Decisões Monocráticas nº 3164 de STF. Supremo Tribunal Federal, 10 de Diciembre de 2013

Número do processo3164
Data10 Dezembro 2013

Decisão: Cuida-se de inquérito iniciado a partir de fiscalização realizada pelo 10º Pelotão da Guarnição Especial de Polícia Militar Ambiental de Santa Catarina na empresa Bel Export Ltda., no qual se apura a possível prática dos delitos previstos nos artigos 54, § 2º, V, e 60 da Lei nº 9.605/ Realizada a fiscalização ambiental, a requerimento do Ministério Público Estadual, foi lavrado auto de infração e determinada a abertura de investigação criminal.

No curso do procedimento, constatou-se que o sócio administrador da empresa, JORGE CATARINO LEONARDELO BOEIRA, foi eleito deputado federal, ensejando, assim, a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal.

Instado a se manifestar, o Procurador-Geral da República opinou pelo reconhecimento da extinção da punibilidade, com relação ao delito previsto no art. 60 da Lei 9.605/98, e pela realização de diligências (fls. 143-146).

Cumpridas as diligências requeridas, foram os autos encaminhados ao Procurador-Geral da República, que apresentou manifestação (fls. 340-344), in verbis: O presente inquérito foi instaurado para apurar a suposta prática de crime ambiental por Jorge Catarino Leonardeli Boeira, sócio administrador da empresa Bel-Export Ltda., autuada pela Guarnição Especial de Polícia Ambiental de Santa Catarina em junho de 2007, pelas seguintes irregularidades: ‘Durante vistoria foi constatado in loco um depósito de resíduos industriais, com a presença de cavacos sujos de óleo dispostos em latões e tele-entulhos abertos a céu aberto sem a cobertura de lonas e expostos diretamente no solo sem qualquer tipo de impermeabilização conforme imagens digitalizadas nº 01, 03, 04 e 05, que seguem em anexo.

Dando continuidade à vistoria foi observada a presença de óleo industrial derramado diretamente no solo sem qualquer tipo de impermeabilização.

As estopas contaminadas com óleo estavam armazenadas em latões a céu aberto e no solo, conforme imagens 06, 07, 08.

Importante informar a existência de resíduos dispostos num latão a céu aberto, cheio de águas provenientes de chuva.

Ressalte-se que no dia da vistoria estava chovendo e pode-se notar que os efluentes gerados e contaminados pelos resíduos do processo produtivo ao deslocado por gravidade para áreas vizinhas da empresa, conforme imagem digitalizada nº 9 e 10, que seguem em anexo. (…) Considerando que os resíduos industriais Classe I Perigosos, Classe II A Não Inertes citados não estarem dispostos em conformidade com a Licença Ambiental expedida e com as normas legais, pois não estão acondicionados e armazenados em tambores metálicos, embalagens rígidas, dispostos sobre pisos e cobertos, com sistema de drenagem com dispositivos de segurança e controle ambiental para o caso de incidentes, ou seja, estão dispostos de forma incorreta causando danos ao meio ambiente e a terceiros (fls. 5-6).

O Laudo de Perícia Criminal Federal nº 279/2012/INC/DITEC/DPF, cujo objetivo era verificar se ocorreu poluição em níveis que gerassem risco à saúde humana, provocassem mortandade de animais ou a destruição significativa da flora, mediante o lançamento de resíduos em descordo com as exigências legais, não foi conclusivo (fls. 176-189): Resíduos perigosos dispostos em área sem mecanismos de controle ambiental adequados geram uma área com suspeita de contaminação, com potenciais riscos à saúde humana e ao meio ambiente.

Das descrições constantes nos documentos, o compartimento ambiental mais suscetível seria o solo sobre o qual os resíduos foram dispostos, podendo afetar a sua qualidade, expor em risco os usuários desse recurso e comprometer o seu uso atual e futuro.

As águas superficiais e subterrâneas também poderiam ser atingidas por meio da migração de líquidos contaminados provenientes dos resíduos, o que geraria contaminações com riscos de propagação espacial.

Dessa forma, outros compartimentos ambientais da área e do entorno também poderiam ser atingidos.

Porém, não constam dentre os documentos analisados informações suficientes que servissem de subsídios para afirmar se a disposição inadequada dos resíduos ocorrida em 2007 gerou poluição em níveis que resultassem riscos à saúde humana ou provocassem mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.

Para essa determinação seriam necessárias informações mais específicas, conforme relatado no subitem III.4 – Considerações sobre a análise de risco.

Essas informações normalmente são abordadas quando implementados procedimentos de gerenciamento ambiental de áreas contaminadas.

