Acórdão nº HC 238948 / SP de T5 - QUINTA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150)
EmissorT5 - QUINTA TURMA
Tipo de RecursoHabeas Corpus

HABEAS CORPUS Nº 238.948 - SP (2012⁄0073554-1)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
IMPETRANTE : M.S.C. - DEFENSORA PÚBLICA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : WILLIAM ALVES MARTINS (PRESO)

EMENTA

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. MEDIDA IMPRESCINDÍVEL À SUA OTIMIZAÇÃO. EFETIVA PROTEÇÃO AO DIREITO DE IR, VIR E FICAR. 2. ALTERAÇÃO JURISPRUDENCIAL POSTERIOR À IMPETRAÇÃO DO PRESENTE WRIT. EXAME QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. TRÁFICO DE DROGAS. 3. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI N.º 11.343⁄2006. SENTENÇA E ACÓRDÃO QUE ENTENDERAM AUSENTES OS REQUISITOS LEGAIS PARA CONCESSÃO DO REDUTOR. DESCONSTITUIÇÃO QUE IMPLICA NO REEXAME DETALHADO DOS FATOS E PROVAS CONSTANTES DOS AUTOS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. 4. FIXAÇÃO DE REGIME MENOS RIGOROSO PARA O CUMPRIMENTO DA PENA. DESCABIMENTO. OBSERVÂNCIA DO ART. 33 DO CÓDIGO PENAL E ART. 42 DA LEI DE DROGAS. 5. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 44, I DO CÓDIGO PENAL. 6. ORDEM NÃO CONHECIDA.

  1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, firmou-se, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Louvando o entendimento de que o Direito é dinâmico, sendo que a definição do alcance de institutos previstos na Constituição Federal há de fazer-se de modo integrativo, de acordo com as mudanças de relevo que se verificam na tábua de valores sociais, esta Corte passou a entender ser necessário amoldar a abrangência do habeas corpus a um novo espírito, visando restabelecer a eficácia de remédio constitucional tão caro ao Estado Democrático de Direito. Precedentes.

  2. Atento a essa evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a adotar decisões no sentido de não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, considerando que a modificação da jurisprudência firmou-se após a impetração do presente habeas corpus, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial ante a possibilidade da existir constrangimento ilegal evidente, a ser sanada mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se, assim, prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

  3. As instâncias ordinárias afastaram a possibilidade de aplicação da causa especial de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, ao entender que, diante das circunstâncias concretas do crime - no qual o paciente foi preso em conhecido ponto de venda de drogas, com apreensão de 38 (trinta e oito) porções de cocaína, 27 (vinte e sete) pedras de crack e 80 (oitenta) porções de maconha -, estava plenamente caracterizado o envolvimento do sentenciado com o tráfico e com a criminalidade, inviabilizada a concessão da causa de diminuição pela ausência dos requisitos legais.

  4. Para desconstituir o que ficou estabelecido nas instâncias ordinárias, mostra-se necessário o reexame completo e detalhado dos fatos e provas constantes dos autos, procedimento totalmente incompatível com os estreitos limites do habeas corpus.

  5. No que diz respeito ao regime de cumprimento da pena, constata-se que foi estabelecido o regime inicial fechado, consoante preceituam os arts. 33, § § 2º e 3º, do Código Penal e 42 da Lei de Tóxicos, diante das peculiaridades do caso concreto, notadamente em razão da natureza, diversidade e elevada quantidade de droga apreendida.

  6. Mantida a pena imposta, fica prejudicado o pleito de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, uma vez que o quantum de pena fixado, 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, não comporta a concessão de benefício, conforme previsão do art. 44, I, do Código Penal.

  7. Habeas corpus não conhecido e não verificada a existência de flagrante constrangimento ilegal que autorize a concessão de habeas corpus de ofício.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido.

    Os Srs. Ministros Laurita Vaz e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília (DF), 18 de setembro de 2012 (data do julgamento).

    MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

    HABEAS CORPUS Nº 238.948 - SP (2012⁄0073554-1)

    RELATÓRIO

    O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

    Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de W.A.M., apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo.

    Narra a impetração que o paciente foi condenado em primeiro grau à pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, pela prática do delito previsto no art. 33, caput, c⁄c o art. 40, VI, da Lei nº 11.343⁄2006.

