Acórdão nº 2005/0190667-0 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistro LUIZ FUX (1122)
EmissorT1 - PRIMEIRA TURMA
Tipo de RecursoRecurso Especial

RECURSO ESPECIAL Nº 798.165 - ES (2005/0190667-0)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : UNIÃO
RECORRIDO : M.V.A. E OUTRO
ADVOGADO : SUELI DE PAULA FRANÇA E OUTRO

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. IMÓVEIS SITUADOS EM TERRENO DE MARINHA E TÍTULO EXPEDIDO PELO RGI NO SENTIDO DE SEREM OS RECORRENTES POSSUIDORES DO DOMÍNIO PLENO. IRREFUTÁVEL DIREITO DE PROPRIEDADE DA UNIÃO. ESTRITA OBSERVÂNCIA QUANTO AO PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM EM FAVOR DA UNIÃO.

  1. Os terrenos de marinha são bens públicos e pertencem à União.

  2. Consectariamente, algumas premissas devem ser assentadas a saber:

    1. Os terrenos de marinha, cuja origem que remonta à época do Brasil-Colônia, são bens públicos dominicais de propriedade da União e estão previstos no Decreto-lei 9.760/46.

    2. O procedimento de demarcação dos terrenos de marinha produz efeito meramente declaratório da propriedade da União sobre as áreas demarcadas.

    3. O direito de propriedade, à Luz tanto do Código Civil Brasileiro de 1916 quanto do novo Código de 2002, adotou o sistema da presunção relativa (juris tantum) relativamente ao domínio, admitindo prova em contrário.

    4. Não tem validade qualquer título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha ou acrescido.

    5. Desnecessidade de ajuizamento de ação própria, pela União, para a anulação dos registros de propriedade dos ocupantes de terrenos de marinha, em razão de o procedimento administrativo de demarcação gozar dos atributos comuns a todos os atos administrativos: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.

    6. Infirmação da presunção de legitimidade do ato administrativo incumbe ao ocupante que tem o ônus da prova de que o imóvel não se situa em área de terreno de marinha.

    7. Legitimidade da cobrança de taxa de ocupação pela União mesmo em relação aos ocupantes sem título por ela outorgado.

    8. Ausência de fumus boni juris.

  3. Sob esse enfoque, o título particular é inoponível quanto à UNIÃO nas hipóteses em que os imóveis situam-se em terrenos de marinha, revelando o domínio público quanto aos mesmos.

  4. A Doutrina do tema não discrepa da jurisprudência da Corte ao sustentar que :

    Os TERRENOS DE MARINHA são BENS DA UNIÃO, de forma ORIGINÁRIA. Significando dizer que a faixa dos TERRENOS DE MARINHA nunca esteve na propriedade de terceiros, pois, desde a criação da União ditos TERRENOS, já eram de sua propriedade, independentemente de estarem ou não demarcados.

    A existência dos TERRENOS DE MARINHA, antes mesmo da Demarcação, decorre da ficção jurídica resultante da lei que os criou. Embora sem definição corpórea , no plano abstrato, os TERRENOS DE MARINHA existem desde a criação do estado Brasileiro, uma vez que eles nasceram legalmente no Brasil-Colônia e foram incorporados pelo Brasil-Império. (in Revista de Estudos Jurídicos, Terrenos de Marinha, Eliseu Lemos Padilha, Vol. 20, pág. 38)

    Os terrenos de marinha são bens públicos, pertencentes à União, a teor da redação incontroversa do inciso VII do artigo 20 da Constituição Federal. E isso não é novidade alguma, dado que os terrenos de marinha são considerados bens públicos desde o período colonial, conforme retrata a Ordem Régia de 4 de dezembro de 1710, cujo teor desta última apregoava "que as sesmarias nunca deveriam compreender a marinha que sempre deve estar desimpedida para qualquer incidente do meu serviço, e de defensa da terra."

    Vê-se, desde períodos remotos da história nacional, que os terrenos de marinha sempre foram relacionados à defesa do território. A intenção era deixar desimpedida a faixa de terra próxima da costa, para nela realizar movimentos militares, instalar equipamentos de guerra, etc. Por essa razão, em princípio, é que os terrenos de marinha são bens públicos e, ademais, pertencentes à União, na medida em que é dela a competência para promover a defesa nacional (inciso III do artigo 21 da Constituição Federal). (in Direito Público, Estudos em Homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari, Terrenos de Marinha: aspectos destacados, J. deM.N., Ed. Delrey, pág. 354)

    O Direito da União aos terrenos de marinha decorre, não só implicitamente, das disposições constitucionais vigentes, por motivos que interessam à defesa nacional, à vigilância da costa, à construção e exploração dos portos, mas ainda de princípios imemoriais que só poderiam ser revogados por cláusula expressa da própria Constituição. (in Tratado de Direito Administrativo, Themistocles Brandão Cavalcanti, Ed Livraria Freitas Bastos, 2ª Edição; pág. 110)

  5. Deveras, a demarcação goza de todos os atributos inerentes aos atos administrativos, quais seja, presunção de legitimidade, exibilidade e imperatividade.

  6. Consectariamente, é lícito à UNIÃO, na qualidade de Administração Pública, efetuar o lançamento das cobranças impugnadas, sem que haja necessidade de se valer das vias judiciais, porquanto atua com presunção juris tantum de legitimidade, fato jurídico que inverte o ônus de demandar, imputando-o ao recorrido. Precedentes: REsp 624.746 - RS, Relatora Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJ de 30 de outubro de 2005 e REsp 409.303 - RS, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, DJ de 14 de outubro de 2002.

  7. Consectariamente, incidiu em error in judicando o aresto a quo ao concluir que “não pode o poder público, apenas através de procedimento administrativo demarcatório, considerar que o imóvel regularmente registrado como alodial, e há muito negociado como livre e desembargado, seja imediatamente havido como terreno de marinha, com a cobrança da chamada "taxa de ocupação".

  8. Recurso especial provido.

    ACÓRDÃO
    Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.
    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro José Delgado.
    Brasília (DF), 19 de abril de 2007(Data do Julgamento)
    MINISTRO LUIZ FUX
    Relator
    RECURSO ESPECIAL Nº 798.165 - ES (2005/0190667-0)
    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pela UNIÃO, com fulcro no art. 105, III, "a", do permissivo constitucional, em face do r. acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

    Noticiam os autos que a M.V.A. E OUTRO impetraram mandado de segurança contra ato do GERENTE REGIONAL DA SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO DO ESPÍRITO SANTO, por meio do qual se insurgiram contra a inscrição de seu imóvel como 'terreno de marinha', bem assim anular o ato administrativo de cobrança da taxa de ocupação levada a efeito pela autoridade impetrada.

    Requereram, portanto, o reconhecimento da propriedade plena, oponível com eficácia erga omnes, em especial à UNIÃO, e a suspensão dos atos administrativos impugnados, quais sejam, os lançamentos e as cobranças da taxa de ocupação.

    O requerimento para concessão de medida liminar foi deferido à fl. 54, determinando a suspensão do ato administrativo atacado.

    Informações prestadas pela SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO - GERÊNCIA REGIONAL DO ESPÍRITO SANTO às fls. 68/72, aduzindo o seguinte: (i) a impropriedade da via eleita pelos recorrentes, por ausência de comprovação do direito líquido e certo...

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