Acórdão nº 1.0000.12.130704-5/000 de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 25 de Septiembre de 2013

Magistrado ResponsávelMárcia Milanez
Data da Resolução25 de Septiembre de 2013
Tipo de RecursoAção Direta Inconst

EMENTA: LEI MUNICIPAL - PRELIMINAR - INÉPCIA INEXISTENTE - REJEIÇÃO - MÉRITO - LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR - INGERÊNCIA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS - AUMENTO DE DESPESA SEM PREVISÃO DE CUSTEIO - REPRESENTAÇÃO ACOLHIDA.

Inexiste inépcia na inicial que aponta os dispositivos da Constituição Estadual supostamente violados por lei municipal, oportunizando o pleno exercício do direito de contestação e viabilizando o controle abstrato de constitucionalidade.

Lei municipal de iniciativa parlamentar - que dispõe sobre entrega gratuita e domiciliar de medicamentos a idosos e pessoas com dificuldades de locomoção - representa ingerência indevida do Legislativo local na gestão dos serviços públicos, afrontando a autonomia organizacional do Executivo municipal, além de implicar significativo aumento de despesa sem a correspondente previsão de custeio, com comprometimento orçamentário.

AÇÃO DIRETA INCONST Nº 1.0000.12.130704-5/000 - COMARCA DE JUIZ DE FORA - REQUERENTE(S): PREFEITO JUIZ DE FORA - REQUERIDO(A)(S): CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, o ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, por maioria, em REJEITAR A PRELIMINAR E ACOLHER A REPRESENTAÇÃO.

DESA. MÁRCIA MILANEZ

RELATORA.

DESA. MÁRCIA MILANEZ (RELATORA)

V O T O

Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar, ajuizada pelo Prefeito Municipal de Juiz de Fora, visando a declaração da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 12.603/12, que "dispõe sobre a distribuição gratuita e domiciliar de medicamentos e materiais necessários à sua aplicação, para idosos previamente cadastrados no SUS."

Sob o argumento principal de que a norma legal impugnada padece de vício de iniciativa, com ofensa ao princípio da independência dos poderes, acarretando aumento de despesa e interferindo na organização administrativa do Município, pleiteia o autor a declaração de inconstitucionalidade do diploma legal impugnado (fls. 02/09).

Juntou-se aos autos a documentação de fls. 10/19.

A Coordenação de Pesquisa e Orientação Técnica deste Tribunal de Justiça informou a inexistência de manifestação da Corte Especial acerca das normas impugnadas nesta ação (fl. 31).

A Câmara Municipal manifestou-se pela inépcia da inicial e, no mérito, pela improcedência do pedido (fls. 38/47).

A Procuradoria de Justiça, em parecer, manifestou-se pela improcedência do pedido (fls. 49/84).

A liminar postulada foi indeferida (fls. 86/87).

É o relatório do essencial.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Juiz de Fora em face da Lei Municipal nº 12.603/12, que dispõe sobre a distribuição gratuita e domiciliar de medicamentos e materiais necessários à sua aplicação para idosos e pessoas com dificuldade de locomoção.

Vejamos os termos da lei impugnada:

Art. 1° Os idosos e pessoas com dificuldade de locomoção, que utilizam remédios de uso contínuo receberão gratuitamente e em seu domicílio os medicamentos e materiais necessários para sua aplicação.

§ 1° O Poder Executivo, por meio da Secretaria de Saúde, realizará o cadastro dos idosos que preencherem os requisitos e requererem a entrega domiciliar.

§ 2° A entrega será realizada pelos Agentes Comunitários de Saúde em suas visitas obrigatórias e periódicas, não acarretando ônus para o Município.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A Câmara Municipal requerida suscitou a preliminar de inépcia da inicial, argüindo que o requerente invocou apenas normas federais (constitucionais e infraconstitucionais) para postular a inconstitucionalidade da referida lei municipal, o que inviabilizaria o controle abstrato de inconstitucionalidade perante esta Corte Estadual.

