Acórdão nº 1.0324.10.006286-2/001 de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 6 de Agosto de 2013

Magistrado ResponsávelBelizário de Lacerda
Data da Resolução 6 de Agosto de 2013
Tipo de RecursoApelação Cível

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - SEPARAÇÃO JUDICIAL - EC N.º 66/2010 - SUBSISTÊNCIA DO INSTITUTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO - RECURSO NÃO PROVIDO.

- A Emenda Constitucional nº66/10 apenas extirpou os requisitos temporais para a efetivação do Divórcio, não eliminando do ordenamento jurídico pátrio o instituto da Separação Judicial, que permanece como meio hábil para os cônjuges que por questões pessoais almejam romper a sociedade conjugal sem contudo dissolver o vínculo matrimonial.

- "Ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit."

Apelação Cível Nº 1.0324.10.006286-2/001 - COMARCA DE Itajubá - Apelante(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - Apelado(a)(s): V.C.P.F. - Interessado: F.D.F.

A C Ó R D Ã O

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, por maioria, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 06 de Agosto de 2013.

DES. BELIZÁRIO DE LACERDA

RELATOR.

DES. BELIZÁRIO DE LACERDA (RELATOR)

V O T O

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra a r. sentença de fls. 49/51, a qual nos termos do art. 1.572, §1º, do Código Civil, decretou a separação judicial do casal V.C.P.F. e F.D.F. e fixou alimentos a ser pago pelo varão à varoa em 30% do salário mínimo.

Em razões recursais de fls. 54/56 o Apelante pugna pelo conhecimento e provimento do apelo a fim de que seja reformada a sentença e extinto o processo sem resolução do mérito nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Aduz que em decorrência da Emenda Constitucional nº66/10 houve a supressão da separação judicial no ordenamento jurídico pátrio e que tendo em vista a manifestação contrária da parte autora em relação à conversão do pedido de separação em divórcio sua pretensão tornou-se juridicamente impossível com a nova redação do art. 226 da Constituição da República, razão pela qual deve o processo ser extinto pela impossibilidade jurídica do pedido.

Foram apresentadas contra-razões de fls. 58/67.

Concitada a se manifestar no feito a douta Procuradoria Geral de Justiça deixou de opinar pelas razões de fls. 73/75.

CONHEÇO DO RECURSO, posto que satisfeitos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Delimita-se a "vexata quaestio" em perquirir se com a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº66/10 ao art. 226, §6º da Constituição da República restou suprimido o instituto da separação judicial.

Como é cediço, a Emenda Constitucional n. 66/2010 eliminou do texto constitucional a exigência outrora disposta no § 6º do art. 226 de que para a dissolução do casamento pelo divórcio seria necessária a "prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos".

A nova redação do parágrafo limitou-se a estabelecer que: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio".

O recorrente, ancorando-se em abalizada doutrina, que inclusive encontra ressonância em majoritária jurisprudência, entende que a alteração constitucional acabou por extirpar a figura da separação judicial do ordenamento jurídico pátrio.

"Data maxima venia" ao recorrente e àqueles que compactuam do entendimento perfilado nas razões do apelo, tenho que a alteração da redação do art. 226, §6º da Constituição de República não eliminou a figura da separação judicial, que subsiste como meio de dissolução da sociedade conjugal.

É que a meu ver não se verifica qualquer incompatibilidade entre legislação ordinária atinente à separação judicial e a nova ordem constitucional.

Inicialmente, necessário estabelecer uma distinção entre os institutos da separação judicial e do divórcio.

Para tal intento valho-me das brilhantes palavras proferidas pelo eminente Min. Massami Uyeda por ocasião do julgamento do REsp 1129048 / SC, ocasião em que com a habitual sapiência assim vaticinou:

"Sobreleva notar, de plano, que o casamento faz surgir entre os cônjuges deveres reciprocamente considerados os quais decorrem da comunhão plena de vida, tanto no aspecto afetivo, como no físico e, no mais das vezes, na esfera patrimonial dos contraentes (a depender o regime de bens adotado).

Entretanto, se, por um lado, o casamento, como bem pondera Guilherme Calmon Nogueira da Gama, faz nascer uma família, a qual, na sua constância, gravitará em torno da programação e realização do projeto familiar, por outro, não se pode desconsiderar que a sociedade conjugal não é perpétua (Gama, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: Família. São Paulo: Atlas, 2008, p. 230). Ainda que o homem supere as dificuldades que da vida conjugal podem advir, não consegue se furtar à morte.

Na esteira desse raciocínio, no importante ao caso sub examine, bem de ver que o Código Civil prevê, como hipótese de desfazimento do vínculo matrimonial, o divórcio. A propósito do tema, confira-se a literalidade do artigo 1571, § 1º, da lei civil, in verbis: "O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente".

