Acórdão nº 2005/0132284-0 de T1 - PRIMEIRA TURMA
Magistrado Responsável | Ministro LUIZ FUX (1122) |
Emissor | T1 - PRIMEIRA TURMA |
Tipo de Recurso | Agravo Regimental no Recurso Especial |
AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 773.273 - MG (2005/0132284-0)
RELATOR | : | MINISTRO LUIZ FUX |
AGRAVANTE | : | UNIÃO |
AGRAVADO | : | M.S. E OUTRO |
ADVOGADO | : | CARLOS MARTINS FERREIRA |
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO. DESAPROPRIAÇÃO. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. JUROS COMPENSATÓRIOS. PRECLUSÃO. RATIO ESSENDI DO ART. 473, DO CPC. PRECLUSÃO.
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O pagamento da dívida por meio de precatório, revela inviável, nos próprios autos reabrir-se a discussão acerca dos cálculos, reservando-se à Fazenda, em ação de repetição, reaver o que pagou indevidamente, pretensão impossível de ser exercida na fase administrativa do implemento do débito.
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Pedido de retificação do saldo devedor, em sede de execução de ação de desapropriação, após o pagamento integral dos precatórios, para que deles fossem excluídos os juros compensatórios e moratórios, relativos ao período posterior à Constituição Federal, nos termos do art. 33 do ADCT.
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É assente que a coisa julgada é qualidade consubstanciada na imutabilidade do acertamento ou da declaração contida na sentença, no que pertine à definição do direito controvertido.
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Nesse sentido leciona Ovídio Baptista da Silva, literris:
"(...) É indispensável, porém, ter presente que o pensamento dominante na doutrina européia considera que a coisa julgada é o efeito - ou, como quer LIEBMAN, 'a qualidade' - que se agrega à "declaração contida na sentença", libertando os demais efeitos da "imutabilidade" que ele pretendera atribuir-lhes, permite, por exemplo, aceitar que a decisão que homologue a atualização do cálculo, na fase de execução da sentença para reservar o valor da condenação - não ofenderá a coisa julgada.
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A distinção entre coisa julgada e 'efeitos' da sentença está feita de modo didático no Código Civil italiano, ao conceituar a coisa julgada como 'L 'accertamento contenuto nella sentenza' (art. 2.909), depois de referir-se, no artigo precedente, a seus 'efeitos'. Esse 'accertamento', diz o Código italiano, 'ufa stato', entre as partes, para todos os efeitos.
De resto, poderíamos ir mais longe, para advertir que as hipóteses que mais diretamente causaram revolta àqueles ilustres juristas - não por acaso magistrados ou ex-magistrados foram as avaliações judiciais produtoras de valores 'absurdos', Cuidava-se, porém, de sentenças homologatórias rigorosamente incongruentes, caracterizadas por manifesta oposição respectiva sentença que condenara ao pagamento do 'justo valor'.
O cálculo produzido na respectiva execução da sentença subvertia inteiramente o julgado, fazendo com que o 'justo valor' - que o processo de liquidação da sentença deveria determinar - se transformasse em fonte de enriquecimento ilícito.
Por outro lado - este é um argumento adicional decisivo -, a sentença que homologa o cálculo decide sobre 'fato', não sobre direito, no sentido de que a decisão possa adquirir a força de coisa julgada. Como disse, com toda razão, o Ministro DELGADO (p. 18), as sentenças nunca poderão 'transformar fatos não verdadeiros em reais'. Se o arbitrador, por qualquer motivo, desobedeceu ao julgado, produzindo um cálculo 'absurdo', terá, com certeza, cometido erro de cálculo. A declaração contida no ato de homologar, no ato através do qual o juiz torna seu o arbitramento (homo + logos), não produz coisa julgada capaz de impedir que se corrija o cálculo,(...)."
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Com efeito, o erro material pode ser sanado a qualquer tempo, sem que se ofenda a coisa julgada, até porque a correção do mesmo constitui mister inerente à função jurisdicional. Essa é, inclusive, a inteligência da norma prevista no art. 463, I, do Código de Processo Civil.
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Ademais, in casu, não se vislumbra ocorrência de erro material, caracterizado pelo equívoco de escrita ou de cálculo, sobre a conta homologada, hábil a representar a manifestação incorreta da vontade, e não se confunde com o erro sobre os critérios de cálculo a serem utilizados, tais como incidência de expurgos, de juros, ou de índice de correção monetária, dentre outros.
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Hipótese de preclusão em que a recorrente quedou-se inerte quanto à inclusão de juros compensatórios na conta homologada por sentença (fls. 44), restando-lhe vedado requerer, intempestivamente, o afastamento dessa verba sob a alegação de erro material.
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O acórdão recorrido afirma que a recorrente concordou com os valores computados, fato inibidor do pleito de exclusão de juros em sede de precatório, sob pretexto de erro de cálculo.Precedentes: (REsp AgRg nos EDCl no Resp 762575/PR Relator Ministro LUIZ FUX DJ 21.09.2006;AgRg no Ag 705084/SP, DJ 14.11.2005; REsp 710394/MG, DJ 15.09.2006 )
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Deveras, na hipótese sub examine a pretensão do Município cinge-se à revisão de cálculos já homologados, o que revela a preclusão da matéria.