Este conjunto de medidas realizadas em áreas com indícios de contaminação visam minimizar os riscos que a população e o meio ambiente estão sujeitos nessas áreas por meio do conhecimento das suas características e dos impactos por ela gerados.

A Resolução CONAMA 420/2009 estabelece diretrizes para o gerenciamento ambiental áreas contaminadas.

A avaliação de risco é um dos procedimentos abrangidos pelo gerenciamento de áreas contaminadas, permitindo avaliar as possibilidades de um contaminante, a partir da origem da contaminação, atingir e gerar efeitos adversos às populações e biotas potencialmente receptoras.

Conforme a Resolução CONAMA 420/2009, os procedimentos de gerenciamento de áreas contaminadas são instituídos pelo órgão ambiental competente.

Os estudos específicos de investigações da área contaminada e avaliação de risco são realizados a expensas do responsável pela contaminação, a critério do órgão ambiental. (Grifos do MPF).

Instada a informar acerca da existência de algum procedimento que tivesse como objeto a avaliação de riscos da atividade desempenhada pela empresa Bel-Export Ltda., a Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina – FATMA informou que: (...) a empresa Bel-Export Ltda., localizada no Município de Criciúma, obteve a renovação de sua Licença Ambiental de Operação – LAO nº 10910/2012, junto a este órgão ambiental estadual.

Ademais, quando da realização da vistoria que objetivava a renovação da licença, não se constatou qualquer impedimento para a sua liberação. (fl. 258).

A fim de melhor esclarecer os fatos, a Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina – FATMA, novamente questionada se no ano de 2007 realizara algum procedimento de avaliação de riscos da atividade desempenhada pela empresa Bel-Export Ltda., bem como sobre a adoção de algum procedimento específico com vistas ao gerenciamento de áreas contaminadas, nos termos da Resolução nº 420, de 28 de dezembro de 2009, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, respondeu, a ambas, negativamente (fl. 337).

Esgotadas as diligências que se entende possíveis, não há nos autos, nenhum elemento que aponte para a ocorrência de dano ambiental e, por conseguinte, para a prática do crime previsto no art. 54, §2º, inciso V, da Lei n. 9.605/98, o qual exige, para a sua configuração, que a poluição alcance níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.

Assim sendo, requereu o arquivamento do feito, nos termos do art. 18 do Código de Processo Penal, uma vez que, realizadas as diligências possíveis, não houve comprovação da materialidade do delito constante no art. 54, §2º, inciso V, da Lei nº 9.605/98.

É o breve relatório.

Passo a decidir.

Na hipótese de existência de pronunciamento do Chefe do Ministério Público Federal pelo arquivamento do inquérito, tem-se, em princípio, um juízo negativo acerca da necessidade de apuração da prática delitiva exercida pelo órgão que, de modo legítimo e exclusivo, detém a opinio delicti a partir da qual é possível, ou não, instrumentalizar a persecução criminal.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assevera que o pronunciamento de arquivamento, em regra, deve ser acolhido sem que se questione ou se entre no mérito da avaliação deduzida pelo titular da ação penal (Cf.

nesse sentido, as seguintes decisões: INQ nº 510/DF, Rel.

Min.

Celso de Mello, Plenário, unânime, DJ 19.4.1991; INQ nº 719/AC, Rel.

Min.

Sydney Sanches, Plenário, unânime, DJ 24.9.1993; INQ nº 851/SP, Rel.

Min.

Néri da Silveira, Plenário, unânime, DJ 6.6.1997; HC nº 75.907/RJ, Rel.

Min.

Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, maioria, DJ 9.4.1999; HC nº 80.560/GO, Rel.

Min.

Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ 30.3.2001; INQ nº 1.538/PR, Rel.

Min.

Sepúlveda Pertence, Plenário, unânime, DJ 14.9.2001; HC nº 80.263/SP, Rel.

Min.

Sepúlveda Pertence, Plenário, unânime, DJ 27.6.2003; INQ nº 1.608/PA, Rel.

Min.

Marco Aurélio, Plenário, unânime, DJ 6.8.2004; INQ nº 1.884/RS, Rel.

Min.

Marco Aurélio, Plenário, maioria, DJ 27.8.2004; INQ (QO) nº 2.044/SC, Rel.

Min.

Sepúlveda Pertence, Plenário, maioria, DJ 8.4.2005; e HC nº 83.343/SP, 1ª Turma, unânime, DJ 19.8.2005).

Esses julgados ressalvam, contudo, duas hipóteses em que a determinação judicial do arquivamento possa gerar coisa julgada material, a saber: prescrição da pretensão punitiva e atipicidade da conduta.

