nº 1999.01.00.067813-0 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Quarta Turma, 25 de Noviembre de 2003

Magistrado ResponsávelDesembargador Federal Hilton Queiroz
Data da Resolução25 de Noviembre de 2003
EmissorQuarta Turma
Tipo de RecursoApelacao Civel

Assunto: Desapropriação Indireta

Autuado em: 3/8/1999 09:30:22

Processo Originário: 960003034-0/mt

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.01.00.067813-0-MT

RELATOR ORIGINÁRIO: EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ

RELATOR CONVOCADO: EXMO. SR. JUIZ FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS

ADVOGADO: LUIZ ANTONIO GALIANI E OUTRO

APELADO: UNIÃO FEDERAL

PROCURADOR: AMAURY JOSE DE AQUINO CARVALHO

APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO - FUNAI

PROCURADOR: CEZAR AUGUSTO LIMA DO NASCIMENTO

ACÓRDÃO

Decide a Turma negar provimento à apelação, à unanimidade.

4ª Turma do TRF da 1ª Região - 25/11/2003.

JUIZ FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS

RELATOR CONVOCADO

RELATÓRIO

O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS (RELATOR CONVOCADO):

Cuida-se de ação ordinária de indenização por desapropriação indireta, proposta por JOAQUIM PEREIRA DE PINHO e sua mulher, HELENA SPIR PEREIRA DE PINHO, contra a UNIÃO e a FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI, pleiteando indenização do imóvel adquirido de Júlio Bais de Carvalho que, por sua vez, adquiriu do Estado de Mato Grosso. Aduziram na inicial que, através do Decreto nº 85.025/80, a União declarou de utilidade pública, dentre várias áreas, o referido imóvel, para ampliação da Reserva Indígena Pimentel Barbosa (fls. 02/05).

A sentença proferida pelo Juiz Federal da 1ª Vara de Mato Grosso, Dr. Rubem Martinez Cunha, julgou improcedente o pedido dos autores, em face da conclusão da perícia oficial de que a área 'sub-judice' encontra- se sob o manto da ocupação tradicional e permanente indígena.

Inconformados com o resultado do julgamento, os autores apelam (fls. 315/324), buscando a reforma da sentença sob os seguintes argumentos:

"O GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO, ao alienar a área objeto da presente ação, o fez no ano de 1960 (mil novecentos e sessenta) (fls. 12), sob a égide da Carta Constitucional de 1946.

Referida Carta, em seu artigo 216, estabelecia que a proteção possessória à terra dos silvícolas dependia de estarem eles permanentemente ali localizados.

Quando o Governo do Estado alienou a área em questão, o fez porque sabia exatamente que referida área não pertencia aos aborígenes, nos termos do que dispunha a Carta Constitucional, que é clara ao dizer que a proteção possessória à terra dos índios, dependia de estarem eles nela localizados, fato que não ocorria com o imóvel dos apelantes.

Desta feita as alterações que decorreram da Carta Magna de 1967 (art. 186), a de 1969 (artigo 168) e atualmente pela Carta Constitucional de 1988 (artigo 231), não atingiram e nem atingem a propriedade imóvel objeto da ação em tela.

Foi a própria apelada FUNAI, que em sua contestação juntou aos autos o Decreto nº 93.147 de 20/agosto/1986 que homologou a demarcação administrativa promovida na terra indígena pelo Decreto nº 85.025 de 12 de agosto de 1980, denominada Área Indígena PIMENTEL BARBOSA, conforme fls.

183 dos autos, onde prova que só após essa data é que a área em epígrafe deixou de ser propriedade particular, integrando assim a reserva indígena.

Desta feita ficou provado que a área dos apelantes até a edição do Decreto nº 85.025, de 12/agosto/1980, não era de posse imemorial do grupo indígena Xavante, localizada nos Municípios de Camarana/Água Boa, Estado do Mato Grosso" (fls. 320/321).

Alegam que desde "quando os apelantes adquiriram o imóvel em questão, recolheram todos os tributos que sobre o mesmo incidem e, mesmo após a declaração de utilidade pública para ampliação da reserva, continuou o Ministério da Fazenda a lançar o imóvel em nome dos apelantes e enviar a notificação de lançamento do tributo 'Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR', para o devido pagamento, o que ainda faz até os dias atuais, conforme já comprovado nos autos" (fls. 321).

Defendem que a "área objeto da presente ação, anteriormente à edição do Decreto nº 85.025, de 12 de agosto de 1980, era de domínio particular, oriundo de título que requer forma especial, devidamente registrado perante o Serviço Predial Imobiliário nos termos da Lei Federal nº 6.015/73. Trata-se, portanto, de um ato jurídico perfeito e acabado. E, ao permitir o Estado, através do Cartório de Registro Público, o registro do título oriundo do Estado de Mato Grosso, bem como o de Júlio Bais de Carvalho para os apelantes, o fez exatamente porque não se tratava a área de bem público, mas sim de propriedade particular." (fls. 322).

Aduzem, ainda, que:

"O laudo apresentado pelo ilustre e culto perito, em que o digno prolator da sentença recorrida se baseou para rejeitar o pedido dos apelantes, veio corroborar com a procedência da ação e não sua rejeição.