Sem razão, contudo. Permissa venia, a simples leitura da peça vestibular permite observar que o Prefeito Municipal, ora requerente, mencionou as normas da Constituição do Estado de Minas Gerais que entendeu ofendidas pela lei em comento, ao suscitar expressamente os arts. 161, I, 171 e 173 da Carta Política Mineira. Da mesma forma, a causa de pedir invocada na inicial pode ser claramente inferida pela narrativa do requerente, no cotejo do confronto normativo autorizador do controle abstrato de constitucionalidade, viabilizando o pleno exercício do direito de contestação pela requerida.

Portanto, não há que se falar em inépcia da exordial, pelo que rejeito a preliminar.

No mérito, entendo que assiste razão ao requerente, visto que a lei combatida é, de fato, inconstitucional.

Tal conclusão, a meu ver, não decorre da alegação do requerente de que a criação de tal lei pelo Município, através de iniciativa parlamentar, violaria a competência da União e dos Estados-membros para tal normatização.

Neste ponto, entendo que nada impede que o Município disponha sobre o tema de saúde e proteção ao idoso. Isto porque, legislando sobre interesse local, o Município de Juiz de Fora limitou-se a suplementar as legislações federal e estadual na matéria sob enfoque, sendo que não vislumbro qualquer ofensa às disposições das normais federais ou estaduais sobre a proteção à saúde e ao idoso.

Mesmo porque, seguindo a política de descentralização do SUS, incumbe ao município a prestação material dos serviços de atendimento à saúde da população, nos termos do art. 30, VII, da Constituição Federal e do art. 171, II, "d", da Constituição Mineira.

Lado outro, tratando-se de normatização inclusiva e expansiva (como recomendam os arts. 196 a 198 da Constituição Federal), não há vício no simples fato da lei municipal impugnada ampliar os benefícios previstos nas legislações federal e estadual.

Contudo, entendo que a lei nº 12.603/12 implica violação ao princípio da separação harmônica de poderes, previsto no art. 173 de nossa Constituição Estadual, além de representar aumento de despesa sem a respectiva previsão de custeio, em ofensa ao art. 161, I, da Carta Mineira.

A gestão dos serviços públicos (in casu, os serviços de saúde e proteção ao idoso) incumbe ao Poder Executivo, que o desempenha através de sua estrutura organizacional própria para tal mister, envolvendo os órgãos e servidores públicos correlatos.

Neste ponto, a lei impugnada - proposta, aprovada e promulgada por iniciativa parlamentar, sendo derrubado o veto do Prefeito Municipal - interfere sensivelmente na forma e na estrutura organizacional administrativa destinada à proteção à saúde do idoso e da pessoa com dificuldade de locomoção.

Perceba-se, primeiramente, que os destinatários da "distribuição gratuita e domiciliar de medicamentos e materiais necessários à sua aplicação" não se restringem aos idosos, mas atingem também (e indiscriminadamente) quaisquer pessoas com dificuldades de locomoção, o que denota um "público-alvo" desarrazoado e hábil a um incremento significativo do custo do serviço criado pelo diploma legal ora guerreado.

Não se olvida, outrossim, da necessidade de aumento do pessoal para a satisfação de tal serviço, tratando-se mero sofisma a curiosa afirmação, na própria lei, de que ela não trará aumento de despesa (art. 1º, §2º). Insta ponderar como seriam entregues e aplicados os medicamentos, por exemplo, de uso contínuo e diário?

Ademais, a lei nº 12.603/12 é expressa ao criar obrigação direta para o Poder Executivo, determinando que a Secretaria de Saúde realize o cadastro dos beneficiários do serviço criado pela lei em tela (art. 1º, §1º). Ora, a ingerência na gestão administrativa afigura-se patente.

Assim, concebo que a lei nº 12.603/12 viola, de fato, o princípio da separação de poderes, além de representar risco orçamentário à Municipalidade.

Conforme lição de Hely Lopes Meirelles, "a execução das obras e serviços públicos municipais está sujeita, portanto, em toda sua plenitude, à direção do Prefeito, sem interferência da Câmara, tanto no que se refere às atividades internas das repartições da Prefeitura (serviços burocráticos ou técnicos) quanto às atividades externas (obras e serviços públicos) que o Município...

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