Acórdão nº 0001497-15.1999.4.01.3300 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Terceira Seção, 20 de Noviembre de 2012

Data20 Novembro 2012
Número do processo0001497-15.1999.4.01.3300
ÓrgãoTerceira seçao

Assunto: Indenização por Dano Moral - Responsabilidade da Administração - Direito Administrativo e Outras Matérias do Direito Público

RELATOR P/ ACÓRDÃO: DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE

APELANTE: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI

PROCURADOR: ADRIANA MAIA VENTURINI

PROCURADOR: LUIZ FERNANDO VILLARES E SILVA

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

PROCURADOR: SIDNEY PESSOA MADRUGA

ACÓRDÃO

Decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por maioria, vencido o relator, que negou provimento ao recurso de apelação, dar-lhe provimento nos termos do voto divergente do Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro.

Brasília, 6 de fevereiro de 2012.

Des. Federal DANIEL PAES RIBEIRO Relator para acórdão

EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 1497-15.1999.4.01.3300/BA

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desembargadora Federal SELENE ALMEIDA (Relatora):

Trata-se de embargos infringentes opostos pelo Ministério Público Federal contra acórdão que, por maioria, deu provimento à apelação da Fundação Nacional do Índio - FUNAI e julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais à comunidade indígena Kiriri e de melhor aparelhamento da administração regional da FUNAI em Paulo Afonso/BA (fls.

872/900).

O julgado proferido pela Sexta Turma, cujo relator para acórdão foi o Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro estabeleceu, por maioria, "que, embora tenha havido demora por parte da FUNAI no pagamento de indenizações por benfeitorias realizadas de boa fé, na Terra Indígena Kiriri, do que decorreu a demora na desocupação da área, os alegados danos material e moral não resultaram diretamente da conduta da autarquia, mas da situação conflituosa dentro da própria comunidade, do que resultou, inclusive, na divisão em duas "Facções", cada qual comandada por um líder (cacique)." (fls. 899).

Quanto à pretensão de determinar o melhor aparelhamento da Administração Executiva Regional da FUNAI em Paulo Afonso/BA, o julgado a considerou improcedente por representar "indevida ingerência do Judiciário no âmbito de atuação da Administração" (fls. 899).

Restou vencido o relator, Juiz Federal Convocado Moacir Ferreira Ramos, que havia negado provimento à apelação e confirmado a sentença (fls.

871/882).

O embargante afirma que o voto vencido deve prevalecer com os seguintes argumentos: a) a condenação da FUNAI na obrigação de fazer decorreu do descumprimento do compromisso assumido pelo ente público perante a comunidade indígena Kiriri; b) o voto embargado "equivoca-se ao escoimar de unilateralidade a perícia (...), tendo em vista que a própria FUNAI reconhece que a sua omissão contribuiu para o acirramento dos conflitos...".

Contrarrazões da FUNAI, fls. 915/917.

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desembargadora Federal SELENE ALMEIDA (Relatora):

Em exame embargos infringentes visando à prevalência do voto vencido proferido pelo Juiz Federal Convocado Moacir Ferreira Ramos, que havia negado provimento à apelação e confirmado a sentença (fls. 871/882).

O acórdão da Sexta Turma teve por relator para acórdão o Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro e está assim redigido:

"CIVIL E ADMINISTRATIVO. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. DETERMINAÇÃO DE APARELHAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO EXECUTIVA REGIONAL DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI). TERRA INDÍGENA KIRIRI. OCUPAÇÃO POR NÃO- ÍNDIOS. ORDEM DE DESOCUPAÇÃO. DEMORA NO CUMPRIMENTO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA DA FUNAI. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

  1. Do conjunto fático-probatório constante dos autos emerge a convicção de que, embora tenha havido demora por parte da Funai no pagamento de indenizações por benfeitorias realizadas de boa fé, na Terra Indígena Kiriri, do que decorreu a demora na desocupação da área, os alegados danos material e moral não resultaram diretamente da conduta da autarquia, mas da situação conflituosa dentro da própria comunidade, do que resultou, inclusive, na divisão em duas "Facções", cada qual comandada por um líder (cacique).

  2. Essa conclusão resulta evidente do depoimento de um dos caciques, quando afirma que, "a partir de 1984 a tribo kiriri passou a ter dois representantes em decorrência de disputas internas e em virtude da inveja", concluindo que "a FUNAI não foi responsável pela dissidência interna da tribo kiriri".

  3. Não demonstrada, pois, a relação de causalidade entre a conduta do agente público e o alegado dano, não há falar em dever de indenizar pelos alegados danos materiais e morais.

  4. Quanto à pretensão de determinar o melhor aparelhamento da Administração Executiva Regional da Funai em Paulo Afonso (BA), representa indevida ingerência do Judiciário no âmbito de atuação da Administração, configurando afronta ao princípio constitucional da separação de poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal.

  5. Sentença parcialmente reformada.

  6. Apelação provida." (fl. 899/900) A presente controvérsia encerra tema da maior gravidade: os conflitos ocorridos entre indígenas da comunidade Kiriri e os posseiros que ocupavam suas terras, que culminou com a morte de quatro indígenas.

