Acórdão nº 1.0000.11.027006-3/000 de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 24 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelAlberto Deodato Neto
Data da Resolução24 de Abril de 2013
Tipo de RecursoAção Direta Inconst

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI QUE PREVÊ A RESERVA DE COTA PARA NEGROS EM CONCURSOS PÚBLICOS - OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E ISONOMIA - PREVISÃO QUE VAI DE ENCONTRO AOS ARTS. 4º, 5º, III E 165, §1º, DA CONSTITUIÇÃO MINEIRA - INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA - AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. - O sistema de cotas para negros em concursos públicos como atualmente concebido representa clara ofensa aos princípios constitucionais da isonomia e igualdade, sendo inapto a promover a igualdade material e desrespeitando o critério relativo ao mérito do candidato. - A previsão de simplesmente reservar determinado percentual de vagas para os negros em concursos públicos não reflete a real situação de desigualdade deste grupo, mostrando-se extremamente generalista.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 1.0000.11.027006-3/000 - COMARCA DE BETIM - REQUERENTE(S): PROCURADOR GERAL JUSTIÇA ESTADO MINAS GERAIS - REQUERIDO(A)(S): PREFEITO MUNICIPAL DO MUNICÍPIO DE BETIM, PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DO MUNICÍPIO DE BETIM - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALBERTO DEODATO NETO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda a ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador HERCULANO RODRIGUES , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO, POR MAIORIA.

Belo Horizonte, 24 de abril de 2013.

DES. ALBERTO DEODATO NETO - Relator

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12/09/2012

ÓRGÃO ESPECIAL

ADIADO

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

AÇÃO DIRETA INCONST Nº 1.0000.11.027006-3/000 - COMARCA DE BETIM - REQUERENTE(S): PROCURADOR-GERAL JUSTIÇA ESTADO MINAS GERAIS - REQUERIDO(A)(S): PREFEITO MUNICIPAL DO MUNICÍPIO DE BETIM, PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DO MUNICÍPIO DE BETIM - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALBERTO DEODATO NETO

O SR. DES. ALBERTO DEODATO NETO:

VOTO

Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, impugnando a validade da Lei 4.119, de 17 de janeiro de 2005, do Município de Betim.

O requerente alega violação aos arts. , 5º, III, e 165, §1º, da Constituição de Minas Gerais, e ao art. 5º da Constituição Federal.

Argumenta, em síntese, que a norma impugnada, ao prever a reserva de cotas para negros em concursos públicos, fere os princípios da igualdade e isonomia, consagrados nas Constituições Federal e do Estado, relevando-se discriminatória e não razoável (fls. 2/21).

Deferiu-se, ao primeiro exame, a medida cautelar pleiteada, fls. 61/63.

A Prefeitura de Betim prestou informações às fls. 85/94, aduzindo que a lei hostilizada consiste em ação afirmativa, que visa a viabilizar o direito de reconhecimento da diversidade, sucedâneo do direito fundamental à igualdade. Pugna, pois, pela improcedência da representação.

A Câmara Municipal, às fls. 97, informou que a Lei nº 4.119, de 17 de janeiro de 2005, originou-se do Projeto de Lei nº 191/04, de autoria do Vereador Eutair Antônio dos Santos. O projeto foi apreciado e aprovado por unanimidade em 1º e 2º turnos. Após a aprovação da redação final, em 21/12/2004, a proposição foi enviada ao Poder executivo municipal, tendo sido sancionada em 17/01/2005.

A d. Procuradoria-Geral de Justiça emitiu o parecer de fls. 109/129, opinando pela procedência da demanda.

É o relatório.

Decido.

A Lei 4.119, de 17 de janeiro de 2005, cuja constitucionalidade ora se verifica, dispõe sobre a reserva de vagas para negros em concursos públicos para provimento de cargos efetivos, determinando que:

"ficam reservadas aos negros, no mínimo, 15% (quinze por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos efetuados pelo Poder Público Municipal para provimento de cargos efetivos." (art. 1º).

O tema é um dos mais controvertidos na atualidade e envolve ampla discussão acerca da explicação histórica das desigualdades e preconceitos arraigados na sociedade brasileira, dos princípios da isonomia, dos direitos fundamentais e do conceito das tão faladas ações afirmativas.

