Acórdão nº 1.0611.11.001967-0/001 de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 4 de Julio de 2013

Magistrado ResponsávelJudimar Biber
Data da Resolução 4 de Julio de 2013
Tipo de RecursoApelação Cível

EMENTA: APELAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL - COPASA - SERVIÇO PÚBLICO - OMISSÃO - FISCALIZAÇÃO EM RESERVATÓRIO DE ÁGUA - CADÁVER ENCONTRADO - DANO MORAL - INDENIZAÇÃO CONCEDIDA. Não obstante possa a qualidade da água ser atestada por meio de medições realizadas logo após o incidente por parte da ré, o fato de ter sido armazenada e, posteriormente, fornecida, valendo-se de reservatório no qual, por meses, conteve um corpo humano em estado de putrefação é suficiente para lesar a integridade dos consumidores, de modo a ensejar o sustentado dano moral, em sua dimensão psíquica, que sustenta a dignidade da pessoa humana.

v.v.: A responsabilidade civil da concessionária de serviço público pela descoberta de cadáver em reservatório de água tratada não pode ser extraída do Código de Defesa do Consumidor, ou se basear na responsabilidade objetiva do Estado, diante da ausência de uma ação específica de servidor público demonstrada que fosse capaz de gerar os pressupostos para a teoria do risco integral, de modo que o fato sustenta a análise da responsabilidade pela falta do serviço, cujo conteúdo exigiria bem mais do que a só descoberta do cadáver em decomposição, mas de que as condições da omissão fossem efetivamente previsíveis, não tendo, a concessionária de serviços públicos, tomado os cuidados objetivos para evitar o suposto dano, já que a prova seria no sentido de que a água fornecida durante o período estaria adequada ao consumo humano pelos registros de qualidade diuturnos, além de haver prova da dificuldade de acesso ao reservatório, de modo que não houve omissão consistente com a previsibilidade e até mesmo qualquer tipo de reclamação acerca da qualidade da água distribuída, o que afasta a responsabilidade civil. Não provido.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0611.11.001967-0/001 - COMARCA DE SÃO FRANCISCO - APELANTE(S): GLEIDSON APARECIDO PEREIRA DE JESUS, ROSANE RODRIGUES DA SILVA PEREIRA E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): COPASA COMPANHIA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento, vencido o Relator.

DES. JUDIMAR BIBER

RELATOR.

DES. JUDIMAR BIBER (RELATOR)

V O T O

Trata-se de recurso de apelação cível aviado por Rosane Rodrigues da Silva Pereira e outro, em face da sentença de fls. 215/229, que julgou improcedente o pedido de pagamento de indenização por danos morais, em face de ter sido encontrado dentro do principal reservatório de água da Copasa, um cadáver em decomposição.

Em suas razões de recurso (fls. 230/251), os autores repisam suas alegações iniciais, pugnando pela procedência do recurso e alega que, ao contrário das ponderações contidas na sentença, a água foi sim contaminada, não por doenças, mas pelo só fato da presença do mesmo dentro do principal reservatório que abastecia a cidade de São Francisco, tecendo uma longa consideração sobre a análise equivocada das provas, bem como sobre o sentimento de comoção e de humilhação dos moradores da cidade.

O recurso foi devidamente contra-arrazoado às fls. 254/261.

Desnecessária a intervenção da douta Procuradoria Geral de Justiça.

É o relatório.

Passo ao voto.

Conheço do recurso, porquanto presentes os requisitos de sua admissibilidade.

Trata-se de ação em que se busca indenização por danos morais em decorrência da má prestação de serviço público de fornecimento de água aviado contra concessionária de serviço público, em decorrência de se ter encontrado, um cadáver humano dentro do principal reservatório de água tratada, evidenciando distribuição de água contaminada à população da cidade de São Francisco.

Em primeiro lugar, as hipóteses de responsabilidade objetiva decorrentes do Código de Defesa do Consumidor, não abarcam ações ou omissões que não estejam direta ou indiretamente ligadas ao fornecedor dos serviços, de modo que a pretensa aplicação da responsabilidade objetiva no caso dos autos, não seria caminho viável, já que o fato de terceiro se afogar em águas já purificadas, suscitaria tão somente responsabilidade por omissão que é conhecida como responsabilidade pela falta do serviço.

Isso porque não haveria, no caso dos autos, como se impor a um ou mais servidores públicos, o próprio ato omissivo declinado como pressuposto da responsabilidade, mas tão somente declinar que o suposto dano noticiado decorreu da suposta omissão da Administração pública em manter vigília sobre os seus próprios reservatórios de água pronta para a distribuição e do dano decorrente da utilização de tais águas por parte dos administrados, o que, sem sombra de dúvida se amolda à responsabilidade pela falta do serviço público, afastando, por conseguinte, a responsabilidade objetiva do Estado, aqui considerado todos os entes da federação e próprias prestadoras do serviço público falho.

