Acórdão nº 2005/0193134-3 de T6 - SEXTA TURMA

Data03 Agosto 2006
Número do processo2005/0193134-3
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 50.143 - SP (2005/0193134-3)

RELATOR : MINISTRO PAULO MEDINA
REL. P/ ACÓRDÃO : MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA
IMPETRANTE : L.F.B.D.'URSO E OUTROS
IMPETRADO : DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : GABY BOULOS

EMENTA

HABEAS CORPUS. PRISÃO PROCESSUAL. REQUISITOS. ART. 312 DO CPP. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. NÃO OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA. ORDEM CONCEDIDA.

  1. A prisão processual encontra fronteiras na limitação constitucional que proíbe a manutenção no cárcere, quando admitida a liberdade provisória, com ou sem fiança, nos termos do inciso LXVI do artigo da da Carta da República; por sua vez, autoriza o artigo 312 do Código de Processo Penal a decretação da prisão preventiva, fundada na garantia das ordens pública e econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

  2. A decisão acerca da prisão preventiva exige concreta fundamentação, que não se pode restringir a afirmar a gravidade em abstrato do delito ou, de modo genérico, a necessidade de garantia da ordem pública ou da correta aplicação da lei, bem como a conveniência da instrução criminal.

  3. Como medida asseguradora, justificou-se a cautela em razão da fuga do paciente, assim que fora antes decretada sua prisão temporária; informa a impetração, todavia, que "por não lhe interessar outro encaminhamento que não seja o de ver reconhecida e provada a sua inocência, [o paciente] apresentou-se espontaneamente à prisão, desautorizando, com tal comportamento, qualquer ilação no sentido de que pretendia furtar-se à aplicação da lei penal". A apresentação espontânea do paciente foi também registrada no próprio acórdão denegatório proferido na instância anterior.

  4. Quanto à necessidade de garantia da ordem pública, tenho me manifestado, reiteradamente, no sentido de que eventual clamor público ou suposta indignação experimentada pela população - ou, até mesmo, a tão utilizada "tese" de descrença no Poder Judiciário - não consubstanciam motivação idônea para sustentar a prisão cautelar.

  5. Diante da pretensão inicialmente deduzida - qual seja, de inocorrência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva -, qualquer manifestação desta Corte Superior deverá, necessariamente, cingir-se ao reconhecimento, ou não, da existência daqueles requisitos, como constam do artigo 312 do Código de Processo Penal, autorizadores da medida restritiva. Não se observa, todavia, a circunstância do crime praticado "elencar-se entre aqueles que colocam a sociedade em desassossego", ou de que deva o delito "causar clamor pela forma como foi praticado", ou, ainda, de que os fatos "despertem indignação na comunidade", como asseverou-se nas instâncias anteriores.

  6. Diante da gravidade da ofensa à liberdade individual, compete ao intérprete exegese restrita, não se dispensando, ainda, concretude fática suficiente à imediata comprovação dos requisitos autorizadores da medida, que só então será decretada ou mantida.

  7. Ordem concedida.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, após o voto vista do Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa concedendo a ordem, por maioria, em conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Relator e Hamilton Carvalhido.

    Votaram com o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa os Srs. Ministros Nilson Naves e Paulo Gallotti.

    Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Medina.

    Brasília (DF), 03 de agosto de 2006.

    MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, Relator

    HABEAS CORPUS Nº 50.143 - SP (2005/0193134-3)

    RELATOR : MINISTRO PAULO MEDINA
    IMPETRANTE : L.F.B.D.'URSO E OUTROS
    IMPETRADO : DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
    PACIENTE : GABY BOULOS

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA (Relator):

    Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado por Luiz Flávio Borges D'urso e outros, em favor de G.B., contra acórdão da Décima Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, à unanimidade, denegou a ordem impetrada.

    Dessume-se que o paciente está sendo processado pelos crimes dos artigos 214, c/c art. 224, alínea "a", e art. 148, caput, e § 2º, todos do Código Penal.

    Diz a denúncia que o acusado convidou as vítimas Jéssica e Gledson para um lanche, o que os fez adentrar seu automóvel. Após circular pelo local, teria lhes perguntado sobre compra de drogas, não sabendo, ambos, informar.

    Deixando Gledson na via pública, manteve Jéssica no interior do automóvel, forçando-a a praticar sexo oral e anal consigo.

    Recebida a denúncia, o Magistrado de 1º grau decretou a prisão preventiva, ao argumento de que restou necessário garantir a ordem pública, eis que teria "colocado a sociedade em desassossego" e causou clamor público, além de ser necessária para garantir a aplicação da lei penal, porquanto o "réu evadiu-se tão logo decretada sua prisão temporária" (fl. 38/39).

    Inconformado, impetrou HC junto ao Tribunal a quo, não logrando sucesso, visto a ordem ter sido denegada.