Ao responder o primeiro quesito da Fundação Nacional do Índio e da Procuradoria da União do Estado de Mato Grosso, o senhor perito informou que o habitat Xavante em terras mato-grossenses durante o primeiro e ou segundo quartel do século XIX, citando 'Ravagnani', apresentava os seguintes limites:

- ao sul o rio das Mortes que os separava do território Bororó, de quem eram inimigos ferrenhos;

- ao leste o rio Araguaia apartava-os do mundo civilizado;

- ao nordeste dos índios Karaja, outra tribo inimiga; e, - ao norte limitava-se com o rio Tapirapê, habitado pelos índios homônimos, único grupo com os quais os Xavante parecem não ter tido conflitos;

- e a oeste a Serra do Roncador isolava-os dos habitantes da região dos formadores do Xingu.

Como se vê da referida resposta, o habitat dos Xavantes ia das margens do Rio das Mortes até a Serra do Roncador.

Por outro lado, as divisas do imóvel dos apelantes de acordo com o título aquisitivo e situação de fato é:

- margem esquerda do Ribeirão Cordeiro de Farias;

- apareados da Serra do Roncador (limite natural);

- lote 15 de novembro;

- margem da BR-158.

Ora, o habitat dos índios Xavantes está localizado entre a Serra do Roncador e o Rio das Mortes. Já o imóvel dos apelantes, entre os apareados da Serra do Roncador e a BR- 158.

Referida localização é perfeitamente constatada pela documentação acostada com a inicial e pelo levantamento juntado pelo próprio perito às fls. 273 dos autos.

Conclui-se, com isso, que o local onde está situada a propriedade dos apelantes só passou a ser área dos índios Xavantes com a ampliação da reserva indígena que se deu no ano de 1981. Até então a área dos Índios Xavantes estava localizada apenas entre o rio das Mortes e a Serra do Roncador " (fls. 323/324).

Ao final, requerem sejam reformada a sentença recorrida "para, acolhendo o pedido dos apelantes, condenar a FUNAI e a UNIÃO FEDERAL a indenizar os apelantes, tudo consoante consta do pedido formulado na peça inaugural da ação em comento" (fls. 324).

Existem contra-razões.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS (RELATOR CONVOCADO):

JOAQUIM PEREIRA DE PINHO e sua mulher, HELENA SPIR PEREIRA DE PINHO propuseram a presente ação de desapropriação indireta contra a UNIÃO e a FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI, pleiteando indenização do imóvel adquirido de Júlio Bais de Carvalho, que, por sua vez, adquiriu do Estado de Mato Grosso, cuja área é de 4.976 hectares, 69 ares e 65 centiares.

Aduziram na inicial que, através do Decreto nº 85.025/80, a União declarou de utilidade pública, dentre várias áreas, o referido imóvel, para ampliação da Reserva Indígena Pimentel Barbosa (fls. 02/05).

A sentença (fls. 310/314) julgou improcedente o pedido, uma vez que, como comprovado pela perícia histórico-antropológica, a área de terra 'sub judice' constitui terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

O recurso dos autores insiste na tese de que a área 'sub judice' não faz parte de habitat tradicionalmente ocupado pelos índios Xavantes, pelo que lhes assiste o direito de receber a justa indenização pleiteada.

Sem razão os recorrentes.

A perícia oficial não deixa dúvida quanto a ser a área 'sub judice' habitat tradicional dos índios Xavantes, sendo que os limites da Reserva Indígena Pimentel Barbosa, onde se localiza a área invocada pelos autores, tinha limites em datas imemoriáveis com outros povos indígenas.

Afirma, ainda, o perito, ser a área território de ocupação tradicional e permanente cuja proteção constitucional é desde os idos da Carta Política de 1934.

Eis o que diz o laudo histórico-antropológico:

"Preliminarmente pode-se classificar os Xavante como uma subdivisão da grande nação Akwém (Xavante e Xerente), cujo habitat era, até o final do Século XVII, o atual Estado do Tocantins, entre os rios Tocantins e Araguaia, meridianos 48º e 51º, paralelos 12º e 16º.

Durante o primeiro e/ou segundo quartel do século XIX (1800 a 1825 - 1825 a 1850), forçados por vários motivos, entre eles terem sido vítimas de fazendeiros que tentavam escravizá-los e, de missionários católicos que desejavam catequizá-los, houve uma cisão no enorme grupo dos Akwén.

Conforme Baptista (1981), uma metade, que passou a ser conhecida como Xavante, ultrapassou o rio Tocantins e o Araguaia e, caminhando em direção a oeste, atingiu o rio da Mortes fundando, à margem direita, a aldeia São Domingos, em seguida fixou-se definitivamente à margem esquerda do mesmo rio, constituindo a aldeia Pimentel Barbosa. Desta aldeia difundiram-se por terras mato- grossenses ocupando a região compreendida: a leste pelo baixo Rio das Mortes; ao norte pelos contrafortes da Serra do Roncador; a oeste pelos Rios Ronuro e Batovi, formadores do Xingu; e ao sul pelo médio Rio das Mortes.

Essa ocupação deu-se paulatinamente, mediante o recuo de outras nações indígenas, que cederam seu habitat para os Xavante, com os quais mantiveram vizinhança territorial" (fls. 253).

"Em suma, a área de terra compreendida pela Terra Indígena Pimentel Barbosa constitui terras tradicionalmente ocupadas pelos índios Xavantes, como recomenda o parágrafo primeiro do artigo 231, da Constituição Federal vigente" (fls. 255).

"'A Área Indígena Pimentel Barbosa constitui terras tradicionalmente ocupadas pelos índios Xavante pelo menos desde o...

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