Acórdão Inteiro Teor nº RR-529-81.2011.5.09.0026 TST. Tribunal Superior do Trabalho Conselho Superior da Justiça do Trabalho, 5 de Febrero de 2014

Número do processoRR-529-81.2011.5.09.0026
Data05 Fevereiro 2014

A C Ó R D Ã O

  1. Turma GMJRP/mc COMPLEMENTO DE REMUNERAÇÃO MÍNIMA POR NÍVEL E REGIME - RMNR, INSTITUÍDO POR NORMA COLETIVA DE TRABALHO. FORMA DE CÁLCULO, NOS CASOS EM QUE O EMPREGADO RECEBE ADICIONAIS, COM A NATUREZA DE SOBRESSALÁRIO, EM FUNÇÃO DE CONDIÇÕES ESPECÍFICAS DE TRABALHO. INTERPRETAÇÃO DA CORRESPONDENTE CLÁUSULA DE ACORDO COLETIVO DE TRABALHO EM CONFORMIDADE COM O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA.

    1. A empregadora, por meio de acordo coletivo de trabalho, instituiu, como vantagem e garantia em favor de todos os seus empregados, a denominada Remuneração Mínima por Nível e Regime - RMNR, definida em tabelas da empresa, com o declarado propósito de estabelecer um patamar remuneratório mínimo para cada nível e região onde a empresa atua, levando em conta o conceito de remuneração regional e microrregião geográfica e com o expresso objetivo de equalizar os valores a serem percebidos por seus empregados, assim como, também de forma declarada, de aperfeiçoar a isonomia prevista na Constituição Federal. Para assegurar essa Remuneração Mínima por Nível e Regime a cada um dos seus empregados, instituiu a parcela de natureza salarial denominada Complemento de RMNR, em valores variáveis cuja forma de cálculo foi expressamente fixada em cláusula da referida norma coletiva.

    2. Segundo os termos da cláusula objeto desta controvérsia, o valor dessa parcela corresponde à diferença entre o valor da Remuneração Mínima por Nível e Regime - RMNR (que deve ser equalizado, em cada região onde a empresa atua, para todos os empregados na mesma função e no mesmo nível salarial) e a soma do Salário Básico (SB), da Vantagem Pessoal - Acordo Coletivo de Trabalho (VP-ACT) e da Vantagem Pessoal - Subsidiária (VP-SUB).

    3. Ocorre que, em seguida, a mesma cláusula dispõe que o pagamento dessas diferenças a título de Complemento de RMNR deve se dar "sem prejuízo de eventuais outras parcelas pagas, podendo resultar em valor superior à RMNR", e, no parágrafo seguinte, estabelece ainda que esse mesmo procedimento se aplica "aos empregados que laboram em regime e/ou condições especiais de trabalho em relação às vantagens devidas em decorrência destes".

    4. No entanto, ao interpretar e aplicar a referida cláusula, a empregadora, para calcular o valor da parcela Complemento de RMNR devida a cada empregado sujeito a condições ou regimes especiais de trabalho, passou a também subtrair do valor da parcela RMNR não só o salário básico e as mencionadas vantagens pessoais (VP-ACT e VP-SUB), mas também o valor de outras parcelas com a natureza de salário-condição, tais como, o adicional de periculosidade, o adicional noturno, a hora de repouso e alimentação e o adicional de sobreaviso a ele pagos, provocando a diminuição do valor do Complemento de RMNR na exata medida do somatório desses últimos adicionais e vantagens, enquanto que os outros empregados enquadrados no mesmo nível e que atuavam na mesma região, mas não estão submetidos, por exemplo, a condições perigosas ou a trabalho noturno, receberam, a título do mesmo Complemento de RMNR, valores maiores na exata proporção aritmética daqueles sobressalários, a pretexto de que deveriam, na soma final de suas parcelas remuneratórias e a título de RMNR, auferir exatamente o mesmo valor final e global de seus colegas que atuavam em condições especiais de trabalho. Tal situação, incontroversa nos autos, gerou esta reclamação trabalhista, pela qual pretende o autor a condenação da reclamada ao pagamento das diferenças salariais e respectivos reflexos correspondentes aos valores daqueles adicionais e vantagens salariais pagos aos empregados que a estes fazem jus em decorrência dessas condições ou regimes especiais de trabalho que justificam o seu pagamento e que foram indevidamente descontados da parcela Complemento de RMNR, por força da interpretação dada pela empregadora à cláusula da norma coletiva de trabalho que a instituiu.

    5. Após o ajuizamento de um grande número de ações trabalhistas com esse objeto e a prolação, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, das correspondentes decisões de forma divergente (algumas validando a interpretação dada pela empregadora à referida norma coletiva e outras julgando procedentes os pedidos iniciais dos trabalhadores e de seus sindicatos, como seus substitutos processuais), as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho também se pronunciaram divergindo entre si a respeito da matéria, exigindo que a sua Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, no exercício da competência prevista no artigo 894, II, da CLT (na redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.496/2007), pacificasse o entendimento da matéria. Isso ocorreu na sessão da SBDI-1 desta Corte de 26/9/2013, quando essa, em sua composição completa e ao julgar o Processo E-RR-848-40.2011.5.11.0011 (Redator do acórdão Ministro Augusto César de Carvalho, decisão por maioria, acórdão ainda não publicado), decidiu que os adicionais decorrentes de condições especiais de trabalho não podem mesmo integrar o cálculo do Complemento de RMNR de forma a serem dele deduzidos, ao contrário do que entendeu e praticou a empregadora, após a instituição dessa vantagem pela referida norma coletiva de trabalho.

