Acórdão nº 1.0000.00.296076-3/001(1) de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 22 de Abril de 2004

Magistrado ResponsávelCarreira Machado
Data da Resolução22 de Abril de 2004
Tipo de RecursoEmbargos Infringentes
SúmulaRejeitaram Os Embargos, Vencidos o Relator e o Primeiro Vogal.

EMENTA: Civil. Sexo. Estado individual. Imutabilidade. O sexo, como estado individual da pessoa, é informado pelo gênero biológico. A redefinição do sexo, da qual derivam direitos e obrigações, procede do Direito e não pode variar de sua origem natural sem legislação própria que a acautele e discipline. Rejeitam- se os embargos infringentes.

V.V.

EMBARGOS INFRINGENTES - TRANSEXUAL - RETIFICAÇÃO DE REGISTRO - NOME E SEXO - Negar, nos dias atuais, não o avanço do falso modernismo que sempre não convém, mas a existência de um transtorno sexual reconhecido pela medicina universal, seria pouco científico. Embargos acolhidos para negar provimento à apelação, permitindo assim a retificação de registro quanto ao nome e sexo do embargante.

EMBARGOS INFRINGENTES Nº 1.0000.00.296076-3/001 (NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 296.076-3) - COMARCA DE BELO HORIZONTE - EMBARGANTE(S): ROMAR NOGUEIRA RABELO - EMBARGADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, PJ 1 V. FAMÍLIA COMARCA BELO HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. CARREIRA MACHADO - RELATOR PARA O ACÓRDÃO: EXMO SR. DES. ALMEIDA MELO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda a QUARTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM REJEITAR OS EMBARGOS, VENCIDOS O RELATOR E O PRIMEIRO VOGAL.

Belo Horizonte, 22 de abril de 2004.

DES. ALMEIDA MELO - Relator para o acórdão.

DES. CARREIRA MACHADO - Relator vencido.>>>

15/04/2004

QUARTA CÂMARA CÍVEL

ADIADO

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

EMBARGOS INFRINGENTES Nº 1.0000.00.296076-3/001 (NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 296.076-3) - COMARCA DE BELO HORIZONTE - EMBARGANTE(S): ROMAR NOGUEIRA RABELO - EMBARGADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, PJ 1 V. FAMÍLIA COMARCA BELO HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. CARREIRA MACHADO

Proferiu sustentação oral, pelo Embargante, a Dra. Juliana Gontijo.

O SR. DES. CARREIRA MACHADO:

VOTO

Trata-se de Embargos Infringentes interpostos por Romar Nogueira Rabelo em face do acórdão de f. 109-125 que, em recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, rejeitou a preliminar e deu provimento ao recurso, restando vencido o Revisor.

Referido recurso de apelação foi interposto pelo Parquet contra a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara de Família da Comarca desta capital que, em ação de retificação de registro civil ajuizada pelo ora embargante, autorizou as modificações almejadas nos autos, determinando a expedição de mandado para alteração do nome do requerente, bem como alteração na indicação do sexo, de "masculino" para "feminino".

O embargante, às f. 132-167, pugna pelo provimento do presente recurso, defendendo a autorização da retificação do seu registro civil.

Inicialmente, necessário um exame mais profundo sobre a questão polêmica debatida nestes autos.

Recorro a reflexões de entendidos na matéria, tanto no campo teórico quanto no científico, sobre a transexualidade e sua identidade sexuada.

Cláudio Moojem Abuchaim, Ana Luiza Galvão Abuchaim e outros assim definem o transexualismo:

"Significa que há uma transposição na correlação do sexo anatômico e psicológico, ou seja, a pessoa tem o corpo de um sexo porém sente-se como pertencente ao sexo oposto. O tratamento psicológico se faz necessário para entender a alteração apresentada e apenas em alguns casos específicos será indicada a cirurgia de alteração do sexo, a qual só se faz após cuidadosa avaliação psicológica e física da pessoa". (ABUCHAIM, Cláudio Moojen, Transtorno de Identidade de Gênero - Transexualismo. Disponível em www. abcdocorposalutar.com.br, acesso em 01.03.2004).

Os psiquiatras e psicólogos fazem esse diagnóstico através de vários contatos e conversas com o paciente, para determinar corretamente seus sentimentos.

"Por isso é importante diferenciar o transexualismo do tranvestismo/travestismo e homossexualidade. No transvestismo a pessoa não sente que sua identidade de gênero está trocada (por exemplo, homem com corpo de homem sentindo-se homem), mas usa roupas do sexo oposto com objetivo de ter prazer erótico, para se excitar. Apenas em casos em que a pessoa passa a se vestir como mulher a maior parte do tempo e ter dúvidas e sofrimento em relação a sua identidade de gênero é que se deve pensar que possa haver transexualismo latente. Já no homossexualismo, a pessoa também se sente adequada quanto à determinação de seu sexo (tem corpo de homem, sente-se homem), porém tem atração afetiva e erótica por outra pessoa do mesmo sexo que ela" (Transcrição do mesmo trabalho acima citado).

