Decisões Monocráticas nº 16868 de STF. Supremo Tribunal Federal, 2 de Diciembre de 2013

Número do processo16868
Data02 Dezembro 2013

DECISÃO MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO.

CONSTITUCIONAL.

POLICIAIS CIVIS.

LIMITAÇÃO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE POR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

PRECEDENTES.

MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA.

PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.

Relatório Reclamação, com requerimento de medida liminar, ajuizada pelo Sindicato dos Policiais Civis de Goiás – Sinpol-GO, em 29.11.2013, contra decisões proferidas no Mandado de Segurança Preventivo n. 293458-13.2013.8.09.0000 (201392934583) e na Ação Civil Pública n. 406100-26.2013.8.09.0000 (201394061005) pelo Tribunal de Justiça de Goiás, que teria descumprido as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Injunção n. 708, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.652 e no Agravo de Instrumento n. 853.275.

O caso 2.

Em 17.8.2013, o Sindicato dos Policiais Civis de Goiás – Sinpol-GO impetrou mandado de segurança contra atos do Governador do Estado de Goiás, do Secretário de Estado da Segurança Pública e Justiça de Goiás, do Chefe do Departamento de Polícia Judiciária de Goiás e do Secretário de Estado da Fazenda Fazenda Pública de Goiás, consubstanciado no Decreto estadual n. 7.964/2013, que impediria o exercício do direito de greve aos policiais civis daquele Estado.

Em 18.11.2013, o Estado de Goiás propôs ação civil pública, com requerimento de antecipação de tutela, contra o Sindicato dos Policiais Civis de Goiás – Sinpol-GO para determinar o imediato retorno dos agentes e escrivães civis do Estado de Goiás aos seus postos de trabalho, sob pena de multa processual (astreintes) por descumprimento de tal ordem, arbitrada em R$ 100.000, (cem mil reais) por dia, a ser arcada, solidariamente, pela requerida e seus membros/associados (fl. 1, doc. 61).

A medida liminar requerida no Mandado de Segurança Preventivo n. 293458-13.2013.8.09.0000 teria sido indeferida, ao fundamento de que: A tese jurídica lançada pelos impetrantes, a princípio, embora relevante, não merece guarida, por ora, porquanto, a par das plausíveis ponderações das autoridades chamadas a integrar a relação processual deflagrada, não se pode olvidar, nesse momento inicial, de cognição sumária não exauriente, dos imperativos da continuidade dos serviços serviços públicos, especialmente por se tratar o caso de atividade essencial – a segurança pública, circunstância que demanda maior rigor no exercício do direito de greve, que embora de envergadura constitucional, não se afigura absoluto.

A questão é polêmica e de ampla repercussão, exigindo cautela na sua resolução, de modo a encontrar um equilíbrio, ao menos tolerável, entre os direitos e garantias constitucionais que se conflitam.

Ademais, a matéria já está pendente de apreciação no Supremo Tribunal Federal, diante de inúmeros decretos estaduais e até mesmo federal similares ao que ora se apresenta que também estão sendo questionados frente ao direito constitucional à greve.

Noutra vertente, vale consignar que as medidas especificadas no decreto eventualmente aplicadas no exercício do direito de greve pautado nos exatos termos já declinados pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, norteado pela Lei n. 7.783/89, merecerão, por certo, pronta correção.

Nesse passo, tenho que a pretensão liminar não merece imediata acolhida, mediante a suspensão do ato atacado (doc. 32, grifos nossos). 3.

Nesta reclamação, o Reclamante informa que os agentes e escrivães de polícia civil do Estado de Goiás, cumpridas todas as formalidades legais e norteados em julgados do STF, entraram em greve e, para a surpresa de todos, o Sr.

Governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo, editou Decreto n. 7.964/2013, que trata de medidas administrativas contra greves, paralisações e ‘operações de retardamento administrativo’, ‘promovidas por servidores públicos estaduais, na prestação de atividades ou serviços públicos’, em contrariedade à Constituição Federal, Constituição Estadual de Goiás, Lei de Greve e julgados dessa Corte Maior (fl. 4).

