Acórdão Inteiro Teor nº RR-115600-80.2008.5.06.0007 TST. Tribunal Superior do Trabalho Conselho Superior da Justiça do Trabalho, 5 de Febrero de 2014

Data05 Fevereiro 2014
Número do processoRR-115600-80.2008.5.06.0007

A C Ó R D Ã O

  1. Turma GMRLP/gbq/jl RECURSO DE REVISTA. JOGO DO BICHO - CONTRATO DE TRABALHO - NULIDADE. Para a validade do contrato de trabalho, como qualquer ato jurídico, além do agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei, há que se observar a licitude do seu objeto (artigo 104 do Código Civil). O não atendimento desse requisito enseja a nulidade do ato, tal como previsto no inciso II do artigo 166 do Código Civil. Recurso de revista conhecido e provido. Prejudicada a análise dos temas remanescentes.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-115600-80.2008.5.06.0007, em que é Recorrente SEVERINO DA SILVA BEZERRA e Recorrida FABRÍCIA DOS SANTOS SOUZA.

O Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, mediante o acórdão de págs. 195/217 de seq. 01, não conheceu do recurso ordinário de Severino da Silva Bezerra por inadmissibilidade (inexistência de interesse jurídico-processual e existência de fato impeditivo), nas partes em que o recorrente versou sobre recolhimento imediato de depósitos do FGTS e pagamento de gratificações natalinas de 2006 e 2007, rejeitou a preliminar de nulidade da sentença e deu parcial provimento ao recurso ordinário de Severino da Silva Bezerra para absolver a recorrente do pagamento da multa de 1% (um por cento) sobre o valor da causa e arbitrar o decréscimo em R$ 170,00 (cento e setenta reais).

Opostos embargos de declaração pelo reclamado, às págs. 223/225 de seq. 01, o Tribunal Regional, às págs. 233/237 de seq. 01, rejeitou-os.

Inconformado, o reclamado interpõe recurso de revista, às págs. 239/261 de seq. 01. Postula a reforma do decidido quanto aos seguintes temas: 1) jogo do bicho - contrato de trabalho - nulidade, por violação aos artigos 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, 104 e 166 do Código Civil de 2002 e 82 e 145 do Código Civil de 1916, por contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 199 da SBDI-1 desta Corte e por divergência jurisprudencial; 2) multa de 40% do FGTS - indenização, por violação aos artigos 15 e 26, parágrafo único, da Lei nº 8.036/90 e 27 do Decreto nº 99.684/90; 3) indenização relativa ao seguro-desemprego e multa do artigo 477 da CLT, por violação ao artigo 477 da Consolidação das Leis do Trabalho e por divergência jurisprudencial.

O recurso foi admitido pelo despacho de págs. 269/271 de seq. 01.

Não foram apresentadas contrarrazões, conforme certidão de pág. 275 de seq. 01.

Sem remessa dos autos à d. Procuradoria-Geral do Trabalho, nos termos do artigo 83, §2º, II, do Regimento Interno do TST.

É o relatório.

V O T O

Recurso tempestivo (acórdão publicado em

25/08/2010, conforme certidão de pág.

235 de seq. 01, e recurso de revista protocolado à pág.

239 de seq. 01, em 02/09/2010), subscrito por procurador habilitado (procuração à pág.

55 de seq. 01), preparo correto (depósitos recursais às págs. 173, 175 e 265 de seq. 01 e custas processuais às págs.

169, 171 e 263 de seq. 01), o que autoriza a apreciação dos seus pressupostos específicos de admissibilidade.

1 - JOGO DO BICHO - CONTRATO DE TRABALHO - NULIDADE

CONHECIMENTO

O reclamado sustenta que, por explorar a atividade do "jogo do bicho", não pode ter mantido relação de emprego com a reclamante. Aponta violação aos artigos 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, 104 e 166 do Código Civil de 2002 e 82 e 145 do Código Civil de 1916 e contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 199 da SBDI-1 desta Corte. Colaciona arestos.

O Tribunal Regional, em sede de recurso ordinário, deixou consignado, in verbis:

"Preliminarmente não conheço do recurso por inadmissibilidade (inexistência de interesse jurídico-processual), na parte em que a recorrente versa sobre o recolhimento imediato das importâncias devidas ao FGTS (artigo 26, parágrafo único, da Lei nº 8.036/91), uma vez que essa providência lhe é prejudicial, inclusive, porque implica o pagamento de multa (artigo 22 desse mesmo diploma legal).

Não conheço também do recurso por inadmissibilidade (existência de fato impeditivo), na parte que a recorrente trata sobre o pagamento de gratificações natalinas de 2006 e 2007, porque esse fato não foi proposto ao juízo de primeiro grau e não houve demonstração de força maior (artigo 517 do CPC).

(...)

MÉRITO:

O plenário deste Tribunal Regional do Trabalho, ao apreciar incidente de uniformização de jurisprudência sobre a matéria em discussão, decidiu, pela maioria absoluta dos votos dos seus membros, que a declaração de nulidade de contrato de trabalho decorrente do denominado 'jogo do bicho' não tem efeitos retroativos. O entendimento foi cristalizado na Súmula nº 12, assim redigida:

'CONTRATO DE EMPREGO. ILICITUDE DO OBJETO. TRABALHO VINCULADO AO JOGO DO BICHO. CONTRAVENÇÃO PENAL. NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS RETROATIVOS. Configurados os requisitos do contrato de emprego, hão de ser assegurados ao trabalhador os direitos constitucionais por força dos princípios da dignidade humana, da irretroatividade da declaração das nulidades no âmbito do Direito do Trabalho e da primazia da realidade por tratar-se, o jogo do bicho, de atividade socialmente arraigada e tolerada pelo Poder Público' (Resolução Administrativa nº TRT-17/2008, publicada pela terceira vez no Diário Oficial do Estado de Pernambuco de 28 de janeiro de 2009).

Na oportunidade, contribui com meu voto na formulação dessa tese jurídica, pois, não obstante se trate de contrato de trabalho cujo objeto foi classificado, no milênio passado, como contravenção penal -- uma vez que vinculado à exploração do jogo do bicho (atividade econômica que é praticada atualmente, de forma análoga aos jogos lotéricos da Caixa Econômica Federal, com permissão expressa ou tácita dos poderes públicos) --, os direitos sociais são assegurados ao trabalhador não só por força do disposto no artigo 7º da Constituição da República (normas dotadas de máxima efetividade), mas, também, do princípio constitucional fundamental da dignidade humana e pela impossibilidade -- já proclamada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do AI-529.694, relator o Ministro Gilmar Mendes -- de efeitos retroativos da declaração de nulidade.

Com efeito, posto que não se tratasse de contrato de trabalho relativo ao 'jogo do bicho' e sim de contrato de trabalhador rural menor de quatorze anos, o Supremo Tribunal Federal declarou, expressamente, a impossibilidade de efeitos retroativos da declaração de nulidade de contratos trabalhistas, e afirmou, ainda, o tratamento similar dado à matéria no México, Alemanha, França e Itália. E arrematou, com base na hermenêutica constitucional, que norma de garantia do trabalhador não se interpreta em seu detrimento.

No voto condutor do acórdão desse precedente, o Ministro Gilmar Mendes assim se expressou:

'(...)

Sobre o tema, destaque-se parecer que ofereci na qualidade de membro do Ministério Público Federal, no RE 104.654, de 29.01.85:

'A Constituição Federal, em seu art. 165, inciso XVI, assegura ao trabalhador o direito à previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro - desemprego, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado. Trata--se de preceito que concretiza o Estado Social em um dos seus aspectos mais relevantes, outorgando diretamente ao trabalhador o direito à previdência social, nos termos nele explicitados.

  1. E como se constata, não se está diante apenas de uma norma que, de forma ampla, tem por escopo dar uma conformação justa e equânime às relações sociais, mas, efetivamente, de princípio assegurador de um direito subjetivo. É o que ensina José Afonso da Silva, in verbis:

    'À Constituição vigente regula diretamente os direitos dos trabalhadores, no art. 165, onde estatui em termos inequívocos:

    'A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes

    - direitos, além de outros que, nos termos da lei visem à melhoria de sua condição social'. Não parece haver dúvida, todos os direitos constantes dos incisos daquele artigo (salvos os direitos indicados nos itens V e XVIII, ainda programáticos) foram diretamente conferidos pelo constituintes aos trabalhadores reservando-se, além deles, outros que, programaticamente, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social.

    Nem se diga que há direitos, entre os previstos, que não podem ser aferidos de imediato como o da

    'assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva' (art. 165, n° xv). Pode ser problemático e até difícil o cumprimento' do dever contraposto a este direito. Mas aos trabalhadores corre um reconhecimento de sua exigibilidade, podendo, para tanto, recorrer as vias judiciais, para constranger as instituições de previdência ao adimplemento da prestação assistencial prevista.(Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 1982, pp. 178/179).

  2. Em face dessas conclusões, cumpre indagar se a eventual nulidade do contrato de trabalho é...

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