Decisões Monocráticas nº 773797 de STF. Supremo Tribunal Federal, 13 de Noviembre de 2013

Número do processo773797
Data13 Novembro 2013

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

ADMINISTRATIVO.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.

INDENIZAÇÃO.

DANOS MORAIS.

PRESCRIÇÃO.

SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA.

AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE AO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

Relatório Recurso extraordinário interposto com base na alínea a do inc.

III do art. 102 da Constituição da República contra julgado da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que decidiu: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO.

DESCENDENTE DE ALEMÃES.

PERSEGUIÇÃO POLÍTICA SOB ACUSAÇÃO DE IDEAIS NAZISTAS.

TORTURA.

REPARAÇÃO DEVIDA.

PRESCRIÇÃO REJEITADA.

PRECEDENTES DO STJ.

Desprovimento do recurso de apelação da União Federal e da remessa oficial.

Parcial provimento do recurso de apelação da parte autora. 2.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts. e 97 da Constituição da República e art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.

Argumenta que No caso dos autos, a decisão recorrida vai de encontro aos arts. 2º da CRFB e 8º do ADCT da Constituição Federal que estabelece que a competência para declarar determinado ato como sendo ou não de ‘exceção, com motivação política’ remanesce com a União (Ministério da Justiça), nos termos da Lei n. 10.559/2002, não podendo ser suprida ou alterada pela atuação do Poder Judiciário, em atenção aos arts. 21, inc.

XVII, e 48, inc.

VIII, da Constituição Federal de 1988. (...) (...), não se pode deixar de reconhecer a impessoalidade do ato administrativo discutido na espécie.

A Lei n. 10.559/2002 não fornece amparo legal suficiente ao reconhecimento da condição de anistiado pleiteada, para o qual faz-se necessária a atuação superlativa do Ministério da Justiça em especificar os atos de exceção, nos termos do art. 10 do mencionado diploma legal. (...) O art. 3º, no seu parágrafo segundo, é expresso ao condicionar a reparação econômica, nas condições estabelecidas no ‘caput’ do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mediante portaria do Ministro de Estado da Justiça, após parecer favorável da Comissão de Anistia de que trata o art. 12 da Lei [n. 10.559/2002]. (...) Nesse sentido, cabe destacar que, ao integrante dessa E.

Corte, não é dado reconhecer, em decisão monocrática ou turmária, a inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal.

O reconhecimento incidental de inconstitucionalidade, ‘in casu’, fica adstrito à chamada Reserva de Plenário, prevista no artigo 97 da Constituição.

Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 3.

Razão jurídica não assiste à Recorrente.

O Desembargador Relator do caso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região observou: No mérito, afiguram-me irrefutáveis as considerações desenvolvidas no parecer do culto agente do MPF, Dr.

Domingos Sávio Dresch da Silveira, ‘verbis’: ‘Do recurso da parte autora Merece parcial provimento o recurso.

Antes de adentrar na questão relativa ao ‘quantum’ indenizatório, importante tecer algumas breves considerações acerca da ocorrência de dano moral no caso em comento.

Os danos anímicos ou morais são, nas palavras do Professor Fernando Noronha, ‘todas as ofensas que atinjam as pessoas nos aspectos relacionados com os sentimentos, a vida afetiva, cultural e de relações sociais; eles traduzem-se na violação de interesses puramente espirituais ou afetivos, ocasionando perturbações na alma do ofendido’.

Tal definição é importante para visualizarmos a ocorrência do dano moral nas circunstâncias contidas nos autos.

Com efeito, o conjunto probatório demonstra, de forma mais do que suficiente, a ocorrência da prática de atos de tortura contra o pai das autoras, descendente de alemães que viveu no Estado de Santa Catarina durante o período da Segunda Guerra Mundial.

Dispensa maiores comentários a questão acerca do sofrimento – físico e psicológico – que uma pessoa submetida à prática de tortura é obrigada a suportar.

Como se tal não bastasse, soma-se a isso a pecha de traidor da pátria/nazista que Adão Eidit ainda teve que carregar na pequena comunidade rural onde vivia, em consequência das infundadas acusações públicas contra sua pessoa.

De forma reflexa, o abalo moral sofrido pelo progenitor das autoras irradia seus efeitos para a esfera das mesmas.

É inegável a existência de prejuízos aos sentimentos, à vida afetiva, cultural e no campo das relações sociais de meninas que, à época, contavam com pouca idade e tiveram que se deparar com situação tão desumana sofrida por ente próximo.

Além de terem convivido, durante vários dias, com a incerteza do paradeiro de seu pai – tirado a força de casa –, também precisaram adequar-se à mudança ocorrida no seio familiar a partir do retorno ao lar de um homem transformado pela experiência a que foi submetido.

