Acórdão nº 2.0000.00.482739-6/000(1) de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 22 de Noviembre de 2005

Magistrado ResponsávelPedro Bernardes
Data da Resolução22 de Noviembre de 2005
Tipo de RecursoVistos, Relatados e Discutidos Estes Autos de Apelação Cível
SúmulaRej Prel e Dpp 1º Apelo. Julg Parc Prej 2º Apelo e a Ele Np.

Ementa:

APELAÇÕES CÍVEIS. REVISIONAL DE CONTRATO. APLICAÇÃO DO CDC ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. PACTA SUNT SERVANDA. JUROS PACTUADOS. LEI DE USURA. NÃO APLICAÇÃO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COMPENSAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

- É incontroverso a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em litígios envolvendo instituições financeiras, por força do artigo 3º, parágrafo 2º, do CDC.

- Em se tratando de relação de consumo, torna-se necessária a intervenção do Estado-Juiz no âmbito das relações contratuais para garantir o equilíbrio contratual, uma vez que, neste caso, o princípio do pacta sunt servanda não constitui em óbice para que se reconheça a abusividade dos encargos cobrados.

- Não existe em nosso ordenamento jurídico qualquer norma que estipule percentual limite para a cobrança de juros bancários. Assim, os percentuais previstos no contrato celebrado entre as partes são válidos e plenamente aplicáveis.

- Não se aplica a limitação dos juros pela Lei de Usura em face do que dispõe a Lei nº 4.595/64 e a Súmula 596, do STF, observando-se a prorrogação da delegação de poder pelo Congresso Nacional ao Poder Executivo através da Lei nº 8.392/91.

- A repetição de indébito é perfeitamente possível na hipótese de pagamento de juros não devidos. O enriquecimento ilícito se configuraria se tal crédito não fosse restituído e nem compensado. Assim, não há possibilidade, nem perigo, de se configurar enriquecimento ilícito na determinação judicial de, havendo valor a ser restituído, ser este valor compensado.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2.0000.00.482739-6/000, da Comarca de JUIZ DE FORA, sendo Apelante(s): BANCO ABN AMRO REAL S.A. (1º), CARTÓRIO DO 4º OFÍCIO DE NOTAS DA COMARCA DE JUIZ DE FORA e OUTRO (2ºs), e Apelado(s)(a)(s): OS MESMOS,

ACORDA, em Turma, a Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais REJEITAR A PRELIMINAR. DAR PARCIAL PROVIMENTO À PRIMEIRA APELAÇÃO. JULGAR PARCIALMENTE PREJUDICADA A SEGUNDA E NEGAR-LHE PROVIMENTO.

Presidiu o julgamento o Desembargador PEDRO BERNARDES (Relator) e dele participaram os Desembargadores ANTÔNIO DE PÁDUA (Revisor) e JOSÉ ANTÔNIO BRAGA (Vogal).

O voto proferido pelo Desembargador Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Belo Horizonte, 22 de novembro de 2005.

DESEMBARGADOR PEDRO BERNARDES

Relator

V O T O

O SR. DESEMBARGADOR PEDRO BERNARDES:

Trata-se de duas apelações cíveis, interpostas por Banco ABN AMRO S/A (fls. 271/283) e pelo Cartório do 4º Ofício de Notas de Juiz de Fora e Olindo Jorge Vieira Coelho (fls. 285/293) contra sentença (fls. 260/268) proferida pelo MM. Juiz 6ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora em Ação Revisional de Contrato, ali ajuizada pelo Cartório do 4º Ofício de Notas de Juiz de Fora, representado pelo Tabelião Sebastião Jorge Coelho, e por Olindo Jorge Vieira Coelho contra o Banco ABN AMRO Real S/A, que julgou procedente o pedido dos autores, revisando as cláusulas dos contratos, determinando correção mensal ou fração de mês pela correção monetária com índice do INPC, acrescidos de juros compensatórios de 1% ao mês, vedada a capitalização mensal, juros moratórios simples de 1% ao mês e multa de 2% sobre o débito, condenando ainda o banco-réu a pagar as despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais).

Inconformado com a sentença, apela o Banco ABN AMRO S/A, alegando, em suma, que o contrato de empréstimo objeto do litígio foi pactuado para renegociação de dívida; que os apelados tinham conhecimento de todas as cláusulas pactuadas; que os valores lançados na conta corrente dos apelados estavam dentro dos parâmetros acertados e com as taxas de juros moratórios e multas previstas contratualmente; que os contratos firmados devem ser cumpridos; que os juros previstos no artigo 192, § 3º, da Constituição Federal não são auto-aplicáveis; que não se aplicam aos bancos as disposições do Decreto 22.626/33, nos termos da Súmula 596, do STF; que não há o que restituir aos apelados, já que o que foi pago estava de acordo com o que fora livremente contratado entre as partes; que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor à operação bancária de concessão de financiamento. Tece outras considerações, cita artigos de lei, jurisprudência, doutrina, e, ao final, requer seja reformada, in totum, a sentença monocrática, julgando improcedentes os pedidos dos apelados, mantendo as cláusulas contratuais pactuadas e cobrando os débitos existentes, e condenar, ainda, os apelados ao pagamento das despesas judiciais e sucumbenciais no percentual de 20% sobre o valor da causa.

