Acórdão nº REsp 801109 / DF de T4 - QUARTA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistro RAUL ARAÚJO (1143)
EmissorT4 - QUARTA TURMA
Tipo de RecursoRecurso Especial

RECURSO ESPECIAL Nº 801.109 - DF (2005⁄0195162-7)

RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECORRENTE : EDITORA ABRIL S⁄A
ADVOGADO : ALEXANDRE FIDALGO
RECORRIDO : A.Z.V.C.
ADVOGADO : AMILCAR CRUZ CRUXÊN E OUTRO(S)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA OFENSIVA. LEI DE IMPRENSA (LEI 5.250⁄67). ADPF N. 130⁄DF. EFEITO VINCULANTE. OBSERVÂNCIA. LIBERDADE DE IMPRENSA E DE INFORMAÇÃO (CF, ARTS. 5º, IV, IX E XIV, E 220, CAPUT, §§ 1º E 2º). CRÍTICA JORNALÍSTICA. OFENSAS À IMAGEM E À HONRA DE MAGISTRADO (CF, ART. 5º, V E X). ABUSO DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE IMPRENSA NÃO CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO.

  1. Na hipótese em exame, a Lei de Imprensa foi utilizada como fundamento do v. acórdão recorrido e o recurso especial discute sua interpretação e aplicação. Quando o v. acórdão recorrido foi proferido e o recurso especial foi interposto, a Lei 5.250⁄67 estava sendo normalmente aplicada às relações jurídicas a ela subjacentes, por ser existente e presumivelmente válida e, assim, eficaz.

  2. Deve, pois, ser admitido o presente recurso para que seja aplicado o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, sendo possível a análise da controvérsia com base no art. 159 do Código Civil de 1916, citado nos acórdãos trazidos como paradigmas na petição do especial.

  3. A admissão do presente recurso em nada ofende o efeito vinculante decorrente da ADPF 130⁄DF, pois apenas supera óbice formal levando em conta a época da formalização do especial, sendo o mérito do recurso apreciado conforme o direito, portanto, com base na interpretação atual, inclusive no resultado da mencionada arguição de descumprimento de preceito fundamental. Precedente: REsp 945.461⁄MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15⁄12⁄2009, DJe de 26⁄5⁄2010.

  4. O direito à imagem, de consagração constitucional (art. 5º, X), é de uso restrito, somente sendo possível sua utilização por terceiro quando expressamente autorizado e nos limites da finalidade e das condições contratadas.

  5. A princípio, a simples utilização de imagem da pessoa, sem seu consentimento, gera o direito ao ressarcimento das perdas e danos, independentemente de prova do prejuízo (Súmula 403⁄STJ), exceto quando necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública (CC⁄2002, art. 20).

  6. Tratando-se de imagem de multidão, de pessoa famosa ou ocupante de cargo público, deve ser ponderado se, dadas as circunstâncias, a exposição da imagem é ofensiva à privacidade ou à intimidade do retratado, o que poderia ensejar algum dano patrimonial ou extrapatrimonial. Há, nessas hipóteses, em regra, presunção de consentimento do uso da imagem, desde que preservada a vida privada.

  7. Em se tratando de pessoa ocupante de cargo público, de notória importância social, como o é o de magistrado, fica mais restrito o âmbito de reconhecimento do dano à imagem e sua extensão, mormente quando utilizada a fotografia para ilustrar matéria jornalística pertinente, sem invasão da vida privada do retratado.

  8. Com base nessas considerações, conclui-se que a utilização de fotografia do magistrado adequadamente trajado, em seu ambiente de trabalho, dentro da Corte Estadual onde exerce a função judicante, serviu apenas para ilustrar a matéria jornalística, não constituindo, per se, violação ao direito de preservação de sua imagem ou de sua vida íntima e privada. Não há, portanto, causa para indenização por danos patrimoniais ou morais à imagem.

  9. Por sua vez, a liberdade de expressão, compreendendo a informação, opinião e crítica jornalística, por não ser absoluta, encontra algumas limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático, quais sejam: (I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi).

  10. Assim, em princípio, não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada. Nessas hipóteses, principalmente, a liberdade de expressão é prevalente, atraindo verdadeira excludente anímica, a afastar o intuito doloso de ofender a honra da pessoa a que se refere a reportagem. Nesse sentido, precedentes do egrégio Supremo Tribunal Federal: ADPF 130⁄DF, de relatoria do Ministro CARLOS BRITTO; AgRg no AI 690.841⁄SP, de relatoria do Ministro CELSO DE MELLO.

  11. A análise relativa à ocorrência de abuso no exercício da liberdade de expressão jornalística a ensejar reparação civil por dano moral a direitos da personalidade depende do exame de cada caso concreto, máxime quando atingida pessoa investida de autoridade pública, pois, em tese, sopesados os valores em conflito, mostra-se recomendável que se dê prevalência à liberdade de informação e de crítica, como preço que se paga por viver num Estado Democrático.