Alega que, diante da movimentação para a deflagração do movimento paredista e em face daquele Decreto, (…) impetrou mandado de segurança em curso no TJ/GO desde o dia 19/08/2013, protocolizado sob o n. 201392934583, todavia pendente de julgamento e sem dar a devida atenção à decisão tomada pelo Supremo no Mandado de Injunção (MI) 708, em 2007.

Não houve deferimento do pedido de liminar para a suspensão dos efeitos do Decreto 7.964/2013 (fl. 4).

Sustenta que, ao não conceder liminar para suspender os efeitos do famigerado Decreto 7.964/2013, o Sr.

Relator do aludido mandado de segurança e o Sr.

Relator nos autos da ação civil pública ao conceder tutela antecipada para determinar o retorno dos agentes e escrivães de polícia civil do Estado de Goiás (…) aos seus postos de trabalho de imediato, permitiram e avalizaram, por vias indiretas, o corte de ponto destes servidores em greve, ainda que respeitados os 30% previstos em lei infraconstitucional que trata do tema na iniciativa privada (fl. 8).

Salienta que este colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2.652/DF, reconheceu que não pode ocorrer descontos na remuneração dos servidores quando a greve é motivada por atraso nos salários [e,] no AI 853.275 RG/RJ, reconheceu que a questão é de repercussão geral, daí porque não pode haver desconto dos dias parados, em razão de adesão ao movimento grevista (fl. 9).

Ressalta que o inciso VII do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 assegurou o exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis, a ser regulamentado através de lei específica.

O fato da mencionada lei nunca ter sido editada, apesar de já decorridos vários da promulgação da Carta Magna, não pode concorrer para que o exercício de um direito que se insere no rol das garantias fundamentais seja negado ou limitado por sanções pecuniárias, através de normas editadas através de Decretos e Portarias de duvidosa constitucionalidade (fl. 19).

Requer medida liminar para: a) suspender a decisão que indeferiu o pedido de liminar de suspensão dos efeitos do Decreto Estadual n. 7.964, de 14 de agosto de 2013, nos autos do mandado de segurança n. 293458-13.2013.8.09.0000 (201392934583), em trâmite na Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, de relatoria do Desembargador Relator, Dr.

Alan Sebastião de Sena Conceição; b) suspender a decisão que concedeu a tutela antecipada em favor do Estado de Goiás, com determinação dos grevistas aos seus postos de trabalho sob pena de multa diária de R$10.000,00, proferida na ação civil pública n. 406100-26.2013.8.09.0000 (201394061005), em curso na 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás; c) a suspender os efeitos do Decreto Estadual n. 7.964, de 14.8.2013, até julgamento em definitivo da presente reclamação; d) suspender o despacho de n. 1656/2013/SSP nos autos do processo administrativo 201300016002267, emitido pelo Sr.

Secretário de Segurança Pública e Justiça do Estado de Goiás, com a determinação de que lhe fosse encaminhado informações dos servidores policiais que participaram da paralisação do dia 13.8.2013, mesmo aqueles que estão cumprindo o ato normativo, que efetiva no cumprimento de 30% dos serviços em atividade, por ter caráter de cunho intimidador e de consequência; e) suspender despacho n. 2120/2013-SSP para que não sejam aplicadas penalidades e instauração de Processo Administrativo Disciplinar com o fito de punição e/ou demissão dos grevistas in comento, bem como para determinar às autoridades reclamadas que devolvam os descontos já efetuados nos salários e restabeleçam imediatamente o integral pagamento dos vencimentos dos servidores, agentes e escrivães de polícia do Estado de Goiás, no período de paralisações de advertência e enquanto perdurar a greve; f) suspender o Memorando Circular 413/2013-ASS e as Portarias n. 724/2013/2013 – GDGPC; Portaria n. 754/2013 – GDGPC; g) suspender adoção de medidas administrativas contrárias ao exercício do direito de greve; h) que as autoridades Reclamadas/Coataras ‘se abstenham de aplicar falta aos servidores grevistas, inclusive, nos dias de paralisação realizados com a notificação prévia da administração, assim como dos dias provenientes da greve deflagrada’, ‘para todos os fins de direito, até decisão final, evitando-se assim retaliações a direitos estatutários e descontos remuneratórios nos contracheques dos servidores grevistas e sanções administrativas a titulo de demissão, preventivamente, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)’ (fls. 25-26).