    6. Naquele precedente, foi consagrado o entendimento de que a interpretação e a aplicação daquela norma coletiva de trabalho na forma adotada pela reclamada realmente acarreta nítida distorção do princípio constitucional da isonomia e, na prática, a supressão, mediante mero artifício contábil, de direitos constitucional e legalmente previstos (tais como, o direito ao recebimento de adicionais de remuneração pelo trabalho em condições perigosas, em horário noturno ou nas condições especiais previstas na Lei nº 5.811/92 para os trabalhadores da atividade de extração do petróleo), pois nivela indevidamente o valor final e global da remuneração de empregados que, sujeitos a condições de trabalho especiais adversas ou gravosas, deveriam receber tratamento diferenciado e benéfico, por força de preceitos da Constituição da República (artigo 7º, incisos IX e XXIII) e de lei federal (artigos 73 e 195 da CLT e 3º, incisos I e II, e 6º, inciso II, da Lei nº 5.811/72), em comparação com os demais empregados que, em sua atividade diária, não estão sujeitos a esses fatores adversos, especiais ou gravosos.

    7. Com efeito, subvertendo a ideia de acréscimo ou de aumento trazida pela fórmula de cálculo prevista na norma coletiva para a parcela Complemento de RMNR, a empregadora, ao proceder indevidamente à subtração, no valor desse complemento, dos adicionais inerentes ao trabalho em condições especiais, provoca, para esses empregados que laboram nessas condições, a percepção de Complemento de RMNR em valor sempre menor do que aquele que é pago aos demais empregados (sempre equivalendo essa diferença aritmética exatamente ao valor dos referidos adicionais, indevidamente considerados para a apuração dessa parcela), o que implica, injustificadamente, o recebimento, por empregados que estejam no mesmo nível e região na empresa, mas que não trabalhem nas condições adversas daqueles que recebem os citados sobressalários, de um valor maior a título de Complemento de RMNR, de modo que recebam todos eles um mesmo valor global e final de remuneração. Trata-se, em última análise, de dar aplicação prática, neste caso específico e em detrimento do referido artifício contábil, ao princípio da primazia da realidade, pedra angular de todo o edifício conceitual do Direito do Trabalho.

    8. Essa interpretação sustentada pela empresa, além do mais, tornaria inteiramente sem sentido a parte final do § 3º da cláusula coletiva que instituiu essa vantagem, a qual estabeleceu expressamente que o critério de cálculo do Complemento de RMNR fixado nessa cláusula será aplicado "sem prejuízo de eventuais outras parcelas pagas, podendo resultar em valor superior à RMNR" - o que, ao contrário do que sustenta e tem praticado a reclamada, só pode mesmo significar que os empregados sujeitos a condições especiais ou mais gravosas de trabalho poderão receber uma remuneração global e final superior à recebida pelos empregados que estejam no mesmo nível e região, mas não submetidos a tais fatores que ensejam o pagamento de sobressalário.

    9. Por outro lado, a norma coletiva que pretendeu declaradamente atender, no âmbito da reclamada, ao princípio constitucional da isonomia de forma a acabar com os regionalismos diferenciados que desigualassem os iguais não pode escapar ao sentido e ao alcance da isonomia preconizada na Constituição Brasileira de 1988, que a consagrou como um de seus princípios fundamentais, mas no sentido da isonomia substancial, e não meramente formal. Com efeito, a isonomia, de início concebida como mero direito à "igualdade formal", na acepção de que "todos são iguais na lei" ou de que "todos são iguais perante a lei", cujo clássico sentido estático ou formal está consagrado no caput do artigo 5º do Texto Constitucional, evoluiu em busca da "igualdade material" ou "igualdade no Direito", cujo sentido dinâmico foi também claramente estabelecido no inciso III de seu artigo 3º, na acepção de competir ao Direito promover a igualação dos iguais e o tratamento diversificado apenas daqueles que se diversificam, segundo critérios de justiça racionalmente postos e suficientemente motivados, de forma a alcançar o equilíbrio justo e a igualdade material, e não meramente formal.

    10. É com essa finalidade de equilibrar situações desiguais e de proporcionar a igualdade material que o nosso Texto Fundamental consagrou, em favor de todos os trabalhadores, direitos sociais substanciais e fundamentais de caráter cogente, os quais, portanto, não podem ser suprimidos, como o direito à remuneração do trabalho noturno superior à do diurno e o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas. Por essas razões, deve ser afastada a interpretação defendida pela empregadora, de eleger como parâmetro a igualdade meramente formal para a concessão de...

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