Essa carga de sofrimento e humilhações não se limita àquele que a sofreu, gerando, sem sombra de dúvidas, reflexos diretos no grupo familiar.

Nesse contexto, não restam dúvidas de que as apelantes, efetivamente, também foram vítimas de dano moral, o qual precisa ser reparado.

E, nesse ponto, chega-se ao cerne do recurso de apelação interposto pela parte autora: a questão referente ao ‘quantum’ a ser fixado.

Pois bem, analisando-se o valor estabelecido pela sentença e sopesando-o com a situação retratada no caso em apreço, entendo que não há qualquer modificação a ser implementada.

Em que pese a gravidade do dano sofrido – sucintamente acima descrito –, o montante equivalente a R$ 75.000,00 para cada uma das partes mostra-se bastante razoável.

É bem verdade que qualquer valor arbitrado não seria suficiente para apagar o trauma sofrido, sendo muito difícil a tarefa de mensurá-lo em pecúnia, contudo é possível encontrar um importante parâmetro no próprio processo.

Esse é o julgamento do Recurso de Apelação n. 2001.72.02.000009-0/5C, de relatoria do Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, referente à ação ajuizada pelos familiares de Antônio Klieman em caso muito semelhante ao que ora se analisa.

No referido acórdão, os integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região condenaram a União ao pagamento de indenização por danos morais aos particulares no valor de R$ 500.000,00.

Embora o precedente pareça, a princípio, conduzir a um juízo no sentido de permitir a majoração da verba fixada no presente processo, há algumas diferenças que contra isso se opõem.

A mais significativa talvez diga respeito ao que se seguiu para, cada uma das partes após a perpetração da prática de tortura.

O progenitor das autoras, de certo modo, apesar do trauma, ainda conseguiu dar continuidade a sua vida, vindo a falecer aproximadamente vinte anos depois da ocorrência dos fatos (fl. 19), Antônio Klieman teve um final mais trágico.

A esse respeito, vejamos o que anotou o ilustre colega do Ministério Público, Dr.

Elton Ghersel, nos autos do Recurso de Apelação n. 2001.72.02.000009-0/5C: ‘De volta ao lar, Antônio estava transtornado.

Dizia coisas sem nexo e achava que estava sendo perseguido, tendo acessos de fúria quando via um policial fardado.

Chegou a fazer uma espécie de ‘bunker’ em seu escritório.

Tornou-se agressivo com a mulher e os filhos, especialmente com um deles, que achava apresentar sinais do demônio.

Foi enviado para um sanatório em Porto Alegre, de onde fugiu e foi morar com parentes em Cerro Largo.

Tentou voltar para Ipatinga, mas não conseguiu viver com a família.

Retornou a Cerro Largo, onde, alguns anos depois, cometeu suicídio’.

Ademais, também cabe mencionar que o valor indenizatório fixado naquela ação há que ser dividido entre os litisconsortes ativos necessários, correspondentes pelos quatro representantes do falecido.

Assim, o ‘quantum’ indenizatório apresenta-se condizente com a realidade fática do caso tratado; inclusive se comparado ao aludido precedente, motivo pelo qual deve ser mantido no patamar fixado.

Com relação ao pedido de majoração da verba honorária, o recurso deve ser provido.

Consoante as disposições constantes no § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil: (...).

Ora, considerando-se os critérios acima definidos para o arbitramento da verba honorária, sobretudo o definido na letra ‘c’, o percentual de 10% sobre o valor da condenação parece mais justo tendo em conta a natureza e a importância da causa tratada.

Do recurso da União.

Primeiramente, cumpre afastar a alegação de prescrição, na forma do Decreto n. 20.910/1932.

É que, em se tratando de reparações decorrentes de violação de direitos fundamentais – sobretudo casos de tortura e morte –, a regra é a imprescritibilidade da ação.

Nessa linha, tem o Superior Tribunal de Justiça firmado forte posição, como se observa pelo precedente abaixo: ‘ADMINISTRATIVO.

ATIVIDADE POLÍTICA.

PRISÃ0 E TORTURA.

INDENIZAÇÃO.

LEI N. 9.140/1995.

INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO.

REABERTURA DE PRAZO. 1.

Ação de danos morais em virtude de prisão e tortura por motivos políticos, tendo a r.

sentença extinguido o processo, sem julgamento do mérito, pela ocorrência da prescrição, nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.

O decisório recorrido entendeu não caracterizada a prescrição. 2.