Opto, aliás, por iniciar minha fundamentação abordando a origem histórica e a aplicação das políticas públicas de ação afirmativa.

A doutrina e a jurisprudência oferecem uma gama de definições sobre o termo, mas todas elas se formam a partir das ideias de política pública, intervenção estatal, inclusão social, temporariedade e igualdade material.

Concebidas pioneiramente pelo Direito dos Estados Unidos da América, as ações afirmativas consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, inculcando nos atores sociais a utilidade e a necessidade da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano. Constituem, por assim dizer, a mais eloqüente manifestação da moderna ideia de Estado promovente, atuante, eis que de sua concepção, implantação e delimitação jurídica participam todos os órgãos estatais essenciais, aí incluindo-se o Poder Judiciário, que ora se apresenta no seu tradicional papel de guardião da integridade do sistema jurídico como um todo, ora como instituição formuladora de políticas tendentes a corrigir as distorções provocadas pela discriminação. Construção intelectual destinada a viabilizar a harmonia e a paz social, as ações afirmativas, por óbvio, não prescindem da colaboração e da adesão das forças sociais ativas, o que equivale dizer que, para o seu sucesso, é indispensável a ampla conscientização da própria sociedade acerca da absoluta necessidade de se eliminar ou de se reduzir as desigualdades sociais que operam em detrimento das minorias. (GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade: O direito como instrumento de transformação social. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 6-7.).

Conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego (...). Em síntese, trata-se de políticas e mecanismos de inclusão concebidas por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido - o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito. (idem. p. 40-41).

Como cediço, Brasil e Estados Unidos têm em comum um passado colonial, sendo ambos países de dimensões continentais, que receberam imigrantes das mais variadas partes do mundo. As nações, portanto, geraram populações diversificadas, o que é percebido por simples análise dos traços políticos, culturais, étnicos e sociais caracterizadores das respectivas sociedades.

A pluralidade étnica alcançada nos dois países gerou também em comum nefasta consequência: o racismo, revelado atualmente pela desigualdade presente em ambas as nações, especialmente no que diz respeito à obtenção e ao exercício do poder político e individual.

Ocorre, todavia, que a introdução do negro nas sociedades brasileira e norte-americana se deu de forma diversa, sendo temerário simplesmente reproduzir o modelo de ações afirmativas lá adotado, sem que se considere as nossas peculiaridades, o que pode, ao invés de promover e materializar a igualdade, gerar um desajuste ainda mais grave na sociedade brasileira.

Os colonizadores brasileiros tiveram, desde suas origens, uma formação miscigenada, construída com os árabes, europeus e africanos. Assim, nas mais embrionárias e primitivas navegações, a cultura de mistura racial já estava presente nos seus modos de vida. Com o contato sexual entre brancos e índios e, com o início do tráfico negreiro, entre brancos e negros, os habitantes se miscigenaram ainda mais.

Ao contrário, na colonização das colônias norte-americanas pelos ingleses, o negro já foi introduzido de forma segregada, prestando-se apenas ao trabalho escravo, numa "segregação institucionalizada". Exemplo disso é a existência de sistemas de transporte e de educação distintos, situação que perdurou até o final do século XX.

Portanto, em consequência das diferenças do colonialismo praticado e das implicações que elas originaram na formação das sociedades brasileira e norte-americanas, o critério de discriminação adotado nos dois países também é diverso.

Lá, pratica-se o chamado preconceito de origem, de caráter genético; aqui, prevalece o preconceito de marca, de fenótipo, já que a discriminação se dá pela aparência, não pelas origens ancestrais.

Neste ponto, destaco um dos sérios problemas e deficiências apresentados pelo sistema de cotas: como distinguir, num país tão miscigenado como o nosso, quem é negro e quem não é? O que significa ser negro, no Brasil?

Qualquer lei deve ser enunciada em linguagem clara e consensual. Para grande parte dos brasileiros, o termo "negro" é sinônimo de "preto" no português coloquial. Entretanto, apenas 7% (sete por cento) da população se declaram preta, o que faz com que a reserva de 15% (quinze por cento) das vagas para negros, num concurso público, por exemplo, possa provocar grave violação da autonomia na determinação da identidade dos indivíduos, pois também é sabido que somente pequena parte dos pardos se identifica como negros...

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