Nesse particular, é válido transcrever o inteiro teor da ementa do Inquérito nº 1.604/AL, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, que expõe essa questão com clareza: Inquérito policial: arquivamento requerido pelo chefe do Ministério Público por falta de base empírica para a denúncia: irrecusabilidade. 1.

No processo penal brasileiro, o motivo do pedido de arquivamento do inquérito policial condiciona o poder decisório do juiz, a quem couber determiná-lo, e a eficácia do provimento que exarar. 2.

Se o pedido do Ministério Público se funda na extinção da punibilidade, há de o juiz proferir decisão a respeito, para declará-la ou para denegá-la, caso em que o julgado vinculará a acusação: há, então, julgamento definitivo. 3.

Do mesmo modo, se o pedido de arquivamento - conforme a arguta distinção de Bento de Faria, acolhida por Frederico Marques , traduz, na verdade, recusa de promover a ação penal, por entender que o fato, embora apurado, não constitui crime, há de o Juiz decidir a respeito e, se acolhe o fundamento do pedido, a decisão tem a mesma eficácia de coisa julgada da rejeição da denúncia por motivo idêntico (C.

Pr.

Pen., art. 43, I), impedindo denúncia posterior com base na imputação que se reputou não criminosa. 4.

Diversamente ocorre se o arquivamento é requerido por falta de base empírica, no estado do inquérito, para o oferecimento da denúncia, de cuja suficiência é o Ministério Público o árbitro exclusivo. 5.

Nessa hipótese, se o arquivamento é requerido por outro órgão do Ministério Público, o juiz, conforme o art. 28 C.

Pr.

Pen., pode submeter o caso ao chefe da instituição, o Procurador-Geral, que, no entanto, se insistir nele, fará o arquivamento irrecusável. 6.

Por isso, se é o Procurador-Geral mesmo que requer o arquivamento como é atribuição sua nas hipóteses de competência originária do Supremo Tribunal a esse não restará alternativa que não o seu deferimento, por decisão de efeitos rebus sic stantibus , que apenas impede, sem provas novas, o oferecimento da denúncia (C.

Pr.

Pen., art. 18; Súmula 524). 7.

O mesmo é de concluir, se qual sucede no caso , o Procurador-Geral, subscrevendo-o, aprova de antemão o pedido de arquivamento apresentado por outro órgão do Ministério Público (INQ nº 1.604/AL, Rel.

Min.

Sepúlveda Pertence, Pleno, unânime, DJ 13.12.2002).

Constata-se, portanto, que apenas nas hipóteses de atipicidade da conduta e de extinção da punibilidade poderá o Tribunal analisar o mérito das alegações trazidas pelo Procurador-Geral da República.

Isso evidencia que, nas demais hipóteses, como nada mais resta ao Tribunal a não ser o arquivamento do inquérito, a manifestação do Procurador-Geral da República, uma vez emitida, já seria definitiva no sentido do seu arquivamento.

No caso, conforme se depreende, entendeu o Procurador-Geral da República que, realizadas as diligências possíveis, não houve comprovação da materialidade do delito constante no art. 54, §2º, inciso V, da Lei nº 9.605/98.

Com efeito, mostra-se irrecusável o seu acolhimento, porquanto o pedido de arquivamento do inquérito por falta de base de fato para a denúncia e inutilidade, nas circunstâncias, do prosseguimento das investigações, não tem o órgão judiciário de emitir juízo algum de mérito, de concordância ou discordância com os motivos alegados pelo titular da ação penal.

Dizia, ainda, Sepúlveda Pertence: o juiz não pode fundar a recusa do pedido irrecusável nem impor ao indiciado atividade probatória que a chefia do MP, acertadamente ou não, haja considerado desnecessária (…) À ótica do leigo, essa abstinência da Justiça pode parecer cínica: resulta, porém, de um princípio basilar do Processo Penal acusatório, que impõe confiar ao Ministério Público, por seu órgão maior, o poder e a consequente responsabilidade de decidir da propositura ou não da ação penal (HC 82.507).

Ante o exposto, na linha da orientação desta Corte, com fundamento no art. 3º, I, da Lei nº 8.038/90 e no art. 21, XV, do RISTF, acolho a manifestação do Ministério Público Federal e determino o arquivamento do presente expediente.

Publique-se.

Brasília, 10 de dezembro de 2013.

Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente

Partes

Pacte.(s) : Willian Ferreira Basto

impte.(S) : Marcos Aurelio Rodrigues dos Santos

coator(a/S)(Es) : Relatora do Hc Nº 284.156 do Superior Tribunal de JustiÇa

Publica��o

DJe-246 DIVULG 12/12/2013 PUBLIC 13/12/2013

Observa��o

30/01/2014

legislação Feita por:(Dmp)

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