Acórdão nº 2006.39.03.000711-8 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Quinta Turma, 13 de Agosto de 2012

Magistrado ResponsávelDesembargador Federal Souza Prudente
Data da Resolução13 de Agosto de 2012
EmissorQuinta Turma
Tipo de RecursoEmbargos de Declaração na Apelacao Civel

Assunto: Revogação/concessão de Licença Ambiental - Meio Ambiente - Direito Administrativo e Outras Matérias do Direito Público

APELAÇÃO CÍVEL 2006.39.03.000711-8/PA Processo na Origem: 200639030007118

RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

PROCURADOR: MARCO ANTONIO DELFINO DE ALMEIDA

APELADO: CENTRAIS ELETRICAS BRASILEIRAS S/A - ELETROBRAS

ADVOGADO: MARCELO THOMPSON LANDGRAF E OUTROS(AS)

APELADO: CENTRAIS ELETRICAS DO NORTE DO BRASIL S/A - ELETRONORTE

ADVOGADO: CAREM RIBEIRO DE SOUZA E OUTROS(AS)

APELADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS

NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA

PROCURADOR: ADRIANA MAIA VENTURINI

APELADO: UNIAO FEDERAL

PROCURADOR: MANUEL DE MEDEIROS DANTAS

ACÓRDÃO

Decide a Quinta Turma do TRF - 1ª Região, por maioria, negar provimento à apelação e à remessa oficial, vencida a Relatora.

Brasília-DF, 14 de novembro de 2011.

Desembargador Federal FAGUNDES DE DEUS Relator para o acórdão

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.39.03.000711-8/PA

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desembargadora Federal SELENE ALMEIDA (Relatora):

O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis - IBAMA, e contra Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A - ELETRONORTE, tendo como objeto "a condenação do IBAMA em obrigação de não fazer, consistente na proibição de adotar atos administrativos referentes ao licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte" (fl. 21).

Alega o MPF, em síntese:

a) que a hidrelétrica atingirá as comunidades indígenas de Arara, Juruna, Parakanã, Xikrin, Xipaia-Kuruaia, Kayapó e Araweté, as quais poderão sofrer danos ambientais, caso ocorra a implantação;

b) que o processo legislativo que deu origem ao Decreto Legislativo 788/2005 tem vícios de ordem material, pois não consultou as comunidades indígenas afetadas (arts. 170, VI e art. 231, §3º, da CF/88 e art 6º, 1, a, da Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil, através do Decreto Legislativo 142/2002;

c) a ocorrência de "atentado ao devido processo legislativo", pois o projeto do decreto legislativo foi modificado no Senado sem retorno para apreciação pela Câmara dos Deputados, ex vi do art.123 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados;

d) a ausência de lei complementar que disponha sobre a forma de exploração dos recursos hídricos em área indígena, nos termos do § 6º do artigo 231 da Constituição;

e) que o Congresso Nacional não poderia delegar a oitiva das comunidades envolvidas, para os fins do art. 231, § 3º da CF/88, daí porque seria inconstitucional a delegação prevista no art. 2º do Decreto Legislativo 788/2005, por violar os arts. 231, § 3º e 49, XVI da Constituição.

Inicialmente, o Juízo a quo deferiu liminar para suspender o procedimento do IBAMA e da ELETRONORTE para licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (fls. 87/91). Posteriormente, reconsiderou sua decisão revogando a liminar anteriormente concedida (fls. 298/334).

Contra a referida decisão, que permitiu a continuidade do procedimento de licenciamento, o Ministério Público Federal interpôs o Agravo de Instrumento nº 2006.01.00.017736-8, que foi distribuído a esta Relatora e recebeu decisão monocrática que deferiu o efeito suspensivo vindicado "para sustar a eficácia da decisão até o julgamento definitivo do agravo" (fls. 461/6).

A União ingressou, perante o Supremo Tribunal Federal com o pedido de Suspensão de Liminar nº 125-6/PA, objetivando a suspensão da decisão proferida no aludido agravo. O pedido foi deferido pela Ministra Ellen Gracie nos seguintes termos (fls. 816/826):

"(...) defiro o pedido, para suspender, em parte, a execução do acórdão proferido pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos autos do AI 2006.01.00.017736-8/PA para permitir ao IBAMA que proceda á oitiva das comunidades indígenas interessadas. Fica mantida a determinação de realização do EIA e do laudo antropológico, objeto da alínea 'c' do dispositivo do voto- condutor." (fl. 826)

Foram deferidos os ingressos da ELETROBRÁS - Centrais Elétricas Brasileiras na condição de litisconsorte passivo (fls. 253) e da União, na condição de assistente simples da ELETRONORTE (fls. 700).