  12. Na espécie, embora não se possa duvidar do sofrimento experimentado pelo recorrido, a revelar a presença de dano moral, este não se mostra indenizável, por não estar caracterizado o abuso ofensivo na crítica exercida pela recorrente no exercício da liberdade de expressão jornalística, o que afasta o dever de indenização. Trata-se de dano moral não indenizável, dadas as circunstâncias do caso, por força daquela "imperiosa cláusula de modicidade" subjacente a que alude a eg. Suprema Corte no julgamento da ADPF 130⁄DF.

  13. Recurso especial a que se dá provimento, julgando-se improcedentes os pedidos formulados na inicial.

    ACÓRDÃO

    Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Vencido, parcialmente, o M.A.C.F., no tocante à verba honorária. Os Srs. Ministros M.I.G., A.C.F., Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentou oralmente o Dr. Alexandre Fidalgo, pela parte recorrente.

    Brasília, 12 de junho de 2012(Data do Julgamento)

    MINISTRO RAUL ARAÚJO

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 801.109 - DF (2005⁄0195162-7)

    RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
    RECORRENTE : EDITORA ABRIL S⁄A
    ADVOGADOS : LOURIVAL JOSE DOS SANTOS
    ALEXANDRE FIDALGO
    RECORRIDO : A.Z.V.C.
    ADVOGADO : AMILCAR CRUZ CRUXÊN E OUTRO(S)

    RELATÓRIO

    O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO:

    Trata-se de recurso especial interposto por EDITORA ABRIL S⁄A, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão, proferido pelo colendo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em sede de apelação cível, assim ementado:

    "INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA OFENSIVA. LEI DE IMPRENSA. PRELIMINARES REJEITADAS. QUANTUM INDENIZATÓRIO EXORBITANTE – PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO DE ACORDO COM OS CRITÉRIOS ESTABELECIDOS NO § 3º DO CPC.

    I - O julgamento antecipado da lide não implica cerceamento de defesa quando há nos autos elementos suficientes para dirimir a matéria fática que compõe a lide (art. 130, I, do CPC). Assim, cumpre ao magistrado avaliar, de acordo com o conjunto probatório constante dos autos, a necessidade ou não da produção de outras provas, devendo indeferi-las quando inúteis ou meramente protelatórias.

    II – A multa cominatória fixada na r. sentença não constitui julgamento extra petita, porque o § 4º do artigo 461, do Código de Processo Civil, autoriza o juiz a fixá-la de ofício, como fator inibitório ao cumprimento específico da obrigação, objeto da prestação jurisdicional.

    III – Restando demonstrado nos autos que a matéria veiculada na imprensa, em revista de grande circulação, denegriu a imagem do Autor, ofendendo-lhe a honra subjetiva, deve a Demandada ser condenada a indenizar.

    IV – Na fixação da indenização por dano moral, deve-se observar o princípio da razoabilidade, de forma que o quantum indenizatório não seja de tal vulto que se converta em fonte de enriquecimento, nem tampouco tão pequeno, a ponto de se tornar inexpressivo." (fl. 283, e-STJ)

    Os embargos de declaração opostos por EDITORA ABRIL S⁄A foram rejeitados (fls. 321⁄325, e-STJ).

    Em suas razões recursais, a ora recorrente alega, inicialmente, violação aos arts. 515 e 535 do Código de Processo Civil, arguindo que a colenda Corte local não sanou a omissão suscitada na petição de embargos de declaração, quanto à necessidade de apreciação de todos os temas trazidos na apelação, em observância ao princípio tantum devolutum quantum apellatum.

    No mérito, sustenta que o v. acórdão recorrido incorreu em divergência jurisprudencial com aresto do col. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e em ofensa aos arts. , 27, II e VIII, da Lei 5.250⁄67 - Lei de Imprensa - e aos arts. 5º, IV, IX e XIV, e 220 da Constituição Federal. Afirma, nesse contexto, que: (I) "a reportagem discutida reveste-se de evidente licitude e absoluto animus narrandi, já que o texto pautou-se em conclusões da CPI do Judiciário, instalada no Senado Federal para apuração de denúncias de 'administração patrimonial irregular e imperfeição na prática de atos processuais e na prestação jurisdicional, transcorridos na Vara de Órfãos e Sucessões do Distrito Federal, sob a responsabilidade do então Juiz titular da Vara, hoje Desembargador ASDRUBRAL ZOLA VASQUEZ CRUXÊN" (fl. 340, e-STJ); (II) a publicidade dos atos praticados no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito, os quais não ostentam sigilo, permite que a imprensa, utilizando-se da liberdade de informação e de crítica, divulgue fato jornalístico relevante, verdadeiro e de interesse público; (III) não há falar também em...

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