Acórdão nº 1.0273.11.000535-5/001 de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 30 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelArmando Freire
Data da Resolução30 de Abril de 2013
Tipo de RecursoApelação Cível

EMENTA:

O Poder Judiciário, no citado âmbito da sua missão constitucional, pode impor ao Poder Executivo o cumprimento de medida que garanta o direito constitucional à integridade física e psíquica do preso, e ainda o princípio fundamental da dignidade humana.

Verificada a situação precária de funcionamento e segurança do estabelecimento prisional, que compromete a integridade física e psíquica dos detentos, além de colocar em risco os servidores públicos e a população em geral, acertada a decisão que interditou a cadeia pública e determinou a remoção dos presos. A determinação de transferência dos presos para outros estabelecimento penais nada mais é que a efetivação da medida de interdição.

Por outro lado, em sede de ação civil pública, não se poderia acolher a pretensão autora, determinando o Poder Judiciário ao Administrador Público estadual "construção de um novo prédio da Cadeia Pública de Galiléia em local adequado e fora da cidade", sob pena de ingerência indevida da função administrativa, em flagrante ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes.>

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0273.11.000535-5/001 - COMARCA DE GALILÉIA - APELANTE(S): ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em .

DES. ARMANDO FREIRE

RELATOR.

DES. ARMANDO FREIRE (RELATOR)

V O T O

O MM. Juiz de Direito da Comarca de Galiléia julgou procedente o pedido inicial, condenando o requerido:

"a) a manter interditado(sic)a cadeia pública de Galiléia, por total falta de condições de uso;

b) reconhecer a omissão do Estado e determinar que providencie o mais rápido possível a construção de um novo presídio, em obediência aos requisitos da Lei de Execução Penal e ao texto constitucional da dignidade da pessoa humana, devendo começar a providência de estudos em sessenta dias e iniciar as obras no próximo ano.

c) após construção do novo presídio, que sejam alocados servidores estatais em número compatível com a necessidade do sistema prisional."

Pelas razões recursais de f. 240/266, o ESTADO DE MINAS GERAIS requer o provimento de sua apelação, "para, reformando a sentença, extinguir o processo com relação à interdição e julgar improcedentes os pedidos remanescentes".

A apelação foi recebida |às f. 268, no efeito devolutivo.

Contrarrazões às f. 270/280.

A douta Procuradoria de Justiça, em r. parecer de f. 289/298-TJMG, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Conheço do recurso interposto, presentes os pressupostos de admissibilidade.

PRELIMINARES

Não prosperam as preliminares de ilegitimidade ativa e de impropriedade da via eleita, data venia.

Conforme disposto na Carta Magna, artigo 127, "o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

O artigo 129 estabelece as funções institucionais do Ministério Público, dentre as quais, zelar pelo efetivo respeito dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição. Por seu turno, o artigo 5º, em seu inciso XLIX, prevê "Que é assegurado ao preso o respeito à integridade física e moral."

Como visto, a integridade física e moral do preso é direito fundamental, subjetivo, inalienável e impostergável. E ainda, a Carta Federal habilita o Parquet a promover a proteção dos direitos individuais indisponíveis, desde que em compatibilidade com sua finalidade institucional (artigos 127 e 129).

Dentre esses direitos abarcados na legitimidade do Ministério Público encontra-se o direito à integridade física e moral do preso, previsto tanto na Constituição da República, como na Lei de Execução Penal. Trata-se de preceito de ordem pública que tem força impositiva a proteger o bem comum maior em questão.

Independente do nome dado ao pedido de providência, o Ministério Público tem competência para fiscalizar e requerer medidas relativas aos estabelecimentos penais, inclusive, deve visitar mensalmente os referidos estabelecimentos (art.68, § único, da LEP)

Outrossim, nos termos do disposto no artigo 66, VIII, da Lei 7.210/84, Lei de Execução Penal, compete ao Juiz da execução "interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei."

Nessa linha de raciocínio, colaciono julgado do colendo STJ:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL.(...)FISCALIZAÇÃO DAS INSTALAÇÕES DE CADEIA PÚBLICA. JUÍZO DA EXECUÇÃO.ART. 66, VII E VIII DA LEP. COMPETÊNCIA NÃO EXCLUSIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POSSIBILIDADE. TEMA NÃO ENFRENTADO NO RECURSO. SÚMULA 284/STF. 1. A competência de fiscalização dos estabelecimentos prisionais, atribuída aos juízes da execução, não exclui a possibilidade de atuação do Parquet. 2. Tema não enfrentado nas razões recursais, o que implica na incidência da súmula n° 284/STF.3. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no REsp 853.788/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe 06/09/2010)

Rejeito, portanto, as preliminares, anotando, quanto ao mais, frente ao contexto que ora se apresenta, que as alegações de que há "impropriedade" do pedido de interdição, de que há "impossibilidade de uso da ação civil pública", de que os interesses defendidos na presente ação são individuais (dos detentos recolhidos na cadeia pública), em sede de razões recursais, confunde-se, na verdade, com o mérito da presente ação civil pública, que ora passo a examinar e julgar.

