Acórdão nº 1.0056.11.004934-5/001 de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 8 de Agosto de 2013

Magistrado ResponsávelTeresa Cristina Da Cunha Peixoto
Data da Resolução 8 de Agosto de 2013
Tipo de RecursoApelação Cível

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - DECADÊNCIA (ART.1.614, CC/02) - INOCORRÊNCIA - PRECEDENTE DO STJ - SENTENÇA CASSADA - ART.515, §3º, CPC - MATERNIDADE BIOLÓGICA - COMPROVAÇÃO POR EXAME DE DNA - ART.333, I, CPC - PREVALÊNCIA, NO CASO CONCRETO, SOBRE A MATERNIDADE AFETIVA - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - RECURSO PROVIDO.

1) Segundo entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, a ação com prazo decadencial de 04 (quatro) anos prevista no art.1.614 do CC/02 somente se destina ao filho natural que vise unicamente impugnar a maternidade/paternidade registral, restando afastada na hipótese em que a desconstituição deste vínculo não constitua um fim em si mesmo, mas uma consequência da declaração de outro estado de filiação, caso em que se aplica o disposto no art.27 do ECA.

2) Embora não negue que tanto o vínculo biológico quanto o afetivo possuem notável importância no âmbito do direito de família, é inadequado estabelecer uma ordem de prevalência entre ambos aprioristicamente, devendo o impasse deve ser solucionado à luz do princípio do melhor interesse da prole, o que somente é aferível a partir do exame do caso concreto e de todas as peculiaridades que o envolvem.

3) No caso, a necessidade psicológica demonstrada pelo autor recomenda que a maternidade biológica, devidamente comprovada por meio de exame de DNA, prevaleça sobre a maternidade socioafetiva, com a conseqüente anulação do registro civil.

4) Recurso provido para cassar a sentença e, por analogia ao art.515, parágrafo 3º, do CPC, julgar parcialmente procedente o pedido inicial.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0056.11.004934-5/001 - COMARCA DE BARBACENA - APELANTE(S): RICARDO TRINDADE CAMPOS - APELADO(A)(S): FRANCISCO TRINDADE ANDRADE, JORGE BATISTA CAMPOS, MARIA APARECIDA DOS ANJOS

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DESA. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO

RELATORA.

DESA. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO (RELATORA)

V O T O

Conheço do recurso, porque presentes os seus pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade.

Cuida-se de "ação de investigação de paternidade e maternidade c/c anulação de registro civil" ajuizada por R.T.C. em face de M.A.A. e F.T.A, supostos mãe e pai biológicos, e de J.B.C, sucessor dos pais registrais J.B.C. e M.V.C., alegando que os dois primeiros réus tiveram um relacionamento amoroso nos idos de 1983, que culminou com o seu nascimento. Afirma, contudo, que em razão de a primeira ré não possuir condições para criar o filho sozinha, e o segundo réu ter se negado a reconhecer a paternidade, o tio paterno e sua esposa decidiram por registrá-lo em seus nomes, promovendo, assim, a chamada "adoção à brasileira". Ante tais fatos, o autor requereu "a procedência do pedido, declarando F.T.A. e M.A.A. pais biológicos do autor R.T.C., oficiando o Cartório de Registro Civil, a fim de que se anule o registro atual e acrescente o nome dos investigados no assentamento do investigante, e, ainda, o nome dos avós paternos e maternos" (item B, fls.04/05).

O MM. Juiz de Direito da Vara de Família, Cível e da Infância e da Juventude da Comarca de Barbacena proferiu a sentença de fls.47/48, em que acolheu a prejudicial suscitada pelo "Parquet", reconecendo a decadência do direito do autor, porque decorrido o prazo previsto no art.1.614 do CC/02, extinguindo o feito com resolução de mérito, na forma do art.269, IV, do CPC.

Por fim, o magistrado condenou o requerente ao pagamento das custas processuais, mas o isentou de honorários advocatícios, "face à peculiaridade do caso", suspendendo a exigibilidade daquela verba com fulcro no art.12 da Lei 1.060/50.

Inconformado, o autor interpôs o recurso de apelação de fls.50/56, sustentando que, "em se tratando de ação de estado, de direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, a investigação de filiação pode ser exercitada contra pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, pelo que não se aplica a incidência do prazo decadencial do art.1.614 do CC" (fl.53). Assevera que "a primeira requerida é mãe do autor, conforme prova inconteste, a qual pode ser verificada pelo laudo acostado aos autos" (fl.53). Afirma que "o atendimento ao pleito exordial em momento algum ataca a segurança jurídica presumida nos atos jurídicos e nos registros públicos", mas, pelo contrário, "gera a manutenção da verdade real, a qual se propõe a ser alcançada em qualquer litígio" (fl.54). Invoca a súmula 149 do STF e o art.27 do ECA, pugnando pelo provimento do apelo.

Embora intimados (fl.58), os apelados não ofertaram contrarrazões, consoante certidão de fl.58-v.

Em seu parecer de fls.65/70, a douta Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo provimento do recurso.

Feito o necessário resumo do caso, verifico que a controvérsia recursal restringe-se em aferir se realmente houve a decadência do direito do autor de questionar o vínculo paterno-filial constante de seu registro civil e, em caso negativo, se a primeira requerida é a sua mãe biológica, a justificar o reconhecimento da maternidade, com a conseqüente anulação do ato registral.

É sabido que, historicamente, o direito brasileiro estabelecia uma grave distinção entre os vínculos de filiação, definindo como legítimos os filhos havidos no casamento, e ilegítimos os filhos provenientes de relacionamentos extraconjugais, resolvendo os eventuais conflitos existentes entre ambos geralmente em favor dos primeiros.

Tal distinção há muito já era rejeitada pelos tribunais pátrios quando veio a ser expressamente rechaçada pelo art.227, parágrafo 6º, da Constituição da República de 1988, que assim dispõe:

Art.227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência...

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