Acórdão nº 1.0024.03.999614-5/001(1) de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 14 de Diciembre de 2006

Magistrado ResponsávelBitencourt Marcondes
Data da Resolução14 de Diciembre de 2006
Tipo de RecursoApelação Cível
SúmulaDeram Provimento.

EMENTA: APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REQUISITOS SATISFEITOS. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. DESCUMPRIMENTO. INVASÃO. AUTOTUTELA. VEDAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I) A inviolabilidade da propriedade é direito fundamental, nos termos do art. 5° da Constituição da República, garantido, também, pela Carta Política, no inciso XXII do mesmo dispositivo. II) Se a propriedade não atende à sua função social, não cabe aos particulares usurparem as atribuições do Estado de fazer cumprir o disposto no art. 5°, XXIII. III) Ao Poder Judiciário cabe zelar pelas garantias constitucionais, mas não pode corroborar com aqueles que se arvoram em fazer as vezes do Estado, em verdadeiro exercício arbitrário das próprias razões. IV) Os movimentos sociais não possuem legitimidade sob a ótica dos direitos fundamentais, quando existem mecanismos suficientes na ordem jurídica para que a função social da propriedade seja observada. V) Recurso conhecido e provido.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.03.999614-5/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): ZILMAR FRANCO E BANDEIRA DE MELLO - APELADO(A)(S): INÁCIO NUNES DA CRUZ E OUTRO(A)(S) POR SEU CURADOR, ANA MARIA DAS NEVES, VALDIR ALVES FERREIRA E OUTRO(A)(S), SEBASTIAO CUSTODIO DA SILVA HERDEIRO(A)(S) DE - RELATOR: EXMO. SR. DES. BITENCOURT MARCONDES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 14 de dezembro de 2006.

DES. BITENCOURT MARCONDES - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. BITENCOURT MARCONDES:

VOTO

Trata-se de recurso de apelação, interposto por Zilmar Franco e Bandeira de Mello, em face da r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Fernando Humberto dos Santos, da Vara de Conflitos Agrários da Comarca de Belo Horizonte, que, nos autos da ação de reintegração de posse ajuizada em face de Valdir Alves Ferreira e outras oitenta e quatro pessoas, julgou improcedente o pedido.

Sustenta haver comprovado a legitimidade de seu domínio e posse sobre a propriedade rural, como também a ocorrência de esbulho em parte dela.

Contra-razões às fls. 392/397, em que se alega: a) ser descabida a discussão de domínio em sede de possessória; b) não ter a propriedade cumprido sua função social, nos termos da Constituição da República.

A Procuradoria Geral de Justiça se manifestou pelo não provimento do recurso, em parecer de fls. 406/413.

É o relatório.

I) DO OBJETO DO RECURSO

O pedido de reintegração de posse foi julgado improcedente pelo Julgador monocrático, ao fundamento de que a posse sobre o imóvel só se efetiva com o cumprimento de sua função social, sem a qual o bem será considerado abandonado, in verbis:

"Nessa esteira de raciocínio, forçoso concluir que a proteção possessória deverá ser reconhecida a quem mantém ou mantinha para com a coisa, in casu, o imóvel rural, uma relação consubstanciada pela exteriorização de um dos poderes/atributos do direito de propriedade (art. 1.196 c/c art. 1.228, ambos do Código Civil Brasileiro).

Inelutável que o cumprimento da função social é dado que integra o direito de propriedade, posto que assim se encontra disciplinado na Constituição Federal de 1988 (arts. 5°, XXIII, 170, III e 186).

Neste diapasão, seria desarrazoado o entendimento da inexigibilidade do cumprimento da função social quando se está diante do chamado "estado de aparência", que, por indicar e instrumentalizar a prova da existência do próprio direito à posse, na forma da exteriorização dos poderes/atributos da propriedade, somente poderá ser considerado como meio eficiente a demonstrar a existência daquele direito (posse) se qualificado/adjetivado pela função social.

Ora, não há como se extrair da realidade fática concreta que induza posse sobre uma coisa (visibilidade do domínio), a exigência constitucional do cumprimento da função social, sem que com isso não seja afastada, também, a existência legítima da própria posse e, por conseguinte, da sua proteção jurídica, que é dada só àquele "estado de aparência" que efetivamente constitui-se visibilidade do domínio.

Seria mesmo um contra-senso reconhecer-se proteção jurídica a uma situação fática consubstanciada pelo uso da coisa sem que a esta (coisa) não seja dada função social. Igualmente inadmissível, e despido da proteção do direito, o gozo da coisa desprovido de função social. Em suma, se revela ilógico e inconstitucional concluir pela existência de proteção jurídica e do próprio direito de posse se a exteriorização de um dos poderes/atributos da propriedade se faz solteiro de função social.

De suma importância, então, salientar que a mesma função social inserta na Constituição Federal de 1998 como de atendimento obrigatório pelo titular da propriedade se estende ao possuidor, isso porque este somente tem a titularidade da posse se exerce, efetivamente, ainda que por meio de outrem, um dos atributos/faculdades do domínio que indicam (visibilidade) a situação fática da posse.

(...)

Assim, se no curso das ações possessórias o Requerente não comprovar a posse anterior ou atual sobre o imóvel rural (ambas necessariamente exercidas com cumprimento da função social), nos estritos moldes disciplinados na legislação de regência, entendo que não haveria direito algum a ser reconhecido, pois, neste caso, estará evidenciado o abandono da posse. Além disso, em sendo indeferida a pretensão possessória nestes termos, ou seja, por reconhecidos a ausência de direito subjetivo à posse e o seu abandono, defendo que cumprirá ao Poder Público o dever de imediata arrecadação do imóvel, desde que não esteja na posse de outrem, que a tenha obtido sem os vícios da clandestinidade ou violência.

(...)

Com efeito, e na esteira de todo o raciocínio expendido nesta decisão, concluo pela inexistência do próprio direito à posse sobre o imóvel por parte da Requerente, pois sem prova da função social a posse se me afigura abandonada, desmerecedora, então, de qualquer proteção jurídica." (fls. 372/377)

A decisão, com a devida vênia, está a merecer reforma.

Inicialmente, no que tange ao abandono, incumbe ressaltar que tal instituto não se aplica à espécie. Isso porque, nos termos do art. 1.276, caput - aplicável às propriedades rurais por força de seu § 1° -, a caracterização do abandono pressupõe intenção do proprietário de não mais conservar o imóvel em seu patrimônio.

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, o abandono:

"é ato de disposição. O abandono é percebido pelo comportamento do titular. É preciso, no entanto, avaliar se existe voluntariedade. (...) O fato de...

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