nº 2001.01.00.046953-4 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Terceira Turma, 27 de Octubre de 2004

Data27 Outubro 2004
Número do processo2001.01.00.046953-4
ÓrgãoTerceira turma
Appeal TypeApelação Criminal

Assunto: Genocídio - Lei 2889/56

Autuado em: 26/11/2001 14:59:13

Processo Originário: 910001720-5/am

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.01.00.046953-4/AM RELATOR: JUIZ OLINDO MENEZES

APELANTE: WANDERLEY PENHA DO NASCIMENTO (RÉU PRESO)

APELANTE: LUIZ MURAIARES PEREIRA (RÉU PRESO)

APELANTE: JOÃO DOS SANTOS SILVA (RÉU PRESO)

APELANTE: JONAS GONÇALVES PONTES (RÉU PRESO)

APELANTE: MODESTINO SOUZA DE ASSIS (RÉU PRESO)

ADVOGADO: GEDEON ROCHA LIMA

APELANTE: OSCAR DE ALMEIDA CASTELO BRANCO (RÉU PRESO)

ADVOGADO: JOSÉ GILBERTO DE SOUZA LUZEIRO

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADOR: SÉRGIO MONTEIRO MEDEIROS

ACÓRDÃO

Decide a Turma, à unanimidade, dar provimento à apelação do acusado Oscar de Almeida Castelo Branco, para absolvê-lo das imputações da denúncia; por maioria, dar parcial provimento à apelação dos demais acusados, para reduzir-lhes a pena para 12 (doze) anos de reclusão; e, a unanimidade, estender o resultado do julgamento aos acusados que não apelaram, ou que tenham desistido do recurso interposto.

  1. Turma do TRF da 1ª Região - 27/10/2004.

Juiz OLINDO MENEZES, Relator

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.01.00.046953-4/AM

APELANTES: WANDERLEY PENHA DO NASCIMENTO (RÉU PRESO)

: LUIZ MURAIARES PEREIRA (RÉU PRESO)

: JOÃO DOS SANTOS SILVA (RÉU PRESO)

: JONAS GONÇALVES PONTES (RÉU PRESO)

: MODESTINO SOUZA DE ASSIS (RÉU PRESO)

: OSCAR DE ALMEIDA CASTELO BRANCO (RÉU PRESO)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

O EXMO. SR. JUIZ OLINDO MENEZES (Relator): - Cuida-se de apelação interposta por WANDERLEY PENHA DO NASCIMENTO, LUIZ MURAIARES PEREIRA, JOÃO DOS SANTOS SILVA, JONAS GONÇALVES PONTES, MODESTINO SOUZA DE ASSIS e OSCAR DE ALMEIDA CASTELO BRANCO (cf. peças de fls. 1705 - 1720), inconformados com a sentença de fls. 1509 - 1594, que os condenou nas penas do crime de genocídio - o primeiro a 25 anos, o último a 24 anos e os demais a 20 anos de reclusão - , definido na Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, perpetrado contra indígenas da etnia Tikuna. Segundo a denúncia, oferecida na 1ª Vara Federal - AM, contra catorze pessoas:

"Consta dos autos que por volta das 8:30 horas do dia 28 de março de 1988, vários índios da etnia Tikuna, das comunidades de PORTO ESPIRITUAL, PORTO LIMA, BOM PASTOR e SÃO LEOPOLDO, dirigiram-se à casa do índio FLORES, localizada numa gleba conhecida como "Boca do Capacete", a fim de darem solução ao desaparecimento de um boi, aguardando, para tanto, a chegada do advogado da FUNAI e dos Capitães das respectivas Comunidades que haviam se deslocado até o Município de Tabatinga para contactarem com as autoridades.

  1. Quando ali ainda permaneciam, por volta das 13:00 horas, sem que as pessoas aguardadas tivessem chegado, vários civilizados fizeram-se presentes no local, armados, desencadeando um massacre que resultou na morte comprovada de quatro indígenas.

  2. Conforme declaração de um dos civilizados que participou da chacina (FRANCISCO RODRIGUES DE SOUZA), e assim afirmaram as vítimas baleadas que conseguiram sobreviver, se faziam presentes no local várias mulheres e crianças indígenas.

  3. Apesar de não estarem com ânimo de causarem qualquer lesão ou entrarem em confronto bélico com os civilizados, foram os indígenas massacrados numa verdadeira chacina que manifestou a vontade de destruição de parte de grupo nacional étnico.

  4. Na chacina, conforme se verifica nos autos persecutórios anexos, concentraram-se no pólo ativo civilizado, residentes no Município de Benjamin Constant, e no pólo passivo indígenas, tendo sido esses vítimas do massacre que teve sua origem no fato deles serem da etnia Tikuna, detentora de usufruto de área tradicionalmente por eles ocupadas e habitada em caráter permanente.

  5. Dentre as pessoas que participaram de forma direta e indireta do crime, foram identificados os denunciados acima nominados, os quais demonstram que se associaram previamente para o confronto na arregimentação de pessoas com o fim de aproveitarem a oportunidade da reunião das Comunidades da etnia Tikuna, acima referidas, e dizimarem parte de seu povo, usando de uma estratégia de provocação para legalizar a consumação do fato pela legítima defesa, o que não ocorreu em virtude dos indígenas não esboçarem qualquer atitude violenta, tendo sido, mesmo assim, perseguidos e caçados."