Em casos em que se postula a defesa de direitos fundamentais, indenização por danos morais decorrentes de atos de tortura por motivo político ou de qualquer outra espécie, não há que prevalecer a imposição quinquenal prescritiva. 3.

O dano noticiado, caso seja provado, atinge o mais consagrado direito da cidadania: o de respeito pelo Estado à vida e de respeito à dignidade humana.

O delito de tortura é hediondo.

A imprescritibilidade deve ser a regra quando se busca indenização por danos morais consequentes da sua prática. 4.

A imposição do Decreto n. 20.910/1937 é para situações de normalidade e quando não há violação a direitos fundamentais protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Constituição Federal. 5.

O art. 14 da Lei n. 9.140/1995, reabriu os prazos prescricionais no que tange às indenizações postuladas por pessoas que, embora não desaparecidas, sustentem ter participado ou ter sido acusadas de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 e, em consequência, tenham sido detidas por agentes políticos. 6.

Inocorrência da consumação da prescrição, em face dos ditames da Lei n. 9.140/1995.

Este dispositivo legal visa a reparar danos causados pelo Estado a pessoas em época de exceção democrática.

Há de se consagrar, portanto, a compreensão de que o direito tem no homem a sua preocupação maior, pelo que não permite interpretação restritiva em situação de atos de tortura que atingem diretamente a integridade moral, física e dignidade do ser humano. 7.

Recurso não provido.

Baixa dos autos ao Juízo de Primeiro Grau (RESP n. 379.414/PR, Rel.

Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/11/2002, DJ 17/02/2003, p: 225)’.

No mérito, também sem razão a União.

No que se refere à responsabilidade Civil, ainda que não se possa afirmar, com certeza, que os atos de tortura verificados no caso em apreço tenham sido praticados diretamente por agentes do Governo Federal, é certo que essas ações, assim como as perseguições políticas étnicas foram fomentadas ou, pelo menos, tiveram a total conivência por parte do Estado.

Quanto ao ponto, deve-se referir, mais uma vez, aos bem lançados fundamentos do membro do ‘parquet’ nos autos do Recurso de Apelação na 2001. 72.02.000009- 0/SC: ‘Nada obstante, no regime de Constituição de 37 não havia praticamente nenhuma autonomia política dos Estados-membros, que eram administrados por interventores nomeados livremente pelo Presidente da República (a ‘Autoridade Suprema do Estado’, cf: art. 73).

Embora afirmasse a existência da federação, na prática, a Era Vargas foi caracterizada por um estado unitário.

A Polícia Política, de Filinto Müller, apoiava as forças armadas no controle das policiais estaduais.

Foi responsável pela perseguição e prisão de dissidentes, mas agiu também contra os estrangeiros ‘súditos do Eixo’, muitas vezes enviados a campos de concentração (havia 12 deles, distribuídos em 8 Estados).

Dentro desse quadro, não é de se estranhar que, nos Estados, as forças públicas tenham sido estimuladas pela propaganda antifascista a agir contra os súditos do eixo e, aproveitando-se da situação, também contra seus descendentes.

Há relatos até mesmo de crianças agredidas nas escolas, em razão de sua origem.

A propaganda oficial disseminou o ódio racial, e daí a responsabilidade da União’.

Oportuno também colacionar os apontamentos trazidos no livro ‘Do Terceiro Reich ao novo nazismo’ a respeito de como as colônias alemãs passaram a ser encaradas a partir da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial: ‘Com o ingresso do Brasil no conflito, espalhou-se o alarmismo em relação às colônias do sul: elas passaram a ser vistas como focos reais ou potenciais de conspiração a serviço da ‘Gestapo’, o que detonou episódios de histeria coletiva.

Na época, ninguém teve como avaliar que o nazismo nada conseguira em termos de penetração efetiva nas regiões alemães e que, portanto, muitas suspeitas não tinham fundamento’.

Por essas razões, é que a responsabilidade civil da União resta plenamente caracterizada não cabendo, pois, falar no seu afastamento.

A questão referente ao valor da verba indenizatória já foi objeto desse parecer quando da análise do recurso de apelação da parte autora.

Por fim, cabe registrar que os juros moratórios, diante da inexistência de convenção e previsão legal específica, são devidos no percentual de 12% ao ano de acordo com os artigos 406 do Código Civil e 161, § 1º, do Código Tributário Nacional e incidem desde a data da citação em consonância com o estabelecido no art. 405 do Código Civil.

Com efeito, ressalta-se que o art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, acrescida pela Medida Provisória n. 2.180-35/01, tem sua aplicação adstrita à estrutura e aos elementos que integram o seu suporte fático, ou seja, sobre as condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos.