    No writ, aduz que sofre constrangimento ilegal em virtude de o decreto da prisão preventiva não apresentar suficiente fundamentação, por não demonstrar os motivos ensejadores e mantenedores da cautelar segregatória.

    Ressalta que não há falar-se em necessidade de garantia da aplicação da lei penal, pois o paciente apresentou-se espontaneamente, conforme o boletim de ocorrência nº 5412/2005, elaborado pela Autoridade Policial do 77º Distrito Policial de São Paulo, juntada aos autos.

    Acrescenta que não existe no processo de origem prova material da prática do fato alegado coito anal, conforme demonstra o parecer médico-legal.

    Requer, em sede de liminar, a concessão da ordem e, no mérito, sua confirmação, para que se revogue a prisão preventiva decretada e permita-se ao paciente responder à ação penal em liberdade.

    Indeferi a liminar (fls. 205/208).

    O Ministério Público Federal opina pela denegação da ordem, em parecer assim fundamentado (fl. 392):

    1.HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CÁRCERE PRIVADO. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS DE IDADE. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE.

    2. A periculosidade do réu, concretamente demonstrada na maneira como praticado o crime, é reconhecida pela jurisprudência dos tribunais superiores como suficiente para a decretação da prisão preventiva, com vistas ao acautelamento da sociedade.

    3. Pela denegação da ordem.

    É o relatório.

    Decido.

    HABEAS CORPUS Nº 50.143 - SP (2005/0193134-3)

    RELATOR : MINISTRO PAULO MEDINA
    IMPETRANTE : L.F.B.D.'URSO E OUTROS
    IMPETRADO : DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
    PACIENTE : GABY BOULOS

    EMENTA

    PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. VÍTIMA MENOR, DE 12 ANOS DE IDADE. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CÁRCERE PRIVADO. PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. EXISTÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA. GRAVIDADE. CLAMOR PÚBLICO. PRESENÇA DE REQUISITO DO ART. 312 DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA.

    Para o decreto de prisão preventiva não se exige a certeza da autoria, sendo necessário tão-somente indícios suficientes de que essa qualidade seja atribuída ao paciente.

    Crime hediondo, cometido por jovem universitário, que gerou clamor público e insegurança na comunidade local.

    Não há falar-se em constrangimento ilegal consubstanciado na ausência de demonstração da necessidade da custódia cautelar. O julgador, motivou, satisfatoriamente, a decisão, com elementos concretos do processo, de modo a demonstrar a necessidade da medida para a aplicação da lei penal. Materialidade demonstrada e indícios de autoria existentes.

    Requisitos do art. 312 do CPP demonstrados. Acórdão mantido.

    Ordem DENEGADA.

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA (Relator):

    Impugnando o indeferimento da medida liminar por este Relator, foi impetrado habeas corpus, pelo paciente, junto ao Supremo Tribunal Federal (HC 87.424/SP).

    O Ministro Marco Aurélio, Relator do writ, deferiu a liminar, ressaltando que a concessão não impede o julgamento do mérito da presente impetração.

    Eis o inteiro teor da decisão (fls. 364/367):

    "Com a longa inicial de folha 2 a 23, acompanhada dos documentos de folhas 26 a 207, busca-se demonstrar a insubsistência da prisão preventiva e a erronia, a ponto de configurar constrangimento ilegal, do ato do ministro relator do habeas corpus nº 50.143/SP, em que indeferida a medida acauteladora.

    Afirma-se que o paciente, réu primário e portador de bons antecedentes, integrado à família estruturada com a qual reside há mais de 10 anos no mesmo endereço, foi denunciado como incurso na prática dos crimes de atentado violento ao pudor - art. 214, c/c art. 224, "a", ambos do CP - e cárcere privado - art. 148, cabeça, e § 2º, do CP - estando o processo em curso na 14ª Vara Criminal de São Paulo.

    Sustenta-se que o decreto de prisão baseou-se em duas premissas - a necessidade de garantir a ordem pública, em face do desassossego da sociedade, do clamor provocado por crime da natureza do que imputado ao paciente, e a garantia da aplicação da lei penal, porquanto evadira-se ele do distrito da culpa, tão logo assentada prisão temporária.

    Alude-se a precedentes do Tribunal quanto à flexibilização do Verbete nº 691 da própria Súmula e à impossibilidade de se proceder a verdadeira execução da pena antes de formada a culpa.

    O paciente, ordenada a prisão provisória, apresentara-se, assistido por defensor, ao Juízo da 14ª Vara Criminal do Fórum de Barra Funda.

    Discorre-se a respeito, ressaltando-se que a preventiva já se projeta no tempo, por cerca de 5 meses. São mencionados depoimentos sobre o perfil do paciente, requerendo-se a concessão de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT