Decisões Monocráticas nº 32238 de STF. Supremo Tribunal Federal, 26 de Julio de 2013

Número do processo32238
Data26 Julho 2013

Trata-se de mandado de segurança coletivo, com pedido de medida liminar, impetrado pela ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA (AMB), contra ato da Senhora Presidente da República, DILMA VANA ROUSSEFF, consubstanciado na Medida Provisória 621, de 8 de julho de 2013, que instituiu o Programa Mais Médicos e dá outras providências.

Alega a impetrante, em apertada síntese, que, para implementar as ações destinadas à ampliação de recursos humanos da área médica do Sistema Único de Saúde – SUS, descritas na referida MP, foram estabelecidas novas regras, as quais, a despeito de seu cunho social, não deveriam prevalecer, uma vez que violariam disposições da Constituição.

Sustenta que a autoridade apontada como coatora, ao promulgar a MP 621/2013, ofendeu direitos individuais consagrados constitucionalmente, como o direito ao livre exercício profissional, além de desrespeitar o devido processo legislativo para a edição de medidas provisórias e criar despesas sem a observância da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Argumenta, outrossim, que o ato impugnado carece dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência para a edição de medida provisória (art. 62, da CF).

Salienta, mais, que a necessidade de revalidação de diplomas obtidos no exterior constitui direito líquido e certo da classe médica e da população, decorrente do artigo 5º, XII da Constituição Federal, ao esclarecer que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Aduz, ainda, que, ao impor a determinados médicos, que desenvolvam sua atividade profissional, nos limites territoriais definidos pelos gestores do programa, por meio de permissão, a MP impugnada limitaria o exercício pleno da dignidade humana no exercício da prática profissional consagrado pelo inciso XIII, do art. 5º, da Constituição.

Por fim, aponta violação ao art. 37, II, da Constituição, uma vez que a Presidente da República viabilizou o ingresso de profissionais estrangeiros, para o exercício da Medicina, no Brasil, sem o devido concurso de títulos ou títulos e prova, bastando, para tanto, a participação em módulo de acolhimento e avaliação, nos termos do artigo 16 da Portaria Interministerial 1.369/2013, compelindo, ademais, o Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais de Medicina a expedirem inscrição profissional provisória.

Pede, assim, o deferimento de liminar, para suspender a aplicação da Medida Provisória 621, publicada em 8 de julho de 2013, bem como sua regulamentação prevista na Portaria Interministerial 1.369/2013 e no Decreto 8.040/2013, até o julgamento final desta ação.

No mérito, requer seja concedida a segurança, declarando nula a citada MP e as respectivas normas regulamentadoras, incluindo-se a anulação de eventual deliberação legislativa sobre esta medida provisória.

É o breve relatório.

Passo a decidir.

A Medida Provisória ora impugnada instituiu o Programa Mais Médicos e o seu primeiro artigo ostenta o seguinte teor: Art. 1º Fica instituído o Programa Mais Médicos, com a finalidade de formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde - SUS e com os seguintes objetivos: I - diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde; II - fortalecer a prestação de serviços na atenção básica em saúde no País; III - aprimorar a formação médica no País e proporcionar maior experiência no campo de prática médica durante o processo de formação; IV - ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira; V - fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas pelos médicos; VI - promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais da saúde brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras; VII - aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde do País e na organização e funcionamento do SUS; e VIII - estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS.

Segundo consta do sítio eletrônico do Ministério da Saúde (http://saúde.

gov.

br), cuida-se de uma política pública, em fase de implementação, que já conta com a inscrição de 2.552 municípios até esta quarta-feira, 24 de julho.

Tal número representa 45,8% das cidades brasileiras, com maior concentração na região Nordeste.

Consta, ainda, que, dos 2.552 municípios inscritos, 34% (867) estão na região Nordeste, de maior vulnerabilidade social e, portanto, são considerados prioritários.

O Sudeste inscreveu 652 municípios e o Sul

Norte e Centro-Oeste registraram 207 e 206, respectivamente.

Do ponto de vista regional, de acordo com o diagnóstico da Pasta, a situação é mais crítica: 22 estados estão abaixo da média nacional, sendo que cinco têm menos de um médico para cada grupo de mil habitantes.

O prazo de inscrição de municípios ao Programa Mais Médicos encerra-se hoje, 26 de julho.

O escopo da iniciativa - conforme consigna o referido sítio - é o de levar mais médicos às regiões carentes, sobretudo nos municípios do interior e na periferia das grandes cidades, concentrando-se no setor da atenção básica.

As autoridades sanitárias esclarecem que o programa em questão faz parte de um esforço para a melhoria do atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e para acelerar os investimentos em infraestrutura nos hospitais e unidades de saúde, além de ampliar o número de médicos nas áreas menos desenvolvidas do País.

O Ministério da Saúde, ao término do primeiro período de inscrições, ou seja, em 26 de julho, divulgará o número de vagas existentes em cada município interessado.

E, até o dia 28 do mesmo mês, os médicos brasileiros que aderiram ao programa poderão escolher os municípios onde pretendem trabalhar.

Em 1º de agosto o Ministério publicará a relação de médicos com registro profissional no Brasil, que terão de confirmar a sua participação e subscrever um termo de compromisso, até 3 de agosto.

Após dois dias, as opções serão confirmadas no Diário Oficial da União.

As vagas restantes serão divulgadas em 6 de agosto.

Nessa segunda etapa, o processo de escolha irá até 8 do mesmo mês e os resultados serão anunciados em 13 de agosto.

Os profissionais que atuarem no programa receberão uma bolsa federal de R$ 10 mil, paga pelo Ministério da Saúde.

Farão jus ainda a uma ajuda de custo.

Além disso, frequentarão um curso de especialização em atenção básica, ao longo dos três anos do programa.

Em contrapartida, os municípios serão responsáveis pela moradia e alimentação dos médicos e contarão ainda com recursos do Ministério para construção, reforma e ampliação das unidades básicas.

Os médicos brasileiros terão prioridade na escolha das vagas.

Apenas aquelas que não forem preenchidas por profissionais do País é que serão oferecidas aos estrangeiros.

Em que pesem os elevados propósitos da Associação Médica Brasileira (AMB), dados revelados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) demonstram que, de 2003 a 2011, o número de postos de emprego formal criados para médicos supera, em 54 mil, o número de graduados no Brasil.

Em outras palavras, foram apenas 93 mil formandos para uma demanda de 147 mil postos de trabalho médico, ainda que a oferta de vagas para Medicina no Brasil tenha crescido 62,8% nos últimos dez anos, segundo informações do Ministério da Saúde.

É que o Brasil possui apenas 1,8 médicos para cada mil habitantes, desigualmente distribuídos por suas regiões, ao contrário de outros países como a Argentina (3,2), Uruguai (3,7), Portugal (3,9), Espanha (4), Austrália (3), Itália (3,5), Alemanha (3,6) ou Reino Unido (2,7).

Outro dado relevante divulgado pelo Ministério da Saúde a respeito dos médicos estrangeiros é que, enquanto no Brasil 1,79% dos médicos formaram-se no exterior, na Inglaterra o índice é de 40%, nos Estados Unidos da América, 25%, Canadá, 17%, e Austrália, 22%.

Vê-se, pois, que o ato impugnado configura uma política pública da maior importância social, sobretudo ante a comprovada carência de recursos humanos na área médica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Assim, o cenário indica, ao contrário do sugerido na inicial, a existência de periculum in mora inverso, ou seja, o perigo na demora de fato existe, porém milita em favor da população.

Não é dado ao Judiciário, em geral, e ao Supremo Tribunal, em particular, como regra, proceder à avaliação do mérito de políticas públicas, especialmente no tocante ao reexame dos critérios de sua oportunidade e conveniência, que são objeto de decisões cobertas pelo manto da ampla discricionariedade, própria das escolhas de cunho político.

Em recente julgado, na Sessão de 8/3/2012, o Plenário desta Suprema Corte assentou que, não cabe ao Pretório Excelso discutir a implementação de políticas públicas, seja por não dispor do conhecimento necessário para especificar a engenharia administrativa necessária para o sucesso de um modelo de gestão (…), seja por não ser este o espaço idealizado pela Constituição para o debate em torno desse tipo de assunto (ADI 4.029/DF.

Rel.

Min.

Luiz Fux).

De outro lado, em um exame preliminar dos autos, próprio de um juízo cautelar, de mera delibação, constato que as razões de pedir articuladas pela Associação Médica Brasileira, parecem objetivar a declaração de inconstitucionalidade, em tese, da Medida Provisória 621, de 8 de julho de 2013, que instituiu o Programa Mais Médicos, sem apontar, todavia, nenhuma situação in concreto.

Com efeito, a AMB somente apontou inconstitucionalidades in abstracto.

Entretanto, como se sabe, o mandado de segurança não é sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade (MS 24.173-AgR/DF, Rel.

Min.

Ellen Gracie).

No mesmo sentido, cito, entre outros, os seguintes precedentes: Não se revelam sindicáveis, ela via jurídico-processual do mandado de segurança, os atos em tese, assim considerados aqueles – como as leis ou os seus equivalentes constitucionais – que dispõem sobre situações gerais e impessoais, que têm alcance genérico e que disciplinam hipóteses neles abstratamente previstas.

Súmula 266/STF.

Precedentes (RTJ 110/77).

Mandado de segurança coletivo impetrado, em caráter preventivo, contra futura aplicação de normas constantes da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Impetração contra ato em tese.

Inadmissibilidade.

Incidência da Súmula 266/STF.

Questão de ordem que se resolve no sentido do não-conhecimento da ação de mandado de segurança, restando prejudicada, em consequência, a apreciação do recurso de agravo (MS 23.785-AgR-QO/MG, Rel.

Min.

Celso de Mello).

Não compete à Suprema Corte, ademais, aferir se os requisitos de relevância e urgência para edição de medidas provisórias estão ou não presentes, salvo flagrante teratologia, desvio de finalidade ou abuso de poder, pois se trata de competência constitucionalmente atribuída ao Executivo e ao Legislativo, os quais representam diretamente a soberania popular.

E, em uma primeira análise, tais vícios não se afiguram evidentes no caso sob exame.

Recordo que, quanto à alegada ofensa ao art. 62 da Constituição, esta Suprema Corte somente admite o exame jurisdicional do mérito dos requisitos de relevância e urgência na edição de medida provisória em casos excepcionalíssimos, em que a ausência desses pressupostos seja evidente (ADI 2527-MC/DF, Rel.

Min.

Ellen Gracie) e em sede de controle abstrato de constitucionalidade.

Na espécie, todavia, não me parece juridicamente possível discutir, com certeza e liquidez, critérios políticos de relevância e urgência, na via estreita do mandado de segurança, que, de resto, sequer admite dilação probatória.

Isso porque, não cabe a impetração de mandado de segurança objetivando assegurar direito líquido e certo (…) na hipótese de o ato coator apontado se confundir com a própria adoção de medida provisória.

Situação análoga à impetração contra lei em tese (Súmula 266/STF) (MS 25.265-ED, Rel.

Min.

Joaquim Barbosa).

Ante todo o exposto, indefiro o pedido de medida liminar, ante a ausência dos requisitos indispensáveis ao seu deferimento.

Considerando a questionável opção pela via mandamental, e tendo em conta que a eventual cassação do ato impugnado – que já começou a produzir efeitos – necessariamente repercutirá na esfera jurídica de terceiros, determino à impetrante que adote, na Secretaria Judiciária desta Corte, as providências cabíveis para a promoção da citação dos litisconsortes passivos, no prazo de 30 dias, sob pena de extinção do processo, nos termos do art. 47, parágrafo único, do Código de Processo Civil e da Súmula 631 do Supremo Tribunal Federal.

Comunique-se.

Solicitem-se as informações de estilo à autoridade apontada como coatora.

Após, dê-se ciência ao Senhor Advogado-Geral da União (art. 7º, I, II, da Lei 12.016/2009).

Publique-se.

Brasília, 26 de julho de 2013.

Ministro RICARDO LEWANDOWSKI Presidente em exercício

Partes

Pacte.(s) : o D da S

impte.(S) : Ribamar de Souza Batista e Outro(a/S)

coator(a/S)(Es) : Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justica

impte.(S) : Mairton Lourenco Candido

Publica��o

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-152 DIVULG 06/08/2013 PUBLIC 07/08/2013

Observa��o

14/08/2013

legislação Feita por:(Bru)

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