Sobre o tema especificamente, já tive oportunidade de produzir um pequeno estudo sobre os aspectos que envolveriam a responsabilidade que intitulei de Primeiras Linhas sobre a Responsabilidade Civil pela Falta do Serviço - A Omissão Administrativa nos Serviços Públicos, cujo conteúdo, transcrevo:

Historicamente já passamos por diversas fases no reconhecimento da responsabilidade civil do Estado, merecendo destaque a visão do Ministro José Augusto Delgado do Superior Tribunal de Justiça, que sintetizou a questão, em magnífico artigo, assim discorrendo:

"Inicialmente, a teoria da responsabilidade por culpa administrativa dominava a matéria. Consistia em que só havia responsabilidade do Poder Público quando ficasse provado que os seus órgãos ou representantes agissem culposamente, por ação ou omissão, ofendendo terceiros. Esta teoria era chamada, também, de subjetiva, uma vez que era baseada no elemento humano".

"A seguir, sucedeu-lhe a teoria do acidente administrativo. Por ela, o agente público deixou de ser julgado, passando a sê-lo o serviço. Os franceses contribuíram fortemente para a sua construção, sob o fundamento da `faute du service publique' (LOUIS ROLLAND, Précis de Droit Administratif, 6ª ed., 1937, pág. 312). Constata-se que ela marca originalmente o princípio geral da perfeição e da continuidade do serviço público, erigindo essa qualidade como uma das obrigações do Estado. Em resumo, se o serviço é realizado e disso resultar dano para o administrado, está configurada a responsabilidade do Estado, independentemente da apuração da culpa e da distinção entre atos de império e atos de gestão".

"Essa teoria, considerada a primeira com caracteres objetivos, evoluiu para a teoria do risco ou teoria objetiva. Segundo sua pregação, o Estado é a síntese patrimonial de todos os contribuintes, pelo que deve resguardar a absoluta igualdade dos administrados diante dos ônus e encargos públicos. Por a atividade pública possibilitar danos ao administrado, cria para este um Estado de desigualdade quando a ação estatal produzir lesão e de modo concreto atingir o patrimônio ou o direito do particular. Inspirado, portanto, no risco e na solidariedade social, essa teoria aponta a responsabilidade do Estado por atos de omissões prejudiciais de seus agentes, ou por fatos ocorridos em conseqüência de o administrado demonstrar a culpa da Administração."

"É de ser registrado, por último, que a corrente objetiva evolui para prestigiar a denominada teoria do risco integral. Por esta, havendo dano ao particular, e presente o nexo causal (Estado - omissão ou ação do agente - dano ao administrado), haverá responsabilidade, sem campo para a indagação a respeito da ausência de culpa da Administração ou mesmo culpa concorrente" (Responsabilidade do Estado- Responsabilidade Civil do Estado ou Responsabilidade da Administração, Revista Jurídica nº 226 - AGO/96, pág. 5).

Inquestionável a adoção no Brasil da teoria do risco integral a orientar a responsabilidade civil do Estado, por força do art. 37, § 6º, da Constituição Federal e suas conseqüências práticas para a labuta diária do operador do direito é demarcada pelo mestre Hely Lopes Meirelles:

"O exame do dispositivo releva que a constituinte estabeleceu para todas as atividades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiro por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados..." (In, Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, 17ª ed., p. 558).

E remata:

"Para obter a indenização basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano, bem como o seu montante. Comprovados estes dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se desta obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o quantum da indenização" (ob. cit. p. 563).

Da visão doutrinária da responsabilidade do Estado por danos decorrentes da ação ou omissão de seus agentes não há discrepância, tanto que o próprio Supremo Tribunal Federal já se pronunciou mais de uma vez sobre a relevante questão, sob a roupagem de diversas hipóteses.

A conclusão tanto doutrinária quanto a construção pretoriana não deixa dúvida de que na hipótese de ação ou omissão do agente público, para que haja possibilidade de se obter indenização por danos causados, deverá o lesado demonstrar tão somente a existência dos três elementos indispensáveis à subsunção do fato à norma constitucional, não havendo, em qualquer hipótese, a necessidade de se perquirir sobre a culpa ou não do agente na eclosão do evento danoso.

Sinteticamente deverá o lesado demonstrar: a) a ação ou omissão administrativa do agente; b) o dano; b)...

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