Acórdão nº 1.0702.06.333601-1/001 de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 16 de Julio de 2013

Magistrado ResponsávelWashington Ferreira
Data da Resolução16 de Julio de 2013
Tipo de RecursoApelação Cível

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO DE OFÍCIO. ART. 19, CAPUT, PRIMEIRA PARTE, LEI DA AÇÃO POPULAR. ANALOGIA. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OCUPAÇÃO ANTRÓPICA CONSOLIDADA. ART. 11 DA LEI ESTADUAL N. 14.309/2002. APLICABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO VOLUNTÁRIO PREJUDICADO.

  1. Por analogia ao artigo 19, caput, primeira parte, da Lei da Ação Popular, é de se proceder ao reexame necessário da sentença proferida na Ação Civil Pública que julgou improcedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público Estadual;

  2. No exercício de sua competência legislativa concorrente, o Estado de Minas Gerais editou a Lei n. 14.309/2002 que além de demarcar objetivamente as áreas de preservação permanente ao redor de lagoa ou reservatório de água, natural ou artificial, determinou, por outro lado, a salvaguarda da chamada "ocupação antrópica consolidada" anteriormente a junho de 2002;

  3. A ocupação antrópica consolidada é toda e qualquer intervenção em área de preservação permanente, efetivamente concretizada em data anterior à publicação da Lei Estadual n.º 14.309, de 19 de junho de 2002;

  4. Embora a construção feita em área de preservação permanente seja vedada pela legislação ambiental, a denominada construção consolidada deve ser mantida, nos termos do art. 11 da Lei 14.309/2002.

  5. Em conclusão: a lei não pode retroagir para atingir uma situação pretérita consolidada. Precisamente por este motivo a lei conjetura e preserva as ocupações antrópicas, porquanto uma legislação superveniente não pode reputar indevida intervenção ocorrida antes das definições legais.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0702.06.333601-1/001 - COMARCA DE UBERLÂNDIA - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): ANTÔNIO CARLOS DE CARVALHO

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em CONFIRMAR A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO. PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.

DES. WASHINGTON FERREIRA

RELATOR.

DES. WASHINGTON FERREIRA (RELATOR)

V O T O

Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de f. 156-161, proferida pela MMª. Juíza de Direito da 9ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia que, na AÇÃO CIVIL PÚBLICA ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS contra ANTÔNIO CARLOS DE CARVALHO, julgou improcedentes os pedidos iniciais, sob o principal fundamento de que a construção na área de preservação permanente localizada às margens do lago artificial da Usina Hidrelétrica de Miranda, já se encontrava consolidada antes da vigência da Lei estadual n. 14.309/2002, de modo que, não deve, "em hipótese alguma, ser determinada a demolição da referida construção" (f. 160). Não houve condenação em custas e honorários.

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, nas razões recursais de f. 166-201, sustenta, em síntese, que o imóvel de propriedade do Apelado está situado na encosta do lago da Usina Hidrelétrica de Miranda (Área de Preservação Permanente - APP), ultrapassando o limite de 100 (cem) metros de distância da margem, em desobediência ao art. 2º, alínea 'b', da Lei 4.771/65 e art. 3º da Resolução CONAMA n. 04/1985 e art. 3º da Resolução CONAMA 302/2002.

Afirma que quaisquer construções em áreas ditas de preservação permanente devem ser demolidas.

Destaca que a responsabilidade pelo dano ambiental é do atual proprietário do imóvel, independentemente de ser ou não o autor da degradação. Nesse contexto, garante que o dever de preservação vincula-se ao exercício da função social da propriedade e trata-se de uma obrigação propter rem que recai sobre a pessoa do proprietário do bem imóvel, exatamente porque exerce o domínio sobre a coisa.

Assevera que a alegação de que as edificações foram feitas antes dos anos 2000 não pode servir de pretexto para afastar o dever de preservar a área de preservação permanente, até porque, a prova é frágil no sentido de comprovar o início das construções, ante a falta de averbação ou registro no cartório competente.

Afirma que o art. 11 da Lei estadual n. 14.309/2002 que exime o proprietário de área antrópica consolidada até 19 de junho de 2002 de qualquer responsabilidade por dano ambiental, é inconstitucional.

Realça que a proteção antrópica consolidada é protegida quando tiver sido realizada em conformidade com a regulamentação específica e averiguação do órgão competente, requisitos não atendidos pelo réu.