Pede: m) no mérito, seja confirmada a liminar, conhecida e julgada procedente a presente reclamação para cassar: m1.) a decisão que indeferiu o pedido de liminar de suspensão dos efeitos do Decreto Estadual n. 7.964, de 14 de agosto de 2013, nos autos do mandado de segurança n. 293458-13.2013.8.09.0000 (201392934583), em trâmite na Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, de relatoria do Desembargador Relator, Dr.

Alan Sebastião de Sena Conceição; m.2) a decisão que concedeu a tutela antecipada em favor do Estado de Goiás, com determinação dos grevistas aos seus postos de trabalho sob pena de multa diária de R$10.000,00, proferida na ação civil pública n. 406100-26.2013.8.09.0000 (201394061005), em curso na 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás; m.3) o Decreto Estadual 7.964/2013, bem como o despacho n. 1656/2013/SSP; 2120/2013/SSP; Memorando Circular 413/2013-ASS; Portaria n. 724/2013/2013 – GDGPC; Portaria n. 754/2013 – GDGPC (fl. 27).

Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO. 4.

O Reclamante não juntou nesta reclamação a decisão proferida na Ação Civil Pública n. 406100-26.2013.8.09.0000 pelo Tribunal de Justiça de Goiás, que determinara o retorno dos servidores grevistas aos seus postos de trabalho, sob pena de multa diária.

Contudo, para efeito de medida liminar e pela urgência da matéria determino seja a cópia daquela decisão juntada oportunamente pelo Reclamante, ou ser encaminhada com as informações pela autoridade reclamada. 5.

Quanto à alegação de que este colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2.652/DF, reconheceu que não pode ocorrer descontos na remuneração dos servidores quando a greve é motivada por atraso nos salários [e,] no AI 853.275 RG/RJ, reconheceu que a questão é de repercussão geral, daí porque não pode haver desconto dos dias parados, em razão de adesão ao movimento grevista (fl. 9).

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.652, este Supremo Tribunal deu interpretação conforme à Constituição da República à expressão ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, contida no parágrafo único do art. 14 do Código de Processo Civil, alterada pela Lei federal n. 10.358/2001, para abranger advogados públicos e privados.

Nesta análise inicial e precária, parece não haver identidade material entre o alegado direito de greve dos policiais civis do Estado de Goiás e a decisão proferida pelo Supremo Tribunal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.652.

No Agravo de Instrumento n. 853.275, o Supremo Tribunal reconheceu a repercussão geral da controvérsia sobre o desconto dos dias parados decorrente de adesão de servidor público ao movimento grevista.

No entanto, não proferiu julgamento sobre mérito dessa matéria.

O reconhecimento da repercussão geral de matéria tratada em ação ajuizada em Tribunal de Justiça não viabiliza reclamação para o Supremo Tribunal Federal.

A sistemática da repercussão geral aplica-se somente a recurso extraordinário.

No caso em exame, o Tribunal de Justiça de Goiás teria apreciado mandado de segurança e ação civil pública de sua competência. 6.

No julgamento dos Mandados de Injunção ns. 670, 708 e 712, este Supremo Tribunal decidiu que, até a edição da lei regulamentadora do direito de greve, previsto no art. 37, inc.

VII, da Constituição da República, as Leis ns. 7.701/1988 e 7.783/1989 poderiam ser aplicadas provisoriamente para possibilitar o exercício do direito de greve pelos servidores públicos.