    Na seqüência, a peça inaugural, oferecida em 16 de dezembro de 1991, passa a descrever a participação de cada um dos 14 acusados, terminando por afirmar que:

    "Patente a materialidade, ressaltando-se evidente a autoria, pois foram os membros das Comunidades Indígenas PORTO ESPIRITUAL, PORTO LIMA, BOM PASTOR e SÃO LEOPOLDO - todas da etnia Tikuna - perseguidos e massacrados por civilizados, resultando da chacina a morte comprovada de quatro indígenas - NATALINO MANOEL JOAQUIM, JUCA LUCIANO, MARCO ANÍSIO GALDINO e RAIMUNDO MARIANO -, lesão corporal em dezoito indígenas, inclusive em criança (fls. 53), mais o desaparecimento de vários índios - tendo sido seus corpos, provavelmente, levados pela correnteza do rio - dentre os quais podemos citar VALENTIN, BATISTA, de 12 anos de idade, DEPAN de seis anos de idade, LOURENÇO e JORDÃO, despontando, assim, a prática de genocídio." (Cf.

    denúncia, fl. 05, item 21.)

    Sustentam os 5 (cinco) primeiros recorrentes, na peça apelatória de fls. 1705 - 1716, em resumo, preliminarmente, que houve cerceamento de defesa, pois o seu defensor, mesmo regularmente constituído, não teve oportunidade de retirar os volumosos autos da Secretaria, sendo-lhe permitido somente a consulta no recinto do órgão, o que foi humanamente impossível, dada a grande movimentação de pessoas no local; e que o seu defensor nunca foi intimado dos atos processuais, tendo o juízo, por outro lado, nomeado defensores dativos a acusados que tinham defensores constituídos.

    No mérito, afirmam que durante muitos anos os ribeirinhos tidos como civilizados viveram em harmonia com os indígenas da etnia Tikuna, oriunda do Peru e que ao longo do tempo desceu o Rio Amazonas daquele País para as terras brasileiras, sendo mesmo comuns os casamentos entre indígenas e os chamados civilizados; que isso aconteceu até que chegaram à região organizações internacionais de "proteção" aos índios, com os mais diferentes nomes, entre elas a FUNAI, quando os Tikunas, insuflados por tais instituições, passaram a hostilizar os civilizados, invadindo suas terras, muitas das quais com centenários títulos de domínio, ameaçando expulsá-los, fazendo com que todos andassem assombrados com as ameaças, ensejando seguidos pedidos de providências às autoridades federais e estaduais de Tabatinga - AM, para evitar as invasões e saques de mantimentos e móveis nas suas propriedades; e que os indígenas, nessas oportunidades, sempre usavam a técnica da canoada, pela qual enchiam suas canoas de mulheres, crianças, gatos, cães e animais domésticos e simplesmente encostavam nas propriedades dos "civilizados" e delas os expulsavam, deixando-os ao relento e sem ter para quem apelar.

    Prosseguindo, afirmam que nesse clima é que um inconseqüente advogado da FUNAI insuflou os Tikunas a promover a "reunião do boi", envolvendo 150 índios, exatamente nas terras do agricultor civilizado OSCAR CASTELO BRANCO - um dos recorrentes -, no lugar denominado "Boca do Capacete", onde residiam e trabalhavam dezenas de agricultores posseiros, que tudo podiam admitir, menos perder suas casas, bens, posses e sua história; que, para essa reunião, no dia 28/03/1988, os silvícolas, em cinco canoas movidas a motor, chegaram à casa do índio Flores, nas terras de OSCAR CASTELO BRANCO, em momento em que este não estava presente, tendo aguardado - eles os apelantes - por mais de duas horas para saber o que eles queriam; e que, nesse clima, o posseiro DAMIÃO FRANCO, um dos condenados, houve por bem dirigir-se aos indígenas para saber o motivo da sua presença, no que foi surpreendido com uma porretada nas costas, da parte de um deles, entrevero que motivou a intervenção do também posseiro JOÃO COMPRIDO, que também foi recebido a porretadas, sendo também ferido na perna por facão.

    Em tais circunstâncias - dois posseiros sendo agredidos violentamente pelos índios -, observam que o menor de 15 anos VALNEY RODRIGUES FERREIRA, filho de uma índia Tikuna com o apelante JONAS GONÇALVES PONTES, armou-se de uma espingarda e a disparou, tentando afugentar os agressores, gerando-se daí um conflito generalizado, com a intervenção de outros posseiros, do que resultou a morte de quatro indígenas e ferimentos em outras pessoas, dos dois lados; e que o fato ocupou espaço na imprensa mundial, tendo os apelantes, a parte mais fraca no processo, diante do poder da mídia, das instituições nacionais e internacionais de "proteção aos índios", sido transformados em genocidas e condenados a penas exacerbadas, quando os indígenas é que provocaram o conflito.

    Nesse ponto - aplicação da pena -, e finalizando o recurso, sustentam que, prevalecendo a vontade da mídia nacional ou internacional, a sentença lhes impôs pesadas penas, deixando de lado a condição de homens primários e sem antecedentes criminais, com famílias constituídas e residências fixas, pois, num tipo onde o mínimo legal é de 12 anos de reclusão, receberam penas entre 20 e 25 anos de reclusão, sem a devida justificativa, pedindo a absolvição ou, sucessivamente, que seja a pena privativa de liberdade reduzida para o mínimo legal de 12 anos.

    O recorrente OSCAR DE ALMEIDA CASTELO BRANCO, na peça apelatória de fls. 1718 - 1720, alega, preliminarmente, que o Ministério Público Federal, descumprindo a lei, arrolou testemunhas além do permitido, ensejando a nulidade do processo, que também ocorreria, segundo sustenta, pelo fato de terem sido anexados aos autos peças processuais produzidas por entidades estranhas ao processo. Ainda em preliminar, argúi a incompetência do juiz singular para o processo e julgamento, que competiria ao Tribunal do Júri, nos termos da Constituição Federal.

    No mérito, afirma, pedindo a absolvição, que não cometeu o crime de genocídio, até...

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