Em 1988, foi celebrado o tratado de paz no qual a FUNAI assumiu as seguintes obrigações:

  1. aumentar o número de servidores na área e oferecer as condições de trabalho ao seu administrador regional em Paulo Afonso/BA;

  2. acompanhar a reocupação das roças tradicionais;

  3. pagar indenizações aos ex-ocupantes e posseiros de boa-fé.

    Foi o alegado descumprimento de tais obrigações por parte do órgão público que motivou o ajuizamento da presente ação civil pública pelo Ministério Público Federal.

    Para melhor entendimento da lide, transcrevo a bem lançada sentença de primeiro grau, proferida pela Juíza Federal Nilza Reis, titular da 8ª Vara da Seção Judiciária da Bahia:

    " O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, contra a FUNAI - FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO e a UNIÃO FEDERAL, argüindo, basicamente, que, subsidiada por esta, aquela descumpriu obrigações assumidas, anteriormente, em tratado de paz firmado em 1988, com a comunidade indígena KIRIRI e os posseiros que ocupavam as suas terras, causando-lhes prejuízos, razão pela qual devem ser condenadas nas obrigações de adimpli- las, de pagar indenização pelos danos morais causados às famílias de índios mortos em virtude de sua omissão - José Carvalho dos Santos, João Jesus dos Santos, João Jesus dos Reis e Antônio Jesus de Andrade -, sob forma de pensão mensal correspondente 2 (dois) salários-mínimos e, genericamente, àquela comunidade, além de promover estudo antropológico visando dirimir conflitos instaurados entre as facções surgidas entre os silvícolas.

    Em seu arrazoado inicial, afirmou que, desde 1941, áreas localizadas nos municípios de Banzaê e Quinjigue, no norte da Bahia, foram reconhecidas como terras indígenas da comunidade dos KIRIRIS pela segunda ré - União -, efetivando-se a respectiva regularização imobiliária, todavia, somente em 25/03/90, com o Decreto n° 98.828, de 15/03/90 e Registro CI matrícula 2969, livro 2m, f. 83 em 25/03/90, sem que, todavia, fosse pacificada a convivência dos índios na região.

    Sustentou a omissão da FUNAI e da UNIÃO FEDERAL quanto ao cumprimento do dever de coibir os conflitos interétnicos e internos da comunidade Kiriri, assegurando, em conseqüência, a sua Integridade, ressaltando que a primeira ré descumpriu o Tratado de Paz firmado em 1988, em cujo instrumento assumiu a obrigação de aumentar o número de servidores na área e oferecer as condições de trabalho ao Administrador Regional de Paulo Afonso, bem como a de acompanhar a reocupação das roças tradicionais e pagar indenizações aos ex-ocupantes não-índios.

    Alega que, após a demarcação e regularização das terras Indígenas, a FUNAI deixou de promover o assentamento de 676 famílias de ex-ocupantes (cerca de 2.500 pessoas) que se encontravam alojadas em condições sub-humanas em barracas de lona, prédios públicos e garagens na cidade de Banzaê e em municípios vizinhos, além de interromper o pagamento das indenizações devidas, criando sérios impasses entre os índios, que, insatisfeitos, se dividiram em duas facções e passaram a manter sérios confrontos, dos quais resultaram vários óbitos, já que discordaram entre si sobre a forma de utilização e ocupação da área indígena e da possibilidade do retorno dos regionais desalojados, admitida por uma delas, fazendo surgir a preocupação de instauração de um conflito generalizado.

    Por fim, exibindo documentos (fls. 38/46), afirmou que a UNIÃO FEDERAL reduziu o repasse de verba orçamentária para a FUNAI, esvaziando a sua capacidade de desempenhar a sua competência específica e de implementar medidas efetivas para dirimir o conflito instalado dentro e fora da comunidade indígena Kiriri, pedindo que esse Juízo determinasse, em sede de liminar:

  4. o cumprimento da obrigação assumida pela FUNAI no Tratado de Paz de fls. 102/103, que consistiu na nomeação de uma equipe para acompanhar, juntamente com os Conselheiros Indígenas e os Caciques, a reocupação das roças tradicionais, sempre de comum acordo com os Conselheiros;

  5. o reinício do pagamento das indenizações devidas aos ex- ocupantes e posseiros de boa-fé;

  6. a apresentação de um cronograma relativo ao pagamento de todos os ressarcimentos no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, sob pena de fixação de uma verba alimentar para os ex-ocupantes de boa-fé que estivessem vivendo nas ruas dos municípios próximos à terra indígena, e de bloqueio das verbas orçamentárias da FUNAI destinadas à rubrica pagamento de indenizações em áreas indígenas demarcadas.

    Intimada a se pronunciar, nos termos da Lei n° 8.437/92, a União exibiu a peça de fls. 52/54, por meio da qual alegou a sua ilegitimidade passiva, sustentando, ademais, o descabimento da sua intromissão no âmbito da gestão orçamentária dos recursos da FUNAI.

    Afirmando que a tensão social foi agravada na região KIRIRI, o MPF ratificou o...

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