Este Supremo Tribunal assentou também serem os Tribunais de Justiça competentes para decidir sobre a legalidade da greve e sobre o pagamento, ou não, dos dias de paralisação: os tribunais mencionados também serão competentes para apreciar e julgar medidas cautelares eventualmente incidentes relacionadas ao exercício do direito de greve dos servidores públicos civis, tais como: i) aquelas nas quais se postule a preservação do objeto da querela judicial, qual seja, o percentual mínimo de servidores públicos que deve continuar trabalhando durante o movimento paredista, ou mesmo a proibição de qualquer tipo de paralisação; ii) os interditos possessórios para a desocupação de dependências dos órgãos públicos eventualmente tomados por grevistas; e iii) as demais medidas cautelares que apresentem conexão direta com o dissídio coletivo de greve (MI 670, Redator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, Plenário, DJe 31.8.2008, grifos nossos).

Nesta análise preliminar, própria das medidas liminares, tem-se que o Tribunal de Justiça de Goiás não teria afastado a incidência das Leis ns. 7.701/1988 e 7.783/1989, mas decidido, no exercício de sua competência, que a greve deflagrada pelos policiais civis do Estado de Goiás seria ilegal. 7.

Ademais, a Instrução Normativa n. 3/2013 do Sindicato dos Policiais Civis de Goiás informa que a greve se iniciou em 17.9.2013 e que: Art. 2º Enquanto durar a GREVE o policial NÃO cumprirá determinação para lavrar nenhum dos procedimentos a seguir: I) Boletins de Ocorrência; II) Termos Circunstanciados de Ocorrência; III) Boletins Circunstanciados de Ocorrência; IV) Tomada de Termos de declarações /depoimentos; V) Interrogatórios; VI) Ordens de Missão Policial; VII) Requisição de exame de lesões corporais ao IML para fins de DPVAT (fatos atípicos); VIII) Boletim de ocorrência de furto/roubo de veículo e sua inclusão no sistema, bem como não formalizará os procedimentos para liberação de veículos ou termo de entrega de quaisquer objetos apreendidos.

IX) Relatório Policial de atividades investigativas.

X) Policiais lotados na Delegacia Virtual, não darão baixas nas ocorrências afetas àquela delegacia.

XI) Não serão lavrados nenhum procedimento nas unidades da Polícia Civil dos Vapt-Vupt. § 1º Enquanto durar a GREVE dos serviços policiais, os procedimentos excepcionados e descritos no artigo 3º desta IN, só poderão ser lavrados mediante a presença e determinação da autoridade policial (...) § 2º Nenhuma diligência investigatória será realizada, mesmo que tenha sido determinada antes da deflagração da GREVE dos serviços. § 3º Fica terminantemente proibido o deslocamento de policiais em locais de crimes, mesmo que acompanhando autoridade policial e em locais de reconstituição.

Exceto em caso de homicídio em que os agentes deverão ir ao local com a presença obrigatória do Delegado e deverão lavrar apenas o BO do fato e preencher a requisição de exame cadavérico.

Qualquer outra diligência fica vedada.

Também fica vedado aos agentes e escrivães do expediente das Delegacias participarem de quaisquer operações ou diligências fora ou dentro do expediente normal de trabalho.

Assim como estão vedadas as investigações ficam vedadas tais operações, a não ser que feitas exclusivamente com a participação de delegados.

Em casos de flagrantes os condutores serão orientados a conduzirem o preso até a central de flagrante da área. (..) d) Boletins de ocorrência APENAS de crimes HEDIONDOS e equiparados; e) Não se dará cumprimento a ordens judiciais referentes a mandados de prisão e busca e apreensão, exceto se relativos aos procedimentos descritos neste artigo, exclusivamente no prazo de conclusão do APF. (…) Art. 7º Fica suspensa toda e qualquer visita a presos recolhidos nas carceragens das Delegacias de Polícia Civil de todo o Estado e Cadeias Públicas sob responsabilidade da Polícia Civil.