Conclui que, no caso concreto, houve prejuízo ao meio ambiente, "sendo de se responsabilizar o proprietário que por ação ou omissão tenha lesado o meio ambiente, o qual devem reparar o dano" (sic) - f. 200.

Colaciona diversas jurisprudências em favor de sua tese.

Ao final, bate-se pelo provimento do recurso e a reforma integral da sentença.

Dispensado o preparo.

Contrarrazões às f. 205-209.

Aberta vista, a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do i. Procurador de Justiça, Dr. Mário César Motta, opinou pelo provimento do recurso e a reforma da sentença (parecer - f. 215-226)

É o relatório.

De ofício, procedo ao reexame necessário pelos fundamentos expostos a seguir.

A Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, como se sabe, disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências.

Referido diploma nada dispôs acerca do reexame necessário da sentença proferida nos feitos por ele regidos.

O artigo 19, caput, da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965 (Lei da Ação Popular), por sua vez, exterioriza regra acerca do reexame necessário:

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar procedente a ação, caberá apelação, com efeito suspensivo.

Dito dispositivo, na sua primeira parte, tem sido aplicado, por analogia, às sentenças de improcedência, total ou parcial, do pedido nas ações civis públicas. Eleva-se a noção de "microssistemas", restando, ao CPC (lei geral), aplicação residual, portanto.

No caso em apreço, a MMª. Juíza Sentenciante julgou improcedente o pedido inicial, mas não ordenou o reexame necessário. Assim, atraindo a aplicação do artigo 19, caput, primeira parte, da Lei da Ação Popular, é de se proceder ao reexame necessário da sentença.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Sem preliminares, cuido dos pontos sujeitos ao reexame necessário.

REEXAME NECESSÁRIO

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou contra Antônio Carlos de Carvalho, a presente Ação Civil Pública, objetivando a condenação do Réu na obrigação de remover o quiosque de alvenaria, tablado, área cimentada e uma casa que se encontram edificados em área de preservação permanente situada no entorno do lago da Usina Hidrelétrica de Miranda. Pugna, ainda, pela condenação do Réu na obrigação de recuperar a área degradada, no prazo de 60 (sessenta) dias, sob pena de multa e, no pagamento, a título de danos morais, da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Os pedidos foram contestados e, ao final, julgados improcedentes.

Pois bem.

A Constituição da República de 1988, em seu art. 255, dispõe que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever essencial de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A propósito, transcrevo os comentários de JOSÉ AFONSO DA SILVA ao citado artigo 255 da CR/88, verbis:

"3. Direito ao meio ambiente. O objeto de tutela jurídica não é tanto o meio ambiente considerado nos seus elementos constitutivos. O que o Direito visa a proteger é a qualidade do meio ambiente, em função da qualidade de vida. Pode-se dizer que há dois objetos de tutela, no caso: Um imediato - que é a qualidade do meio ambiente - e outro mediato - que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, que se vêm sintetizado na expressão "qualidade de vida". O artigo sob nossas vistas declara que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado". Veja-se que o objeto do direito de todos não é o meio ambiente em si, não é qualquer meio ambiente. O que é objeto do direito é o meio ambiente qualificado. O direito que todos temos é a qualidade satisfatória, ao equilíbrio ecológico do meio ambiente. Essa qualidade é que se converteu em um bem jurídico. Isso é que a constituição define como bem de uso comum do povo e essencial à saída qualidade de vida" (in Comentário contextual à Constituição. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 855).

Além disso, a Lei Maior, em seu art. 225, § 1º, institui medidas a serem cumpridas pelo Poder Público a fim de assegurar a efetividade do direito à qualidade satisfatória do meio ambiente. Dentre essas medidas, inclui-se a necessidade de se limitar espaços territoriais de preservação. No que interessa, confira-se a redação do art. 225, § 1º, III:

"§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[...]

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

A instituição de área de preservação permanente - APP cuida-se de um instrumento jurídico para proteção de espaço territorial especial e dotado de atributos ambientais relevantes, contribuindo no resguardo efetivo do direito constitucional ao ambiente ecologicamente equilibrado. Encontra respaldo constitucional, como visto, no artigo 225, § 1º, III, da Constituição da República de 1988.

Explicita ÉDIS MILARÉ a respeito dos espaços territoriais protegidos:

Além da proteção genérica a esses...

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