Acórdão nº 2005.34.00.033668-2 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Quinta Turma, 11 de Septiembre de 2013

Magistrado ResponsávelDesembargador Federal JoÃo Batista Moreira
Data da Resolução11 de Septiembre de 2013
EmissorQuinta Turma
Tipo de RecursoRemessa Ex Officio

Numeração Única: 332619720054013400 REEXAME NECESSÁRIO 2005.34.00.033668-2/DF Processo na Origem: 200534000336682

RELATOR(A): DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA

RELATORA P/ DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA

ACÓRDÃO

AUTOR: ROBERTO DE OLIVEIRA ARANHA

ADVOGADO: ROBERTO DE OLIVEIRA ARANHA

RÉU: UNIAO FEDERAL

REMETENTE: JUIZO FEDERAL DA 2A VARA - DF

PROCURADOR: MANUEL DE MEDEIROS DANTAS

ACÓRDÃO

AUTOR: ROBERTO DE OLIVEIRA ARANHA

ADVOGADO: ROBERTO DE OLIVEIRA ARANHA

RÉU: UNIAO FEDERAL

REMETENTE: JUIZO FEDERAL DA 2A VARA - DF

PROCURADOR: MANUEL DE MEDEIROS DANTAS

EMENTA

CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PERDÃO DE DÍVIDAS DE NAÇÕES ESTRANGEIRAS. ATO POLÍTICO. INSINDICABILIDADE PELO JUDICIÁRIO.

PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. FREIOS E CONTRAPESOS. CF, ARTIGOS 49, I, E 84, VIII. RESOLUÇÃO DE TRATADOS E ATOS INTERNACIONAIS QUE IMPORTEM GRAVAME OU CUSTO AO PATRIMÔNIO NACIONAL. MATÉRIA DE EXCLUSIVA ALÇADA DO CONGRESSO NACIONAL. INDELEGABILIDADE. FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DOS ATOS DO PODER EXECUTIVO. COMPETÊNCIA COMPARTILHADA ENTRE EXECUTIVO E LEGISLATIVO.

SUPREMACIA CONSTITUCIONAL. LEI 9.665/98. AUTORIZAÇÃO PARA QUE O EXECUTIVO CONCEDA REMISSÃO PARCIAL DE CRÉDITOS EXTERNOS. INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADA.

  1. Trata-se de ação popular que tem por objeto a declaração de nulidade de ato de perdão concedido pelo réu, Luiz Inácio Lula da Silva, quando no exercício do cargo de Presidente da República, a dívidas de Nações africanas e sul-americanas para com o Brasil.

  2. O pedido foi julgado improcedente pelo magistrado singular. Invocou-se, a par da inexistência de vício a macular a remissão de dívidas de outras nações, o teor discricionário do ato político praticado pelo Chefe do Executivo, o princípio constitucional da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, IX) e, ainda, o disposto na Lei nº 9.665, de 19 de junho de 1998, que “autoriza o Poder Executivo a conceder remissão parcial de créditos externos, em consonância com parâmetros estabelecidos nas Atas de Entendimentos originárias do chamado ‘Clube de Paris’ ou em Memorandos de Entendimentos decorrentes de negociações bilaterais, negociar títulos referentes a créditos externos a valor de mercado e receber títulos da dívida do Brasil e de outros países em pagamento”.

  3. A divisão das tarefas legislativas, executivas e jurisdicionais entre órgãos especializados – fórmula consagrada por Montesquieu que consubstancia salutar instrumento de limitação do poder estatal e conseqüente garantia das liberdades individuais –, foi afirmada nas Constituições das antigas colônias inglesas da América, positivando-se em definitivo na Constituição dos Estados Unidos, em 1787, assim como na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Figura atualmente como verdadeiro dogma de Direito Constitucional, ocupando, na nossa Constituição Federal de 1988, a exemplo das Cartas precedentes, papel de destaque como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 2º), tanto que alçado à categoria de cláusula pétrea, na forma do § 4º, III, do art. 60.

  4. Malgrado independentes, os poderes estatais imprescindem, na busca do equilíbrio necessário à realização do bem comum e de modo a evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais dos administrados, do estabelecimento de mecanismos de controle recíprocos do exercício das respectivas funções (o chamado sistema de freios e contrapesos).

  5. No âmbito do controle exercido pelo Legislativo em relação aos atos do Poder Executivo, cabe ao Congresso Nacional, em caráter exclusivo, “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” (art. 49, I), sendo possível afirmar que essa disposição constitucional reflete, ao lado do art. 52, incisos V e VII, a manifesta intenção do legislador constituinte de assegurar ao Parlamento o exercício da fiscalização e controle das operações financeiras externas quando da resolução de atos internacionais em geral que acarretem gravame ou custo ao erário e o comprometimento da soberania nacional, casos estes em que a responsabilidade é partilhada entre Executivo e Legislativo. (Cf. Vicente Marcos Fontanive, Estudo a respeito da necessidade de que as remissões de dívidas de outros países com o Brasil, concedidas pelo Presidente da República, devam ser previamente aprovadas pelo Senado Federal, Câmara dos Deputados, Consultoria Legislativa, 03/2008, p. 4)

  6. Na condição de chefe diplomático do país, o Presidente da República ocupa posição dominante, pois exerce, fundado no princípio da independência nacional e consoante suas atribuições previstas no art. 84, VII e VIII, da Constituição, a soberania nacional no plano externo mediante a direção suprema das relações exteriores, estando investido do status de interlocutor oficial perante os demais chefes de Estado e de governo alienígenas. Malgrado tenha a autoridade brasileira, no desempenho dessa função de principal ator político da Nação no cenário internacional, o poder de decidir, ao seu prudente arbítrio, sobre a conveniência de travar negociações na ordem mundial, decerto que não é o único. Não lhe é dado, pois, acordar em definitivo o comprometimento dos cofres públicos no panorama externo sem o necessário referendo parlamentar, vedação esta que inequivocamente alcança os atos que importem perdão ou remissão de dívidas de países estrangeiros para com o Brasil.

  7. O ato político difere daquele praticado no exercício da função administrativa propriamente dita em razão de seu cunho exclusivamente discricionário, circunstância que o torna, ressalvadas as hipóteses de lesão a direitos e garantias individuais, imune ao controle judicial.

    Qualificam-se como políticas por excelência, sendo, por esse motivo, isentas de controle judicial, as questões contidas na esfera dos negócios externos e da política internacional (Cf. Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 27ª ed., 2012, p. 334, nota de rodapé 43). Sem embargo, não deve o estofo discricionário dos atos de governo – não raras vezes movidos por objetivos e interesses políticos e/ou macroeconômicos –, tampouco o princípio da cooperação entre os povos afastar a regra de competência constitucional que prevê a obrigatoriedade de submissão do ato à chancela do Legislativo, controle este que o constituinte originário teve a preocupação de confiar exclusivamente ao Congresso Nacional.

  8. As matérias tidas como de competência exclusiva de um departamento da soberania nacional trazem ínsita a característica de sua indelegabilidade, de modo que não pode o titular da função que lhe é típica, sob pena de violação da regra da simetria entre órgão e função, repassá-la aos demais.

    Daí o § 1º do art. 68 do texto constitucional, segundo o qual não devem ser objeto de delegação, entre outros, os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional.

  9. O inevitável aumento do braço executivo do Estado na regulação do convívio social hodiernamente – contexto do qual pode ser haurida a idéia de delegação legislativa –, embora sujeito à fiscalização e inafastável controle do Legislativo ante as decisões políticas de interesse público superior, não pode justificar que se outorgue ao Executivo ou qualquer outra instância de poder, consoante assentou o Ministro Celso de Mello na ADI 1247 MC/PA, o exercício de um encargo absolutamente intransferível pelo Parlamento por expressa disposição constitucional (DJ 08/09/95, p. 28354).

  10. Sendo a Constituição Federal, como cediço, a norma básica e fundamental da República, revela-se incontroverso que nenhuma lei ou tratado, acordo ou ato internacional celebrado pelo Estado brasileiro poderá, formal ou materialmente, transgredir-lhe os preceitos (ADI 1.480-3/DF MC, Rel.

    Ministro Celso de Mello, DJ 04/09/97).

  11. Transportadas essas considerações, mutatis mutandis, para o caso concreto, conclui-se que a Lei 9.665/98, ao autorizar o Poder Executivo a conceder remissão parcial de créditos externos da União, “em consonância com parâmetros estabelecidos nas Atas de Entendimentos do chamado ‘Clube de Paris’ ou em Memorandos de Entendimentos decorrentes de negociações bilaterais” (art. 1º, I), ignora a regra constitucional que consagra a competência compartilhada entre Executivo e Legislativo para o tratamento da matéria prevista no inciso I do art. 49, veiculando inaceitável delegação de competência ao Poder Executivo para, autônoma e independentemente – isto é, sem a participação parlamentar – resolver sobre a concessão de perdão ou remissão de dívidas externas de países estrangeiros.

  12. Incidente de inconstitucionalidade do art. art. 1º, I, da Lei nº 9.665, de 19 de junho de 1998 (art. 17, I, c/c art. 356 do RITRF - 1ª Região).

    ACÓRDÃO

    Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por maioria, vencido o Relator, suscitar incidente de inconstitucionalidade, nos termos do voto da Exa. Sra. Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida.

    Brasília, 11 de setembro de 2013.

    SELENE ALMEIDA Desembargadora Federal - Relatora

    RELATÓRIO

    Trata-se de reexame necessário de sentença (fls. 148-152) em ação popular, na qual foi julgado improcedente pedido “objetivando que seja declarado nulo o ato de perdão concedido pelo réu às dívidas de países africanos e sul-americanos para com o Brasil”.

    A sentença está assim fundamentada:

    Primeiramente, quanto à alegação de irregularidade no mandado citatório, ao argumento de que não houve citação do Presidente da República, não merece prosperar, tendo em vista que fora procedida à citação do réu (...).

    Registre-se que se a contestação fora apresentada pela AGU, mesmo órgão que tem representação judicial do Presidente da República para ações da espécie, não há que se falar em nulidade, tampouco em prejuízo à defesa do réu, mormente tendo sido Sua Excelência pessoalmente citado.

    Quanto à alegada carência do direito de ação por impossibilidade jurídica do...

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