Art. 8º Os Inquéritos Policiais em andamento, com investigados presos, receberá Relatório dirigido à autoridade policial na forma em que se encontrarem vedada outras diligências para conclusão. (…) Art. 12º Nos casos de determinações dirigidas aos Policiais Civis para que, durante o movimento grevista, cumpram ordens emanadas da autoridade policial, direção da Polícia Civil, Ministério Público e Poder Judiciário, o policial deverá comunicar a situação ao Comando de Paralisação, cabendo a este as deliberações e providências pertinentes ao caso. (…) As necropsias serão realizadas somente das 08h às 18h.

Os corpos serão liberados e entregues até às 18h do dia posterior à entrada para exame nas unidades de IML de todo o Estado (doc. 25, grifos nossos).

Não há prova nesta reclamação de que a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás estaria sendo cumprida com o retorno dos policiais civis aos seus postos de trabalho.

Ao contrário, em 29.11.2013, o Sindicato dos Policias Civis de Goiás noticiou, em seu sítio, que a grave ainda não teria acabado, mas apenas estaria começando A GREVE ACABOU? Não! Agora que a greve começou....

Em 2.12.2013, informou que Reunião com governo não põe fim na greve dos policiais civis (ttp://www.

sinpolgo.

org.

br).

Numa primeira análise, tem-se que se já se vão quase três meses de greve, com a paralisação de serviço essencial e indispensável à população de Goiás.

No julgamento da Reclamação n. 6.568, este Supremo Tribunal demostrou preocupação com o exercício do direito de greve por servidores públicos que exercem atividade policial.

Na assentada, o Supremo Tribunal decidiu que o direito de greve submete-se a limitações para que não seja interrompida a prestação de serviço público essencial.

Assim, é juridicamente possível ao órgão competente do Poder Judiciário definir, em cada caso, limites ou proibir o exercício abusivo do direito de greve a algumas categorias específicas de servidores públicos, em decorrência da natureza dos serviços por eles prestados, pois não se há de reconhecer exercício que ponha em risco direitos fundamentais de todos os outros cidadãos.

Confira-se o voto do Ministro Eros Grau: O SENHOR MINISTRO Eros Grau (Relator): No voto que proferi no julgamento do MI n. 712, de que fui relator, afirmei que ‘serviços ou atividades essenciais’ e ‘necessidades inadiáveis da coletividade’ não se superpõem a ‘serviços públicos’; e vice-versa.

Trata-se aí de atividades próprias do setor privado, de um lado --- ainda que essenciais, voltadas ao atendimento de necessidades inadiáveis da coletividade --- e de atividades próprias do Estado, de outro. 2.

Naquela ocasião o Supremo entendeu que a Constituição do Brasil afirma expressamente o direito de greve dos servidores públicos civis --- artigo 37, inciso VII --- e que este preceito constitucional exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia.

Reconhecida a mora legislativa, cumpriria ao Supremo suprir a omissão legislativa.

Isto há de ser dito com todas as letras: esta Corte não se presta, também quando na apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desprovidas de eficácia. 3.

Afirmei que não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89.

A esta Corte caberia traçar os parâmetros atinentes a esse exercício.

Mencionei a necessidade de assegurar-se a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, às quais a prestação continuada dos serviços públicos é imprescindível. 4.

O exame do objeto desta reclamação permitirá a esta Corte esclarecer e demarcar adequadamente o sentido mais correto e a amplitude da decisão proferida no julgamento do MI n. 712.

O direito de greve está, sim, integrado ao patrimônio jurídico dos servidores públicos.

Dada a índole das atividades que exercem, não é, todavia, absoluto. 5.

Breve exame de precedentes no direito comparado será expressivo de como a matéria é regulada em distintos sistemas constitucionais democráticos. 6.

Na Itália, a Corte Constitucional tem decidido pela impossibilidade do exercício de greve por certas categorias de agentes públicos.

Apreciou a sua aplicação a servidores incumbidos de funções de polícia judiciária e de segurança pública nas estradas.