Trago à colação trecho do acórdão da Quinta Câmara da Seção de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Cível nº 165.157.4/5, Apelante: Adão Lucimar ***, Apelado: Ministério Público, Rel. Des. Boris Kauffmann, data do julgamento: 22/03/2001, votação unânime), que bem analisou a questão:

"Pedro Jorge Daguer, em sua tese de mestrado apresentada ao Instituto de Pós- Graduação Psiquiátrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, citado por Antônio Chaves, esclarece que "por transexualismo masculino entende-se a condição clínica em que se encontra um indivíduo biologicamente normal (...) que, segundo sua história pessoal e clínica, e segundo o exame psiquiátrico, apresenta sexo psicológico incompatível com a natureza do sexo somático" ("Direito à vida e ao próprio corpo", Ed. Revista dos Tribunais, 1994, pág. 141). Aracy Augusta Leme Klabin também define o transexual dessa forma: "é um indivíduo, anatomicamente de um sexo, que acredita firmemente pertencer ao outro sexo" ("Transexualismo", in Revista de Direito Civil, vol. 17, pág. 27).

O transexual não se confunde com o travesti ou com o homossexual. No tranvestismo, a característica principal é o uso de roupagem cruzada, por fetichismo ou por defesa; no homossexualismo, a identificação é feita pelo relacionamento sexual com pessoas do mesmo sexo. Também não se confunde com o hermafroditismo verdadeiro ou com o pseudo-hermafroditismo. Esclarece, a respeito, Carlos Fernandez Sessarego: "El primero de ellos, como lo señala la literatura especializada es um síndrome que se caracteriza "por la presencia simultánea, em el mismo indivíduo, de la gónada masculina y de aquella femenina", cuya coexistência "influye, de modo variable, sobre la conformación de los genitales externos, el aspecto somático y el comportamiento síquico. El seudo- hermafroditismo, tanto masculino como femenino, representa la carencia, en un mismo individuo, de homogeneidad entre los órganos genitales externos y el sexo genético. Esta situación se diferencia del transexualismo en tanto en éste no se presentan anomalías a nivel de la gonoda o en lo que atañe a los genitales externos" (El cambio de sexo y su incidencia em las relaciones familiares", in Revista de Direito Civil, vol. 56, pág. 7).

Costuma-se, além disso, distinguir o transexual primário do secundário. "O primário compreende aqueles pacientes cujo problema de transformação do sexo é precoce, impulsivo, insistente e imperativo, sem ter desvio significativo, tanto para o transvestismo quanto para o homossexualismo. É chamado, também de esquizossexualismo ou metamorfose sexual paranóica. O secundário(homossexuais transexuais) compreende aqueles pacientes que gravitam pelo transexualismo somente para manter períodos de atividades homossexuais ou de transvestismo (são primeiro homossexuais ou travestis). O impulso sexual é flutuante e temporário, motivo pelo qual podemos dividir o transexualismo secundário em transexualismo do homossexual e do travesti" (Aracy Klabin, "Aspectos jurídicos do transexualismo", inRevista da Faculdade de Direito da Universidade São Paulo, vol. 90, 1995, pág. 197). Pode-se afirmar, portanto, que no transexual secundário, o transexualismo é o meio para a atividade homossexual ou de transvestismo, ao passo que no transexual primário, o transexualismo é o próprio fim.

Essa cisão entre o sexo somático e o sexo psicológico poderia indicar a terapia como tratamento para ajustar este último ao primeiro. No entanto, destaca Matilde Josefina Sutter ser "inócua qualquer tentativa no sentido de reconduzir psicologicamente o transexual ao sexo anatômico, uma vez que todas as técnicas psicoterápicas se mostram absolutamente ineficazes, nesse sentido, possivelmente devido à falta de cooperação do paciente, que rejeita o tratamento". E prossegue: "Afirmamos em outra ocasião, que nenhum argumento é capaz de demovê-lo, pois o ‘transexual, em geral, na prática, não admite discutir essa situação, só o fazendo com vistas à mudança de sexo. Esta lhe é tão necessária que absorve todo o seu interesse, de modo a impedir o seu desenvolvimento pessoal'. O transexual se ofende e se revolta quando lhe indicam tratamento psicoterápico" ("Determinação e mudança de sexo - aspectos médico- legais", ed. Revista dos Tribunais, 1993, pág. 115).

Esta insistência e imperatividade de ajuste sexual, característica do transexual primário, aliada à inocuidade do tratamento psicoterápico, é que levou muitos países a admitir o caminho inverso: a mimetização do sexo morfológico, procurando adequá-lo ao sexo psicológico, eliminando assim a causa da repulsa que conduz invariavelmente ao suicídio e à automutilação. Para o transexual primário, a solução é cirúrgica, como a realizada pelo autor, com eliminação do pênis e do escroto e a construção de uma neo-vagina e vulva, além da implantação de próteses de silicone nas mamas, para dar aparência feminina, e eliminação do pomo-de-Adão, para retirar qualquer resquício do sexo morfológico".

A esse respeito o Dr. Paulo Roberto Ceccarelli, Doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade de Paris VII, aduz:

"O sofrimento psíquico do transexual se encontra no sentimento de uma total inadequação entre, de um lado, a anatomia do sujeito e seu "sexo psicológico" e, de outro lado, este mesmo "sexo psicológico" e sua identidade civil. Essas pessoas, cujo sentimento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT