Acórdão nº 2004/0066346-8 de CE - CORTE ESPECIAL

Magistrado ResponsávelMinistro HAMILTON CARVALHIDO (1112)
EmissorCE - CORTE ESPECIAL
Tipo de RecursoAção Penal

AÇÃO PENAL Nº 329 - PB (2004/0066346-8)

RELATOR : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU : M.A.S.M.
ADVOGADO : LUÍS ALEXANDRE RASSI E OUTRO

EMENTA

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. NOTÍCIA ANÔNIMA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO PROMOTOR NATURAL E DA INDIVIDUALIZAÇÃO DAS AÇÕES. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. NULIDADES. INOCORRÊNCIA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. ATIPICIDADE. PREVARICAÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. ATIPICIDADE. USURPAÇÃO DE FUNÇÃO PÚBLICA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. SUJEITO ATIVO. CABIMENTO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 43/2002. JUSTA CAUSA À AÇÃO PENAL. DENÚNCIA PARCIALMENTE RECEBIDA. AFASTAMENTO DO CARGO.

  1. Notitia criminis anônima, quando se entenda de atribuir-lhe efeito constitutivo-negativo de natureza processual penal, não é, sic et simpliciter, a notícia apócrifa, mas, sim, a notícia sem autoria que traz à luz fato desconhecido, visando à instauração da persecutio criminis.

  2. Em sendo objeto da notitia criminis fato público de conhecimento geral, qual seja, lei complementar, sancionada e feita publicar e republicar na Imprensa Oficial do Estado da Paraíba, pelo Presidente do Tribunal de Justiça, quando no exercício do cargo de Governador, sem a existência de projeto de lei discutido, votado e aprovado pela Assembléia Legislativa, de iniciativa privativa da Corte Estadual de Justiça, não há falar em notícia anônima.

  3. Os Desembargadores, nos crimes comuns e de responsabilidade, titularizam privilégio de foro, que lhes assegura o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo a investigação e a ação penal da atribuição do Ministério Público Federal.

  4. Os Subprocuradores-Gerais da República, na ações penais originárias fluentes neste Superior Tribunal de Justiça, atuam por delegação do Procurador-Geral da República, incabendo falar em ausência de livre distribuição do procedimento prévio perante a Procuradoria-Geral da República e violação da Resolução nº 33/97, do Conselho Superior do Ministério Público Federal. Precedentes do STF.

  5. Em que pese à natureza jurídica controvertida dos crimes de responsabilidade, a regra geral da iniciativa popular à instauração do processo de desqualificação funcional não é aplicável nas pretensões deduzidas perante o Poder Judiciário, cuja apuração judicial, neste e nos crimes de falsificação de documento público, prevaricação e usurpação de função pública, também imputados ao denunciado, está sujeita à ação penal pública, da atribuição exclusiva do Ministério Público. Precedentes do STF.

  6. A própria Lei nº 1.079/50, no seu artigo 3º, prevê a dupla qualificação jurídico-penal do mesmo fato, a caracterizar crime de responsabilidade e crime comum, e ensejar apuração no mesmo procedimento inquisitorial e cumulação de ação penal de natureza pública.

  7. Não comete o Desembargador crime de responsabilidade, senão nos delitos próprios de que cuida o parágrafo único do artigo 39-A da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, incluído pela Lei nº 10.028, de 19 de outubro de 2000.

  8. A norma extensiva do parágrafo único do artigo 39-A da Lei nº 1.079/50, à luz de sua inequívoca e peremptória letra, diz respeito exclusivamente ao caput do seu artigo 39-A, restando assim excluída, a aplicação analógica do artigo 39 da Lei nº 1.079/50 aos Desembargadores, só alcançados pela lei especial quando Presidentes ou no exercício da Presidência e apenas relativamente às condutas tipificadas no artigo 10 da Lei dos Crimes de Responsabilidade, estranhas à denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal.

  9. Para configuração da prevaricação, tipificada no artigo 319 do Código Penal, reclama a norma penal um fim específico desejado pelo agente, elemento subjetivo do tipo, que constitui elementar da própria estrutura do delito e vem a ser a satisfação de interesse ou sentimento pessoal.

  10. Em se ressentindo a denúncia do fato que se assenta o agir específico do agente, impõe-se a declaração de inépcia da acusatória inicial, visto que, em verdade, a um só tempo, não imputou o crime de prevaricação como definido na lei penal e desatendeu o comando inserto no artigo 41 do Código de Processo Penal, estatuto de validade da denúncia, de rigoroso atendimento. Precedentes do STJ.

  11. Inocorre a imitatio veritatis, elemento característico do delito de falsidade documental, relativamente a lei complementar, que sem a existência de projeto de lei discutido, votado e aprovado pela Assembléia Legislativa, de iniciativa privativa da Corte Estadual de Justiça, foi sancionada e feita publicar e republicar na Imprensa Oficial do Estado da Paraíba, pelo Presidente do Tribunal de Justiça, quando temporariamente no cargo de Governador, em flagrante violação do que determina a Constituição Federal, a Constituição Estadual, o Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Paraíba e a própria Lei de Organização Judiciária.

  12. O crime de usurpação de função pública, em não se tratando de crime próprio, pode ser praticado por funcionário público, desde que usurpe função estranha à sua.

  13. "Sujeito ativo do crime, na conformidade da epígrafe do capítulo em que figura o art. 328, há de ser o particular (extraneus); mas é bem verdade que a este se equipara quem, embora sendo funcionário público, não está investido na função de que se trate. Como justamente adverte Sabatine (ob. cit., pág. 403), o funcionário que usurpa função estranha à sua 'agisce come um qualsiasi privato, anche se indirettamente si possa prevalere della qualittà di pubblico ufficiale per commettere il delitto'." (Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. IX, 2ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1959, pág. 409).

  14. Sancionando e publicando o Desembargador lei complementar, sem a existência de projeto de lei discutido, votado e aprovado pela Assembléia Legislativa, de iniciativa privativa da Corte Estadual de Justiça, e, por isso, a declaração de inconstitucionalidade, pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, impõe-se o afastamento peremptório da alegação de falta de tipicidade penal da conduta e assegura a justa causa para a ação penal.

  15. E que se cuide de competência legislativa, a que teria usurpado o Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça, ao sancionar e publicar a Lei Complementar nº 43/2002, quando no exercício temporário do cargo de Governador do Estado da Paraíba, certifica-o a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, pois que criou e modificou artigos, inseriu, suprimiu e modificou incisos, inseriu e modificou alíneas, nada importando a pré-existência ou não de órgão ou ato normativo, que, de qualquer modo, é questão de prova, cuja análise intensa e extensa é própria do meritum causae.

  16. A gravidade do delito, usurpação de função pública, substanciada na sanção de lei complementar, sem a existência de projeto de lei discutido, votado e aprovado pela Assembléia Legislativa, de iniciativa privativa da Corte Estadual de Justiça, praticada no exercício temporário do cargo de Governador do Estado da Paraíba, decorrente da qualidade então ostentada pelo denunciado, Presidente do Tribunal de Justiça, a comprometer o exercício da função judicante e todo o Poder Judiciário, em sua dignidade, autoriza e determina o seu afastamento do cargo, como na letra do artigo 29 da Lei Complementar nº 35/79.

  17. Denúncia parcialmente recebida. Afastamento do cargo.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, rejeitar as questões preliminares. No mérito, por maioria, receber parcialmente a denúncia em relação ao crime previsto no artigo 328 do Código Penal. Vencidos os Srs. Ministros Nilson Naves e H.G. deB. Também, por maioria, determinar o afastamento do réu de seu cargo, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencido o Sr. Ministro Nilson Naves. Os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, T.A.Z., A. deP.R., Ari Pargendler, José Delgado, F.G., C.A.M.D., Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Aldir Passarinho Junior e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior foi substituído pela Srª Ministra Nancy Andrighi.

    Brasília, 20 de setembro de 2006 (Data do Julgamento)

    MINISTRO Barros Monteiro, Presidente

    MINISTRO Hamilton Carvalhido, Relator

    AÇÃO PENAL Nº 329 - PB (2004/0066346-8)

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO (Relator):

    Ação penal promovida pelo Ministério Público Federal contra M.A.S.M., Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, imputando-lhe a prática dos delitos tipificados nos artigos 297, parágrafo 1º, 319 e 328 do Código Penal e estar também incurso na sanção do artigo 2º da Lei nº 1.079/50, em cúmulo formal.

    É esta a letra da denúncia:

    "(...)

  18. O Denunciado, quando do exercício do cargo de Governador do Estado da Paraíba, sancionou e promulgou a Lei Complementar n° 43, de 2 de outubro de 2002, publicada no Diário Oficial do Estado da Paraíba do dia 3 de outubro de 2002 e republicada no Diário Oficial do dia 12 de outubro daquele mesmo ano.

  19. A referida Lei Complementar n° 43 operou significativas mudanças na Lei de Organização Judiciária do Estado da Paraíba (Lei Complementar n° 25, de 27 de junho de 1996), podendo-se mencionar as seguintes: alterou o número de juízes das Comarcas (art. 26, inc. III, e VI) e a competência dos Juízes (arts. 42, 56, 64, 70, 75-B e 76); alterou os feriados forenses (art. 145); desativou Varas (art. 322), criou cargos (art. 324); estabeleceu requisitos para criação de comarcas (art. 326); transformou juizados cíveis e criminais em juizados especiais mistos (art. 327), estabeleceu critérios para instalação de serventias (art. 329), dentre outras modificações de...

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