Afirmou ser necessária, em especial no que concerne a certas atividades, a imposição de medidas adequadas à proteção de valores fundamentais objeto de proteção constitucional, quais a preservação da vida e a defesa da Pátria. 7.

A legislação italiana, corroborando as decisões da Corte, privou do direito de greve os militares e os policiais.

Reconhecendo que os interesses a serem protegidos por esses agentes públicos são de extrema relevância, o legislador italiano proibiu-lhes o exercício desse direito em termos absolutos. 8.

Na Espanha a limitação desse exercício pelos servidores públicos é disciplinada pelo art. 28.

da Constituição de 1978.

Examinando a matéria, o Tribunal Constitucional definiu que o direito de greve deve ser relativizado em hipóteses que possam gerar situações de risco.

Leis posteriores à Constituição espanhola de 1978 vedam o seu exercício pelos militares e policiais. 9.

Há ainda precedentes, na jurisprudência espanhola, no sentido de admitir-se sua proibição legal aos agentes públicos armados, vez que suas funções não podem ser equiparadas às dos demais servidores públicos. 10.

Santamaría Pastor, ao comentar a Constituição espanhola, sustenta ser subjetiva a limitação ao direito de greve.

Vale dizer, estaria diretamente relacionada às categorias que não podem ser titulares desse direito em circunstância alguma.

Além dos militares e policiais, cita ainda outra delas, a dos servidores das instituições penitenciárias. 11.

Na França, o Conselho Constitucional entendeu que o direito de greve há de ser limitado e restringido por diversos valores de índole constitucional, como o da continuidade do serviço público e o da segurança das pessoas e bens.

Ao legislador cumpre definir tais limites do direito de greve, harmonizando a defesa dos interesses profissionais e a proteção do interesse público.

Essas limitações podem inclusive consubstanciar a interdição do direito de greve dos servidores públicos que desempenham serviços essenciais9. 12.

O Conselho Constitucional proferiu decisões proibindo a certas categorias de servidores o exercício do direito de greve --- servidores que atuavam em funções relacionadas à soberania do Estado ou cumpriam atividades estratégicas.

Na França ele é vedado aos militares (Lei n. 77-662, de 13 de julho de 1972, Estatuto Geral dos Militares); aos membros das Companhias Republicanas de Segurança, a CRS (Lei n. 47-2384, de 27 de dezembro de 1947); aos policiais (Lei n. 48-1504, de 28 de setembro de 1948); aos funcionários das instituições penitenciárias (Lei n. 58-696, de 6 de agosto de 1958); aos juízes (ordonnance n. 58-1270, de 28 de dezembro de 1958; aos trabalhadores dos serviços de transmissões do Ministério do Interior (Lei de Finanças, de 31 de julho de 1978, artigo 14); aos engenheiros de estudos e de exploração da aviação civil [Lei de 17 de junho de 1971). 13.

Recorro, neste passo, à doutrina do duplo efeito, segundo Tomás de Aquino, na Suma Teológica (II Seção da II Parte, Questão 64, Artigo 7).

Não há dúvida quanto a serem, os servidores públicos, titulares do direito de greve.

Porém, tal e qual é lícito matar a outrem em vista do bem comum, não será ilícita a recusa do direito de greve a tais e quais servidores públicos em benefício do bem comum.

Não há mesmo dúvida quanto a serem eles titulares do direito de greve.

Afirmei-o em meu voto no MI n. 712.

A Constituição é, contudo, uma totalidade.

Não um conjunto de enunciados que se possa ler palavra por palavra, em experiência de leitura bem comportada ou esteticamente ordenada.

Dela são extraídos, pelo intérprete, sentidos normativos, outras coisas que não somente textos.

A força normativa da Constituição é desprendida da totalidade, totalidade normativa, que a Constituição é.

A serviço dessa totalidade que aqui estamos, neste tribunal.

Os servidores públicos são, seguramente, titulares do direito de greve.

Essa é a regra.

Ocorre, contudo --- disse-o então e não tenho pejo em ser repetitivo --- que entre os serviços públicos há alguns que a coesão social impõe sejam prestados plenamente, em sua totalidade.