    Interposta apelação pela defesa, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, em acórdão que ficou assim resumido (fl. 35):

    APELAÇÃO - TRÁFICO DE DROGAS - PROVA - SUFICIÊNCIA - Materialidade e autoria comprovadas - Réu preso em flagrante - Circunstâncias reveladoras do crime de tráfico de entorpecentes - Versão de inocência sustentada pelo réu que não encontra respaldo na prova coligida aos autos - Testemunho dos policiais confirmando a narrativa da Denúncia - Condenação mantida - DESCLASSIFICAÇÃO - USO PRÓPRIO - INVIABILIDADE - A quantidade de droga apreendida, sua forma de acondicionamento, bem como as anotações indicativas de contabilidade da venda de drogas, são fatores que, associados à prova produzida, levam à certeza de que o acusado efetivamente se dedicava ao tráfico de entorpecentes - PENA - DOSIMETRIA - CAUSA DE AUMENTO - ARTIGO 40, VI, LEI 11.343⁄06 - Desnecessária a apresentação de certidão de nascimento para comprovar a menoridade do adolescente apreendido em companhia do apelante - Conclusão pela menoridade que se extrai da própria apreensão do adolescente como menor infrator - REDUTOR - ARTIGO 33, § 4o, LEI 11.343⁄2006 - INAPLICABILIDADE - Ausência de requisito de ordem objetiva para a aplicação do redutor - A despeito da primariedade do acusado, a prova produzida demonstra que o recorrente se dedica à atividade criminosa de tráfico de entorpecentes, fazendo do comércio nefasto meio de vida - Redução que deve se voltar para as hipóteses em que há equiparação legal à condição de traficante, mas, na verdade, a pessoa acusada dessa espécie de delito não faz da narcotraficância meio de subsistência - Sentença condenatória mantida - RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO

    No presente writ, sustenta a impetrante que o paciente está submetido a constrangimento ilegal pela não aplicação da causa especial de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343⁄2006.

    Alega que o paciente preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício, notadamente se considerada sua primariedade e seus bons antecedentes.

    Afirma, ainda, que, aplicada a minorante do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343⁄06, a quantidade de pena imposta e a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis autorizam a fixação do regime aberto, nos moldes do art. 33, § 2º, do Código Penal, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos - visto que também estariam preenchidas as exigências do art. 44 do Código Penal.

    Pleiteia, liminarmente, seja o paciente "imediatamente transferido para o regime semi-aberto de cumprimento da pena" e, no mérito, "seja aplicada a causa de diminuição do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343⁄2006, fixado o regime aberto (ou ao menos semi-aberto) de cumprimento de pena, bem como sejam substituídas as penas por restritivas de direito" (fl. 9).

    A liminar foi indeferida às fls. 52⁄53.

    Prestadas as informações (fls. 62⁄99), o Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem, nos termos do parecer de fls. 103⁄112.

    É o relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 238.948 - SP (2012⁄0073554-1)

    VOTO

    O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):

    A liberdade de locomoção do indivíduo, independentemente dos transtornos dos procedimentos, da gravidade dos fatos criminosos, há muito ocupa lugar de destaque na escala de valores tutelados pelo Direito, razão pela qual sempre mereceu especial tratamento nos ordenamentos jurídicos das sociedades civilizadas.

    Lembremo-nos que a República Federativa brasileira assenta-se na dignidade da pessoa humana, e não há dignidade sem que haja proteção aos direitos fundamentais, tampouco há dignidade sem que o ordenamento jurídico estabeleça garantias que possibilitem aos indivíduos fazer valer, frente ao Estado, esses direitos.

    Entre nós, com os parâmetros que lhe dá a Constituição e o Código de Processo Penal, é reconhecida a garantia constitucional do habeas corpus, criado com o objetivo de evitar ou fazer cessar violência ou coação à liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder. Nesse contexto, ressaltou Pontes de Miranda "que a liberdade pessoal é a liberdade física: ius manendi ambulandi, eundi ultro citroque; e sua extensão coincide com a aplicabilidade do habeas corpus, remédio extraordinário, que se instituíra para fazer cessar, de pronto e imediatamente, a...

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