Decisão Monocrática nº 5007414-58.2013.404.0000 de Tribunal Regional Federal da 4a Região, Quarta Turma, 15 de Abril de 2013
Data | 15 Abril 2013 |
Número do processo | 5007414-58.2013.404.0000 |
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN, contra decisão que, em Ação Ordinária, deferiu o pedido de antecipação da tutela que visa ao pagamento de indenização.
A agravante sustenta:
A plausibilidade, em sede de cognição sumária, da tese de prescrição aquisitiva pela usucapião.
Deve haver prevalência do abastecimento humano sobre a produção de energia.
Legalidade da outorga da ANEEL, bem como do direito de uso dos recursos hídricos.
Assim requer:
A sustação do pedido de indenização ou, alternativamente, a determinação à CERT para prestar caução idônea.
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, verifico tratar-se de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, não devendo o presente recurso ser convertido em agravo retido, conforme a alteração promovida no art. 527, inc. II, do CPC pela Lei n.º 11.187, de 19 de outubro de 2005, e sim processado como agravo de instrumento, consoante a exceção prevista no mesmo dispositivo legal.
É que, embora a regra atualmente seja o agravo retido nos autos, são ressalvadas as hipóteses de decisões que possam causar à parte lesão grave e de difícil reparação, caso em que será admitida a interposição do agravo por instrumento.
No caso concreto é manifesta a possibilidade de a postergação da decisão causar lesão grave e de difícil reparação à parte.
Admito, assim, o processamento do agravo via instrumento.
Consta da decisão agravada:
I - Síntese do Pedido
As CENTRAIS ELÉTRICAS RIO TIGRE S.A. (doravante 'a CERT') ajuizaram ação indenizatória c/c condenatória ao cumprimento de obrigação de fazer contra a COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO (CASAN), objetivando provimento jurisdicional que obrigue a ré a pagar indenização por 'toda a perda financeira oriunda do uso do reservatório, nos termos sugeridos nesta exordial ou outro entendido como adequado por este juízo, desde o início da vigência da liminar e até seu cabal termo final'.
Como fundamentos jurídicos (causas de pedir), a CERT sustentou que atua dentro da legalidade, de modo que a restrição de sua atividade econômica, por razões de interesse público, impõe o pagamento de justa indenização; que a CASAN não tem todas as licenças e autorizações previstas na legislação para a extração de água no Rio Tigre; que é dever da CASAN o de fazer os investimentos necessários à adequada prestação do serviço público, os quais foram feitos a menor nos últimos 20 (vinte) anos, pelo menos, prejudicando a CERT; que a provisoriedade da captação de água feita pela CASAN no Rio Tigre, em Guatambu/SC, existente em 1994, quando a Estação de Recalque de Água Bruta foi instalada na represa, acabou se transformando em definitividade, de forma indevida e abusiva, porque transcendeu os casos emergenciais de estiagem; que a captação de água de 200 litros/segundo no reservatório da PCH Rio Tigre foi permitida pela empresa antecessora (Primo Tedesco S.A.), pela CELESC e pelo Município, mas apenas para situações de emergência (estiagem), e não para situações ordinárias; que a captação, nos termos em que passou a ser feita, impõe o dever de indenizar; que desde 2000 a CASAN vem obtendo liminares junto à Justiça Estadual restringindo o funcionamento do órgão gerador de energia elétrica, sem pagar qualquer indenização; que em 31.08.2000 a CASAN reconheceu o direito à indenização e fez um pagamento de R$ 30.500,00 a título de 'ressarcimento por perda de produção pela utilização de água do reservatório', embora não tenha firmado acordo escrito a respeito; que junto ao Ministério Público Estadual, em 06.08.2002, foi 'assinado' acordo de pagamento de indenização pela diminuição da produção de energia elétrica gerada pela usina; que a responsabilidade da CASAN é de natureza objetiva.
Em audiência de conciliação realizada no dia 22.02.2013 nos autos da ação conexa n. 5007344-03.2012.404.7202, a CERT requereu, diante da tentativa infrutífera de acordo, o deferimento de liminar. Transcrevo cópia de trechos da ata de audiência:
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A CERT informa em audiência que não tem condições financeiras de suportar o período de seis meses, dentro do qual a CASAN irá instalar a bomba de captação às suas expensas, e que consiste no prazo estimado de duração da fase de instrução, razão pela qual pede a apreciação de seu pedido de antecipação de tutela, tendo como objeto a imposição de obrigação de pagamento mensal, pela CASAN, do prejuízo gerado pela captação de água no Rio Tigre, ou indenização in natura, paga em energia elétrica (megawatt/hora de energia impedida de ter sido gerada pela PCH, em razão da extração de água pela CASAN).
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O MPF opina pelo indeferimento da liminar.