MÉRITO

INTERDIÇÃO DA CADEIA PÚBLICA

Primeiro, entendo que deva ser mantida a condenação do réu/apelante "a manter interditado(sic) a cadeia pública de Galiléia, por total falta de condições de uso".

Registro, por oportuno, que, nos termos do disposto no artigo 66, da Lei de Execução Penal:

"Art. 66. Compete ao Juiz da execução:

(...)

VII - inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade;

VIII - interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei; (...)."

Procede, no caso, a interdição da Cadeia Pública de Galiléia.

De fato, analisando detidamente os autos, observa-se o estado precário em que se encontra a aludida cadeia pública, subordinada, institucionalmente, ao ESTADO DE MINAS GERAIS.

Conforme relatado nos autos, está instalada em prédio de mais de cinquenta anos, inicialmente projetado para abrigar o fórum da cidade. Em tal prédio, funcionam o Quartel da Polícia Militar e a Delegacia de Polícia Civil, sendo que esta conta com quatro policiais civis, um delegado de polícia e três investigadores. A guarda interna da cadeia é feita por cinco agentes de segurança, em escala de revezamento, ficando um agente carcerário trabalhando sozinho num período de vinte e quatro horas e desprovido de arma, algema e outros recursos, sem qualquer condição de segurança.

Pelo visto, o prédio em que funcionam as guarnições está em ruínas, conforme se constata pelas vistorias realizadas nos autos do ICP n° 0273.11.000006-7. E, além da falta de infraestrutura, comprometida pela ação do tempo, do vandalismo dos detentos e da localização inadequada, o prédio tem problemas como a insalubridade, devido à falta de ventilação.

Foi registrado, ainda, que, nos meses de março, setembro e outubro de 2010, ocorreram quatro fugas, totalizando oito detentos foragidos, dentre os quais os considerados mais perigosos, o que denota a fragilidade das instalações, além de colocar em risco os próprios servidores públicos e a população em geral.

Em fevereiro de 2011, um motim organizado pelos presos destruiu o imóvel e deixou-o sem condições de funcionamento.

Pelo visto, tal estado de precariedade, evidenciado pelo vasto acervo fotográfico, compromete a integridade física e psíquica dos detentos. Não possui condições mínimas de permanência dos detentos e segurança geral.

Enfim, concluo que, de fato, a referida cadeia pública não possui mínimas condições necessárias aos fins a que se destina, o que a torna imprestável para atender aos direitos e garantias fundamentais relativos à integridade física e moral dos presos, além de colocar em perigo toda a coletividade. Conforme dito pelo Magistrado a quo, as condições da cadeia pública representam "não só um desrespeito à dignidade da pessoa humana bem como um perigo para toda a coletividade, em especial da região onde se encontra a cadeia pública, que se vê amedrontada com a possibilidade de novas fugas, uma vez que já ocorreram quatro somente no ano de 2010 e um motim organizado pelos presos em fevereiro de 2011".

Não nego que tal interdição não significa que o problema estará resolvido. O ESTADO DE MINAS GERAIS argumenta, inclusive, que agravará a situação de internação acima da capacidade de estabelecimentos prisionais, pois acarretará a transferência de presos da cadeia de Galiléia para outros presídios que já estão superlotados. A situação, inegavelmente, é bem complexa e todos sabemos disso.

Não obstante, creio que tal percepção não deve servir de óbice ao cumprimento da decisão judicial quanto à interdição, que, por sinal, encontra-se devidamente fundamentada. A remoção dos presos para as cadeias das comarcas vizinhas, nada mais é do que a efetivação da interdição do estabelecimento penal. Sem que isto corresponda a afronta à cláusula da reserva do possível, ao princípio da separação dos Poderes ou às diretrizes orçamentárias, concluo, neste caso específico, como sendo dever do réu garantir aos detentos as mínimas condições de saúde física e psíquica para o cumprimentos de suas penas, transferindo-os para outros estabelecimentos penais.

Ainda quanto à interdição, entendo que o Poder...

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