Referia-me especialmente aos desenvolvidos por grupos armados.

As atividades desenvolvidas pela polícia civil são análogas, para esse efeito, às dos militares, em relação aos quais a Constituição expressamente proíbe a greve (art. 142, § 3º, IV]) 14.

É certo, além disso, que a relativização do direito de greve não se limita aos policiais civis.

A exceção estende-se a outras categorias.

Servidores públicos que exercem atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça --- onde as carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária --- e a saúde pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por aquele direito.

Aqui prevalecerá, a conformar nossa decisão, a doutrina do duplo efeito. 15.

Note-se, quanto às atividades relacionadas à prestação dos serviços de saúde --- serviço público que a iniciativa privada pode exercer livremente, nos termos do que define o artigo 199 da Constituição (isto é, independentemente de permissão ou concessão) --- que a recusa dessa prestação é inadmissível mercê, na dicção de Karl Larenz, de limitação imanente ao próprio instituto contratual.

Essa recusa contraria os bons costumes e caracterizará, em certas circunstâncias, o delito de omissão de socorro. 16.

Estou a concluir este voto, para afirmar --- e considero, neste passo, o que mencionou o reclamante, em relação à necessidade de esta Corte manifestar-se sobre a aplicação da lei de greve ‘aos ocupantes de carreiras de Estado que exercem funções públicas essenciais’ --- para afirmar que a conservação do bem comum exige que certas categorias de servidores públicos sejam privadas do exercício do direito de greve.

Em defesa dela --- a conservação do bem comum --- e para a efetiva proteção de outros direitos igualmente salvaguardados pela Constituição do Brasil.

De resto, em coerência com o que decidiu o Supremo no julgamento da ADI 3.395, afastando a competência da Justiça do Trabalho para dirimir os conflitos decorrentes das relações travadas entre servidores públicos e entes da Administração à qual estão vinculados, determino sejam os autos do Dissídio Coletivo de Greve n. 201.992008.000.02.00-7 e da Medida Cautelar n. 814.597-5/1-00 pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região encaminhados ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a quem incumbe decidir a matéria.

Julgo procedente a presente reclamação, recomendando a prudência que esta Corte não somente afirme a proibição do exercício do direito de greve pelos policiais civis do Estado de São Paulo, mas também de quantos outros servidores públicos desempenhem atividades relacionadas à manutenção da ordem pública e à segurança pública, à administração da Justiça --- aí os integrados nas chamadas carreiras de Estado, que exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária --- e à saúde pública, prejudicado o agravo regimental interposto pelo Sindicato dos Delegados do Estado de São Paulo e não-conhecido o agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Trabalho (Rcl 6.568, Relator o Ministro Eros Grau, Plenário, DJe 25.9.2009, grifos nossos).

Assim, para efeito de medida liminar, parece ter decidido o Tribunal de Justiça de Goiás nos limites de sua competência, embora em sentido contrário à pretensão do Reclamante. 8.

Pelo exposto, sem prejuízo da reapreciação da matéria no julgamento do mérito, indefiro a medida liminar pleiteada. 9.

Requisitem-se informações à autoridade reclamada (art. 14, inc.

I, da Lei n. 8.038/1990 e art. 157 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). 10.

Na sequência, vista ao Procurador-Geral da República (art. 16 da Lei n. 8.038/1990 e art. 160 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Publique-se.

Brasília, 2 de dezembro de 2013.

Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora

Partes

Reclte.(s) : Jose Pedro de Castro Barreto

adv.(a/S) : Jose Pedro de Castro Barreto

recldo.(a/S) : Juiz de Direito da Vara de ExecuÇÕes Penais do Distrito Federal

adv.(a/S) : sem RepresentaÇÃo nos Autos

intdo.(a/S) : Elaine Silva de Souza Nunes

Publica��o

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-239 DIVULG 04/12/2013 PUBLIC 05/12/2013

Observa��o

23/01/2014

legislação Feita por:(Dmp)

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT