqueles fatos, ateado fogo em uma residência da comunidade Maturuca próxima à área da fazenda, senão vejamos, in verbis:

    '(...) no mês de dezembro do ano passado, não se recordando a data exata, o depoente encontrou-se com ELISEL na sede do município do Uiramutã, tendo este lhe dito que havia sido ele quem tinha ateado fogo numa residência construída pelos indígenas da comunidade Maturuca, próxima a área da Fazenda Retiro; QUE, ELISEL também falou ao depoente que somente iria sair da Fazenda quando matasse uma pessoa da região, não dizendo se era ou não indígena a pessoa que ele iria matar; (...)' (Depoimento de Aristiano Luiz da Silva, fls. 201/202 - destaquei).

    Desta forma, não restaram dúvidas de que os acusados praticaram o homicídio do índio ALDO MOTA, e tentaram esconder seu corpo em uma cova rasa da fazenda. Ademais, o Laudo de Local de fls. 317/336 é bastante conclusivo em apontar o provável local onde o homicídio ocorreu, pelo fato de haver um poço de sangue no chão, e os rastros de que o corpo foi arrastado até o local onde foi enterrado.

    No caminho, foram encontrados diversos apetrechos do índio ALDO MOTA, como seu chapéu e rebenque de couro trançado, e fios que após serem periciados robustecerão ainda mais as provas existentes nos autos.

    II - DA MATERIALIDADE E AUTORIA Não há que se olvidar sobre a materialidade dos crimes de homicídio e de ocultação de cadáver praticados, os quais encontram-se solidamente demonstrados através de...

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