Acórdão nº 1.0027.09.197029-6/003 de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 8 de Mayo de 2013

Magistrado ResponsávelJosé Marcos Vieira
Data da Resolução 8 de Mayo de 2013
Tipo de RecursoApelação Cível

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO INCIDÊNCIA DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. JUROS REMUNERATÓRIOS. PERCENTUAL DE 12% AO ANO PREVISTO NO CÓDIGO CIVIL E LEI DE USURA. NÃO INCIDÊNCIA. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. COMPETÊNCIA PARA LIMITAR AS TAXAS DE JUROS EM OPERAÇÕES E SERVIÇOS BANCÁRIOS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. POSSIBILIDADE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM OUTROS ENCARGOS. REVISÃO DA CLÁUSULA CONTRATUAL. REPETIÇÃO EM DOBRO. NÃO CABIMENTO. SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE.

1 - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos bancários.

2 - A competência para a limitação dos juros nas operações e serviços bancários é do Conselho Monetário Nacional, não incidindo, na espécie, obrigatoriamente, os percentuais previstos na Lei de Usura e no Código Civil.

3 - Não tendo sido evidenciada, nos autos, a exorbitância da taxa de juros aplicada, inexiste nulidade da cláusula que a estipula acima do limite de 12% ao ano.

4 - Na cédula de crédito bancário a capitalização de juros é permitida, ante a autorização legal contida no art. 28, §1º, inc. I, da Lei 10.931/04.

5 - A cobrança de comissão de permanência não é ilegal, mas é abusiva a sua cumulação com outros encargos como juros moratórios, correção monetária e multa.

6 - Para a repetição em dobro de parcelas eventualmente pagas a maior pelo devedor, imprescindível a má-fé por parte do credor. No caso em tela, em que cobrados valores expressamente previstos no contrato, resta descaracterizada a má-fé do credor, assegurada apenas a devolução simples.

7 - Recurso provido parcialmente.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0027.09.197029-6/003 - COMARCA DE BETIM - APELANTE(S): RAIDER FARIA QUINTÃO - APELADO(A)(S): BV FINANCEIRA S/A CRED FIN E INV

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO, EM PARTE, O VOGAL.

DES. JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA

RELATOR.

DES. JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA (RELATOR)

V O T O

Trata-se de Apelação Cível interposta da sentença de f. 234/245-TJ, que, nos autos da Ação Revisional cumulada com pedido de repetição de indébito e depósito de parcelas, ajuizada por Raider Faria Quintão em face de BV Financeira S.A., julgou improcedentes os pedidos iniciais.

Inconformado, o Autor interpôs Apelação às f. 248/272-TJ, defendendo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, in casu e, consequentemente, da possibilidade de revisão do contrato.

Sustenta a ilegalidade da cobrança de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano.

Alega ser vedada a capitalização dos juros, assim como a incidência da comissão de permanência cumulada com correção monetária, postulando a aplicação do INPC. Insurge-se contra a incidência de multa contratual.

Ad argumentadum, pugna pela aplicação da taxa Selic em substituição à taxa de juros remuneratórios prevista no contrato.

Por fim, pleiteia a repetição em dobro dos valores pagos indevidamente, na forma do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor.

Pugna pelo provimento do recurso.

Contrarrazões às f. 275/285-TJ.

É o relatório. Passo a decidir.

Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.

Para fins de análise da abusividade das cláusulas contratuais alegada pelo Apelante, deve ser verificada, inicialmente, a aplicabilidade ou não do Código de Defesa do Consumidor - CDC - aos contratos bancários, o que permitiria a revisão do contrato de adesão celebrado.

A meu ver, não há dúvida de que atividade bancária foi incluída no conceito de serviço para fins de incidência do Código do Consumidor, consoante determina o art. 3º, §2º, da Lei nº 8.078/90, "in verbis":

"Art. 3º - (...)

§2º - Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".

Sobre o tema, importante transcrever lição de Arnaldo Rizzardo, em sua obra "Contratos de Crédito Bancário, ed. RT, 6ª edição, pág. 23", que defende a incidência das regras do CDC ao contrato ora discutido:

"Não há dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, introduzido pela Lei 8.078, de 11.09.1990, aos contratos bancários. Como é bastante comum, as entidades financeiras, cuja mercadoria é a moeda, usam nas suas atividades negociais uma série de contratos, em geral de adesão, a eles aderindo aqueles que necessitam de crédito para suas atividades. Proliferam as cláusulas abusivas e leoninas, previamente estabelecidas, imodificáveis e indiscutíveis quando da assinatura dos contratos.

Nelson Nery Junior, quanto às operações de crédito, distingue quais revelam relação de consumo: 'Havendo outorga do dinheiro ou do crédito para que o devedor o utilize como destinatário final, há a relação de consumo que enseja a aplicação dos dispositivos do CDC. Caso o devedor tome dinheiro ou crédito emprestado do banco para repassá-lo, não será destinatário final, e portanto não há que se falar em relação de consumo. Como as regras normais de experiência nos dão conta de que a pessoa física que empresta dinheiro ou toma crédito do banco o faz para sua utilização pessoal, como destinatário final, existe aqui presunção hominis, juris tantum, de que se trata de relação de consumo. O ônus de provar o contrário, ou seja, que o dinheiro ou crédito tomado pela pessoa física não foi destinado ao uso final do devedor, é do banco, quer porque se trata de presunção a favor do mutuário ou creditado, quer porque poderá incidir o art. 6º, VIII, do CDC, com a inversão do ônus da prova a favor do consumidor".

Afastando qualquer dúvida sobre o assunto, o Colendo Superior Tribunal de Justiça exarou a Súmula nº 297:

"Súmula nº 297 - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

No entanto, o fato de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor ao contrato em questão não permite concluir-se, automaticamente, pela abusividade de suas cláusulas, que deve estar evidenciada nos autos, muito menos pela inversão do ônus da prova.

Pretende o Autor-apelante limitar a taxa de juros a 1% ao mês, impedir a capitalização de juros, a cobrança de comissão de permanência cumulada com correção monetária e, ad argumentandum, postula a substituição da taxa de juros remuneratórios pela Taxa Selic.

Passa-se à análise da matéria atinente à limitação dos juros nos contratos bancários.

- Limitação dos juros remuneratórios

Pelo que se vê da Cédula de Crédito Bancário firmada entre as partes (f. 203/204-TJ), o Apelante contratou um financiamento com o Apelado, a juros remuneratórios de 1,81% ao mês, 24,02% ao ano.

Importante diferenciar os juros remuneratórios dos moratórios. Os juros remuneratórios ou compensatórios são inerentes ao contrato de depósito bancário e visam dar rentabilidade ao valor depositado pelo poupador. Já os moratórios, são devidos em decorrência do atraso no cumprimento da prestação.

Aqui se discute a suposta exorbitância do percentual dos juros remuneratórios, fixados, repita-se, no percentual de 1,81% ao mês.

O Código Civil de 1916 previa, em seu art. 1.062:

"Art. 1.062 - A taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (Art. 1.262), será de 6% (seis por cento) ao ano".

Em 1933, por meio da chamada Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), ficou proibida a estipulação de taxa de juros superior ao dobro da legal, ou seja, acima de 12% ao ano, sendo válido transcrever seu art. 1º:

"Art. 1º - É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. 1062).

§3º - A taxa de juros deve ser estipulada em escritura pública ou escrito particular, e não o sendo, entender-se-á que as partes acordaram nos juros de 6% ao ano, a contar da data da propositura da respectiva ação ou do protesto cambial".

Com a criação do Sistema Monetário Nacional, a partir da Lei nº 4.595/64, estipulou-se que seria da competência do CMN a limitação das taxas de juros em operações efetuadas pelas instituições financeiras, consoante previsto no art. 4º, inciso IX. "in verbis":

"Art. 4º - Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:

IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover".

Destarte, a partir do advento da referida Lei nº 4.595/64, ficou convencionado que as instituições financeiras não estariam sob o alcance do Código Civil e da Lei de Usura. O legislador assim conceituou:

"Art. 17 - Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros".

Os bancos, portanto, por fazerem parte do Sistema Financeiro Nacional, subordinam-se à Lei nº 4.595/64, que conferiu ao Conselho Monetário Nacional a competência para a limitação das taxas de juros. Com isso, passou-se a entender que as instituições financeiras não estariam adstritas à limitação prevista no Código Civil ou na Lei de Usura, o que culminou na edição da Súmula nº 596, do Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:

"Súmula nº 596 - As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional".

Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, o art. 25 do ADCT determinou a revogação, a partir de 180 (cento e oitenta)...

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