Também inconformados com a r. sentença, apelam o Cartório do 4º Ofício de Notas da Comarca de Juiz de Fora e Olindo Jorge Vieira Coelho alegando, em suma, que os valores pagos a mais não devem ser deduzidos do débito, mas, sim, restituídos aos apelantes, acrescidos de juros e correção monetária, sob pena de a compensação determinada se configurar enriquecimento ilícito do apelado; que o valor arbitrado a título de honorários advocatícios não está de acordo com o estabelecido no artigo 20, do CPC, pois, além de ser um valor ínfimo, é menor inclusive que o valor dos honorários periciais. Tece outras considerações, cita artigos de lei, jurisprudência e, ao final, requer seja reformada, em parte, a sentença monocrática, condenando-se o apelado a devolver todos os valores cobrados indevidamente, a ser apurado em execução de sentença, bem como fixar a condenação em honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa.

Em contra-razões (fls. 297/299), alega o apelado Banco ABN AMRO Real S/A, em breve síntese, que não há o que se repetir ou devolver, nem tão pouco houve cobrança a mais, já que os valores cobrados estavam de acordo com o acertado e negociado em contrato válido e legal; que a verba honorária está dentro dos parâmetros dos trabalhos desenvolvidos no processo. Requer, ainda, o reconhecimento de que o apelo interposto é meramente procrastinatório.

Em contra-razões (fls. 301/308), alegam o Cartório do 4º Ofício de Notas da Comarca de Juiz de Fora e Olindo Jorge Vieira Coelho, em breve relato, que não há falta de interesse de agir, já que é possível a revisão judicial de contratos; que está sedimentada a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários; que não é lícita a cobrança de juros abusivos; que tanto a ação, quanto a sentença não se fundamentaram no artigo 192, § 3º, da CF/88; que prevalece a Lei de Usura, sendo aplicável às instituições financeiras; que, mesmo não sendo aplicável ao caso o Decreto 22.626/33, não se pode admitir a cobrança de juros exorbitantes, que configura enriquecimento ilícito Ao final, requer o não acolhimento do recurso, mantendo-se a r. sentença do juízo a quo.

Preparos devidamente efetuados pelo primeiro apelante às fls. 271verso e pelos segundos apelantes às fls. 285verso.

Os recursos são próprio e tempestivos; devem ser conhecidos.

  1. Apelação

    Preliminarmente

    Alegam o Cartório do 4º Ofício de Notas da Comarca de Juiz de Fora e Olindo Jorge Vieira Coelho, em contra-razões, preliminarmente, que não há falta de interesse de agir, já que é possível a revisão judicial de contratos.

    Em análise da petição recursal interposta pelo Banco ABN AMRO Real S/A, entendo não haver a alegada preliminar de falta de interesse de agir.

    Na verdade, o apelante tece comentários a respeito da possível falta de interesse de agir, mas não passam de comentários, in verbis (fls. 272/273):

    "(...) o apelante esperava a extinção do processo, por absoluta Falta de Interesse de Agir da parte dos apelados, mas para surpresa sua e em confronto e desacordo com todas as provas viu-se o pedido ser julgado procedente, revisando as taxas de juros aos patamares das normas constitucionais ainda não regulamentadas e implementadas no mercado financeiro nacional.

    A exigência de que os contratados fossem cumpridos, descaracterizavam o Interesse de Agir dos apelados, que não comprovaram a necessidade de propositura da presente ação, para evitar prejuízo, e que não poderiam encontrar respaldo em suas levianas pretensões junto ao Judiciário.

    Mas não foi o que aconteceu."

    Como se vê, o apelante não pede a este Tribunal que aprecie em preliminar a falta interesse de agir. Apenas faz um comentário de que foi surpreendido pelo Magistrado de primeiro grau, que não extinguiu o processo por carência de ação.

    Consta dos autos, porém, que o apelante alegou em sua contestação a preliminar de falta de interesse de agir (fls. 45/48). No entanto, no despacho saneador, o MM. Juiz primevo não apreciou a alegada preliminar (fls. 104).

    Em alegações finais, o apelante voltou a requerer em seu memorial a extinção do processo por falta do interesse de agir (fls. 245/246). Mas o MM. Juiz de primeiro grau não analisou o requerimento em sua sentença.

    É certo que não cabe ao órgão de 2º grau de Jurisdição decidir questões que não tenham sido alvo de apreciação pela instância originária. Não permite a lei a supressão de instância, o que ofenderia a garantia constitucional do devido processo legal.

    A respeito, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhat, in "Manual do Processo de Conhecimento", editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001, página 506, lecionam:

    "O tribunal (ad quem) não pode conhecer de matérias não abordadas pelo juiz recorrido (a quo), sob pena de supressão de instância. Os temas, portanto, não expressamente abordados na instância que proferiu a decisão recorrida, não podem, em princípio, ser examinados pelo tribunal."

    No entanto, a questão versa sobre uma das condições da ação, matéria de ordem pública, que pode ser conhecida de ofício pelo Magistrado, em qualquer grau de jurisdição.

    A respeito, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in "Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante", editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 7ª edição, 2003, nos comentários ao artigo 267, nota 10, lecionam:

    Momento do...

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