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Sobre o thema discorre Carlos Valder do Nascimento, in "Execução Contra a Fazenda Pública", 1.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 29/30 e 34/35, verbis:
Dentro de uma perspectiva geral assentada pela legislação, pela doutrina e pela jurisprudência, pode-se afirmar que o erro é um desvio de percepção da realidade fática, constituindo-se em vício do consentimento, por equívoco a propósito de determinado evento material.
Cezar Peluso, apud Arruda Alvim, perfilhando a idéia de Salvalore Satta, assim o define:
'Erro material não são apenas os defeitos exteriores ocorrentes na documentação do juízo ou na formação de documento, mas também toda divergência ocasional entre a idéia e sua representação, objetivamente reconhecível que demonstre não traduzir o pensamento ou a vontade do prolator.'
Em estudo publicado em revista especializada que reproduz trabalhos forenses, vale trazer à colação excerto do voto da lavra de Arruda Alvim, em que fixa sua noção:
'O erro material é aquele que pode ser verificado a partir de critérios objetivos, deve ser identificável por todo homem médio e que não corresponde, de forma evidente e inequívoca à intenção do Magistrado.'
Ora, se o juiz homologa cálculos com erro, pressupõe-se que, embora não seja a manifestação inequívoca da sua vontade, o fez por desconhecimento, por irreal percepção do fato. de modo que seu ato contempla o âmago da questão, isto é, sua causa material. E assim, configurando discrepância entre sua vontade e a veiculada no próprio conteúdo de sua decisão, torna-a defeituosa.
Decorrente disso, o erro de cálculo ou mesmo de sua atualização deve ser corrigido de ofício pelo Judiciário. Ele não reproduz a vontade do magistrado nem o estado pode cobri-lo com o manto do trânsito em julgado. Mesmo homologado nessas circunstâncias, porque ato nulo, não irradia efeitos jurídicos definitivos.
Pela sua não inserção na relação processual válida, pode ser recomposto, com vistas ao restabelecimento da sua exatidão, a qualquer tempo. O que importa é que se persiga, sem limitação temporal, a eliminação da incerteza presente no vínculo jurídico, sendo insubsistente o processo se tal desiderato não for atingido em toda a sua plenitude.
Não é sem razão que Calamandrei assevera que o fim do processo é a garantia da observância prática do direito objetivo. O expurgo da dúvida é fator preponderante para que a coisa julgada alcance foro de imutabilidade. Ora, se é certo que essa imutabilidade insere-se no contexto da segurança jurídica, não menos verdade é que seu relativismo decorre da razão natural das coisas.
Contaminada de inexatidão material ou essencial, a obrigação exeqüenda ou o processo executório, este extinto e aquela adimplida, não transita em julgado. (...)
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Consectariamente, não é lícito ao expropriante alegar nulidade da execução, com base em cálculos preclusivamente homologados, na fase administrativa do implemento do Precatório. Nesse sentido confira-se julgado desta Corte no REsp n.º 498.406/RJ, Rel. Min. José Delgado, publicado no DJU de 17/11/2003, verbis:
"PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CÁLCULOS. EXECUÇÃO. PRECATÓRIO. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL. COISA JULGADA.
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Não há decadência para a interposição de mandado de segurança quando a parte o interpõe no prazo de 120 dias, após ter percorrido o "iter" dos recursos administrativos regularmente previstos na órbita da administração.
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É impossível a desconstituição da coisa julgada na esfera da Presidência do Tribunal, ao examinar precatório requisitório para alterar os valores fixados sob o argumento de que o critério adotado para os cálculos diverge da jurisprudência acertada sobre o tema.
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A coisa julgada impõe segurança jurídica ao que foi decidido por sentença, com o favorecimento especial que, no caso em exame, o Estado concordou com índices aplicados, submetendo-se, portanto, aos efeitos da preclusão.
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Alterar índices inflacionários adotados em liquidação de sentença, após decisão que os acolheu, em sede de precatório expedido, não pode ser considerado erro de cálculo.
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Recurso desprovido."
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Recurso especial provido.
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In casu, ante a expressa previsão na sentença exeqüenda acerca da incidência de juros de mora na hipótese de expedição de precatório complementar, impõe-se a mantença do aresto guerreado porquanto desconstituir o julgado em sede de execução implicaria em ofensa à coisa julgada. Precedentes: AgRg no Resp 781.655 - RS, 5ª Turma, Relator Ministro FELIX FISCHER, DJ de 20 de fevereiro de 2006; AgRg no REsp 737.510 - RS, Relator Ministro GILSON DIPP, 5ª Turma, DJ de 14 de novembro de 2005; Resp 677.429 - RS, Relator Ministro HAMILTON CARVALHIDO, 6ª Turma, DJ de 19 de dezembro de 2005.
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Aplicação dos enunciados sumulares n.º 282/STF e n.º 211/STJ, que assim dispõem: "Súmula 282/STF - É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada" e "Súmula 356 /STF - O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento."
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Agravo Regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior...
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