Foi proferida sentença às fls. 739/801, na qual o Juízo a quo julgou improcedente o pedido. Transcrevo:

"(...) julgo improcedente os pedidos autorais, de forma que fica retirado, doravante, qualquer óbice judicial à prática dos procedimentos a serem empreendidos pela União pela ELETROBRÁS, pela ELETRONORTE e especialmente, pelo IBAMA, este na condução do licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, inclusive a realização de estudos, consultas públicas, audiências públicas, enfim, tudo que seja necessário a possibilitar a conclusão final da autarquia ambiental quanto ao licenciamento, ou não, da obra, ficando assegurado o pleno exercício do seu poder de polícia, com integral e estrita observância do Decreto Legislativo nº 788/2005, do Congresso Nacional, em cujo ato normativo não vislumbro qualquer mácula de inconstitucionalidade."(fl. 801)

O Ministério Público Federal interpôs apelação (fls. 832/884), sustentando, em síntese:

a) que a decisão sinaliza uma verdadeira antecipação da solução de eventual questionamento do processo de licenciamento;

b) foram incorporadas as metas de desenvolvimento governamental como dogmas;

c) o Decreto Legislativo nº 788/2005 é inconstitucional por desrespeitar os artigos 170, VI e art. 231, § 3º, da Constituição e por haver sido modificado no Senado sem retorno para apreciação pela Câmara dos Deputados;

d) ausência de lei complementar que disponha sobre a forma de exploração dos recursos hídricos em área indígena;

e) o Congresso Nacional não poderia delegar a oitiva das comunidades envolvidas, para os fins do art. 231, § 3º da CF/88;

f) os impactos a serem experimentados pelas populações indígenas residentes ao longo do Rio Xingu serão imensos (inviabilidade de locomoção, diminuição e provável extinção dos peixes, proliferação de doenças);

f) a celeridade pretendida pela ELETROBRÁS divorcia-se de qualquer preocupação ambiental.

Ressalta que "o ponto nodal aqui é saber se a consulta às comunidades afetadas é atribuição do Congresso Nacional, ou se poderia ser delegado por este ao empreendedor da obra, ou seja, ao Poder Executivo." (fl. 865) para concluir que "(...) o Decreto Legislativo nº 788/2005 feriu a Constituição da República (§ 3º, do art. 231) ao não consultar as comunidades afetadas antes de sua promulgação e delegar a sua oitiva ao Poder Executivo." (fl. 870).

Pede, ao fim, a reforma da sentença impugnada.

Contrarrazões da ELETRONORTE (fls. 971/992), alegando em síntese, que não é razoável a interpretação do art. 231, § 3º, da Constituição, porque o momento oportuno para a oitiva das comunidades indígenas afetadas não seria antes da autorização do Congresso Nacional.

Admite que a obra certamente apresentará impacto ambiental, mas que este só poderá ser aquilatado após a realização do EIA/RIMA.

Acrescenta que a modificação inserida no texto do Decreto Legislativo 788/2005 constitui simples "emenda de redação" e afirma que a exigência de lei complementar para as hipóteses previstas no art. 231, § 6º da CF não se estende ao aproveitamento dos recursos hídricos.

As contrarrazões da ELETROBRÁS (fls. 994/1.028) sustentam, em síntese, que o próprio IBAMA defende em sua contestação que população tem direito a um meio ambiente sustentável e que o direito ao desenvolvimento determina um dever estatal, destinado a oferecer melhores condições estruturais, aptas a elevar as oportunidades sociais dos indivíduos.

Afirma que o DL 788/2005 não padece de vício no seu procedimento legislativo e que a magnitude e abrangência dos impactos sobre as comunidades indígenas feita pelo MPF não passa de exercício de futurologia, uma vez que os estudos ambientais ainda estão em curso.

Contrarrazões do IBAMA (fls. 1.040/1.073), invocando o direito ao desenvolvimento como direito humano. Sustenta não ser razoável se realizaram consultas às comunidades indígenas sem possuir os necessários dados técnicos, isentos e oficiais.

Afirma que o pedido do Ministério Público Federal implica em violação do princípio da separação de Poderes, pois não pode o Poder Judiciário determinar à autoridade administrativa que se abstenha de exercer seu regular poder de polícia.

Defende a realização dos estudos de impacto ambiental e das audiências públicas invocando o direito à informação.

Contrarrazões da União (fls. 1.078/1.085), sustentando que o momento da oitiva das comunidades indígenas é posterior à realização dos estudos antropológicos e de impacto ambiental e aderindo aos argumentos da ELETRONORTE e da ELETROBRÁS.

Parecer do Ministério Público Federal, fls. 1.090/1.103, pugnando pelo provimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desembargadora Federal SELENE ALMEIDA (Relatora):

Para o melhor deslinde da controvérsia, cumpre tecer o histórico e o desenrolar dos fatos relativos ao empreendimento que objeto da presente lide:[1]

O empreendimento

Belo Monte é uma usina hidrelétrica previsto para ser implementado em um trecho de 100 (cem) quilômetros no Rio Xingu, no Estado do Pará. Sua potência instalada será de 11.233 MW, o que fará dela a maior usina hidrelétrica inteiramente brasileira, visto que a usina hidrelétrica de Itaipu está localizada na fronteira entre Brasil e Paraguai.

De acordo com o sítio governamental Agência Brasil, Belo Monte será a única usina hidrelétrica do Rio Xingu. O lago da usina terá uma área de 516 km² e a usina terá três casas de força.

A previsão é que, quando concluída, a usina será a terceira maior hidrelétrica do mundo, atrás apenas da chinesa Três Gargantas e da binacional Itaipu, com 11,2 mil MW de potência instalada. Seu custo é estimado hoje em R$ 19 bilhões. A energia assegurada pela usina terá a capacidade de abastecimento de uma região de 26 milhões de habitantes, com perfil de consumo...

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