Portanto, é de rigor reconhecer-se que, antes do divórcio, o casamento é existente, ainda que tenha havido a separação judicial.

Destaque-se, ainda, que a separação judicial não põe termo ao casamento, mas apenas à sociedade conjugal, conforme previsão do artigo 1571, III, do Código Civil ("A sociedade conjugal termina: (...) III - pela separação judicial; (...)"). Em outras palavras, após a separação judicial, o vínculo do matrimônio segue existente, a despeito da dissolução da sociedade conjugal.

Da mera leitura do sobredito dispositivo legal já se pode inferir que a separação dos cônjuges não é o mesmo que o divórcio. De fato, trata-se de institutos jurídicos distintos e, nessa medida, produzem efeitos que não se confundem.

Não é por outra razão que o próprio Código Civil designa de "cônjuges" aqueles que são separados judicialmente, mas que não tenham se divorciado. A referência, no ponto, é ao artigo 1577 do Código Civil, que dispõe ser lícito, após a separação judicial,"aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo""1

Portanto, a separação judicial não tem o condão de dissolver o casamento propriamente dito, mas tão somente o de dissolver a sociedade conjugal.

Ainda neste sentido perlustra Maria Berenice Dias, "A separação judicial dissolve a sociedade conjugal, mas conserva íntegro o vínculo, impedindo os cônjuges de convolar novas núpcias, pois o vínculo matrimonial, se válido, só termina com a morte de um deles ou com o divórcio."2.

Assim, a sociedade conjugal pode deixar de existir, isto é, o casamento como manifestação real de vontade entre marido e mulher pode terminar, permanecendo, todavia, o vínculo, que deixa de existir tão somente com a morte ou com o divórcio. Apenas estas duas formas dissolvem o vínculo, autorizando novo casamento, o que não se dá com a separação judicial, a nulidade ou a anulação, que não constituem fatores de dissolução.

Seja anteriormente à alteração constitucional, seja posteriormente, o instituto jurídico competente para a dissolução do casamento sempre foi o divórcio.

Posto isto, verifica-se que a EC nº66/10 em nada afetou a separação judicial enquanto meio de dissolução da sociedade conjugal, sendo certo que a alteração constitucional tão somente a excluiu enquanto pré-requisito para o divórcio.

Embora tenha sido retirada da Separação Judicial a função de antecâmara para o divórcio, aquela, ao preservar o vínculo conjugal, mantém ínsita a possibilidade de efetivação de reconciliação no casal. Desta forma, o cônjuge, na dúvida, pode querer exercer o direito de não extinguir o vínculo, fazendo uso de uma medida menos abrangente, qual seja, a dissolução da sociedade conjugal pela separação, com a possibilidade adicional de reconciliação e refazimento da mesma sociedade sem as dificuldades rituais de um novo casamento que essa "volta" exige nos casos do divórcio.

Apesar de haver entendimento doutrinário3 reconhecendo a insignificância desta vantagem inerente ao instituto da Separação Judicial, tenho que enquanto direito material insculpido na legislação civil vigente, cabe aos próprios cônjuges avaliarem a utilidade e o interesse na adoção do procedimento da Separação Judicial ao invés do Divórcio. E ainda que se aceite que a separação seja um instituto em desuso ou que tenha se tornado inútil, não se pode interpretar que esse posicionamento pudesse provocar a sua revogação tácita, o que implicaria num erro grave de interpretação, posto que nosso sistema não sustenta a revogação da lei pelo desuso.

Acerca da continuação da coexistência da Separação Judicial e do Divórcio no ordenamento jurídico pátrio transcreve-se trecho de artigo de lavra do civilista Mario Luiz Delgado, que se imiscuindo no Direito Comparado, fez as seguintes inferências:

[...] no que tange à possibilidade de dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial ou extrajudicial como opção do casal, não vislumbramos qualquer conflito de regras ou colisão de princípios entre a legislação ordinária e a ordem constitucional superveniente, advinda a partir da EC 66.

Nada obsta que o casal, pelas mais variadas razões, opte, em manifestação de vontade autônoma, espontânea, livre e consciente, por postular a separação de direito, e não o divórcio. Trata-se de situação que, no futuro, talvez se torne rara, difícil de ocorrer na prática, mas que existe por previsão legislativa expressa, e, enquanto vigentes o Código Civil de 2002 e o Código de Processo Civil, com as alterações da Lei 11.441, não poderá ser obstada, quer pelo juiz, muito menos pelo tabelião, os quais, se assim o fizerem, estarão atuando contra legem.

Uma vez decretada a separação, será perfeitamente possível a sua conversão em divórcio, tal como previsto no art. 1.580 do CC/2002, dispensando-se, apenas, o requisito temporal.

Ressalte-se, enfim...

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