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Sobre a liminar pleiteada, a CASAN pede seu indeferimento com os seguintes argumentos: 'Trata-se de requerimento já realizado em tempo pretérito e negado nos autos, que se confunde com o ponto central de mérito, considerando, ainda, que como explanado em audiência, a vazão utilizada pela CASAN é irrisória quando comparada com a vazão utilizada pela CERT e, sem o trato técnico pericial adequado, a CASAN estaria arcando com os ônus da estiagem que, ao que parece, a CERT, segundo as suas alegações, é a única não afetada, em alegação dissonante daquilo que é conhecimento público. Acrescenta ainda que não há qualquer risco à parte solicitante da liminar, uma vez que a CASAN possui lastro patrimonial suficiente para cobrir eventuais passivos caso de procedência dos pedidos indenizatórios. Salienta-se que, inobstante as razões de mérito que conduziriam à posição contrária, a CASAN como mostra do interesse na resolução da questão, em boa-fé processual, se propõe nesse ato e a suas expensas a instaurar, no prazo máximo de seis meses, uma bomba flutuante ou submersa que permitirá ainda mais o uso maximizado do reservatório, tratando-se de uma obra de altíssimo custo.'
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A CASAN deixa registrado que entende que a sua petição inicial abrange, na causa de pedir, o direito ao uso compartilhado do reservatório, em períodos de estiagem ou não, o que abrangeria a necessidade de uso para consumo humano fundado, também, na qualidade da água a ser entregue ao munícipes. A CERT deixa consignado que a questão da qualidade da água transcende a causa de pedir e constitui matéria extra petita.
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Pede a CASAN fique consignado que 'não obstante a qualidade da água seja um fator crucial, a utilização atual da água se dá também e de forma ainda mais importante em decorrência da necessidade de vazão, uma vez que já capta o máximo possível do São José.'
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Concluam-se os autos em gabinete para a análise da liminar.
Nos autos n. 5007344-03.2012.404.7202, indeferi o pedido de revogação da liminar que obriga a CERT a manter um nível mínimo no reservatório, para garantia do regular abastecimento de água da cidade de Chapecó. Nestes autos, passo a apreciar o pedido subsidiário, de que, sendo mantida - como foi - a liminar, seja a CASAN obrigada ao 'pagamento mensal [...] do prejuízo gerado pela captação de água no Rio Tigre, ou indenização in natura, paga em energia elétrica (megawatt/hora de energia impedida de ter sido gerada pela PCH, em razão da extração de água pela CASAN).'
Decido.
II - Fundamentação
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Considerações Iniciais
Inicialmente, registro que há inúmeros pontos controvertidos, tratando-se de matéria de relativa complexidade. Em tais situações, procuro conduzir a fase de instrução com a máxima celeridade possível, apreciando a matéria de fundo apenas em sentença, de modo a evitar a prolação de decisões num contexto de incerteza, próprio desta fase processual, anterior ao desenrolar da fase de instrução probatória.
Entretanto, tal procedimento não é, no caso concreto, suficiente para a proteção do alegado direito material. Tem razão a CERT ao requerer a apreciação imediata de seu pedido de liminar, porque a situação realmente é urgente. Quanto a este ponto (periculum in mora), provavelmente sequer exista controvérsia entre as partes: a própria CASAN está atuando no sentido de tentar minimizar, no curto prazo, os prejuízos que estão sendo causados à CERT, ou pelo menos afirma que assim está procedendo (v. instalação de nova bomba de captação).
Em situações como esta - de urgência evidente -, o jurisdicionado tem direito subjetivo de ver serem apreciados pelo Juiz natural da sua causa, de forma concreta, fundamentada e atenta, todos os pontos controvertidos, ainda que num juízo de cognição sumária e considerada a escassez de elementos probatórios (própria do momento anterior ao início da fase instrutória), de modo a formar sua convicção e, caso constate a presença de uma pretensão verossimilhante, sujeita a perecimento pela existência de 'fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação' (CPC, art. 273, inciso I), a deferir a liminar protetora do direito material vislumbrado como provavelmente existente, pelo menos até o momento de prolação da sentença, quando uma nova valoração do conjunto probatório poderá ser realizada, lembrando-se que o deferimento da liminar não exige um juízo de certeza absoluta, trabalhando-se, isto sim, com juízos de verossimilhança preponderante.
Sobre o julgamento com base em juízos de verossimilhança - e não de certeza -, cite-se manifestação da doutrina processual civil:
Ademais, quando se pensa em verossimilhança ou probabilidade, nesses casos não se está olhando para a busca da verdade, ou para a sua essência em termos filosóficos, mas para a convicção que o juiz pode formar diante da limitação da produção de provas. [...]
Trata-se, portanto, de expressas autorizações para o juiz decidir com base em uma convicção de probabilidade ou verossimilhança. [...]
Na tutela antecipatória, a convicção de verossimilhança é efeito da autorização da lei processual, ao passo que, na sentença, a redução do módulo da prova é o fruto da impossibilidade de o juiz chegar, diante do caso concreto, a um juízo de verdade, e de o direito material recomendá-la.
(MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART,...
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