Desse modo, o referido dispositivo legal não alcança hipótese dos autos. 3.

CONCLUSÃO Por essas, razões, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL opina pelo parcial provimento do recurso de apelação da parte autora, para majorar os honorários advocatícios, e pelo desprovimento do recurso da União’. (...) Da mesma forma, anotou a ilustre Juíza Federal, às fls. 108 v-211 v, ‘verbis’: ‘2.1 A alegação de carência de ação Não deve prosperar a alegação de carência de ação deduzida pela União na contestação apresentada neste feito.

Ainda que não haja comprovação nos autos de que as autoras tenham previamente requerido na esfera administrativa a indenização pleiteada na presente ação, o fato é que não se tem notícia de que pedidos desta natureza tenham processamento garantido na via administrativa.

Já é cediço que a atividade administrativa pauta-se na legalidade, sendo que, na prática, os servidores da Administração Pública orientam-se pelos diversos atos normativos de hierarquia infralegal, como decretos, instruções normativas, portarias, etc., estes supostamente regulamentadores de dispositivos legais ou constitucionais.

Não há notícia da existência de dispositivos constitucionais, legais ou infralegais garantindo expressamente, independentemente da intervenção do Poder Judiciário, a concessão de indenização nos moldes pleiteados nesta ação judicial, com exceção do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e das Leis ns. 9.140/1995 e 10.559/2002, bem como seus respectivos regulamentos, mesmo porque tais normas não abarcam expressamente, num primeiro momento, a hipótese da presente ação.

Destaco que o que foi consignado no parágrafo anterior não constitui emissão de juízo de valor acerca da existência ou não de amparo constitucional ou legal para a pretensão deduzida pelas autoras na presente ação judicial, mesmo porque a possibilidade de aplicação dos dispositivos acima citados ao caso dos autos é justamente um dos fundamentos deduzidos na presente ação.

Esta questão tem a ver com o mérito da demanda, e, como tal, será analisada mais adiante.

O que quero destacar neste momento é que, ante a inexistência de disposição expressa na legislação, prevendo o acolhimento e processamento de requerimentos de indenização como aquele que foi deduzido na presente ação, é evidente que um requerimento neste sentido certamente estaria fadado ao insucesso.

No caso, as autoras deduziram uma pretensão amparada numa suposta lesão a um direito, e a apreciação de tal pedido não pode ser rejeitada, sob pena de violação ao disposto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

Ademais, conquanto ligeiramente tenha suscitado carência de ação pela suposta falta de requerimento administrativo, a União demorou-se em contestar o mérito da pretensão deduzida pelas autoras, revelando a posição contrária da Administração Pública a tal pretensão.

Esta circunstância, sem dúvida alguma, evidencia o interesse de agir das autoras no presente caso. 2.2 O mérito do pedido: a prescrição e o direito à indenização em hipóteses como a dos autos A questão debatida nos presentes autos tem estreita relação temática com a ação ajuizada pelos familiares de Antônio Kliemann na Vara Federal de Chapecó/SC, na Ação Ordinária n. 2001.72.02.000009-0.

Com efeito, de acordo com as alegações deduzidas na petição inicial e ao longo destes autos, o pai da autora, Adão Eidt, teria sido preso e torturado nas mesmas condições de tempo, lugar e circunstâncias que Antônio Kliemann.

Também há coincidência entre as teses suscitadas em ambas as ações, bem como em relação ao pleito de indenização por danos morais.

Tomando isso em consideração, trago à colação, para início de fundamentação da presente decisão, os acórdãos atinentes ao julgamento do Recurso de Apelação interposto naquela ação ajuizada pelos familiares de Antônio Klieman, bem como ao julgamento do Recurso Especial interposto junto ao Superior Tribunal de Justiça.

Inicialmente, as razões de decidir expostas no voto condutor do julgamento da Apelação Cível n. 2001.72.02.000009-0/SC, de relatoria do Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, acolhido por unanimidade pelos integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na sessão de julgamento realizada em 22.2.2005: (...).

A seguir, a íntegra do voto do Ministro Humberto Martins, relator do Recurso Especial n. 797.989/SC, julgado no âmbito da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça em 22.4.2008, destacando que o voto abaixo transcrito igualmente foi acolhido por unanimidade pelos demais ministros integrantes daquele órgão julgador: (...).

As razões expostas nas decisões acima transcritas são acolhidas, em todos os seus termos, como fundamento da presente decisão, especialmente para afastar a alegação de prescrição em relação ao pleito de indenização por danos morais decorrentes de atos como tortura, perseguição política, racismo, segregação étnica, etc., praticados por agentes do Estado com ofensa às mais elementares garantias do indivíduo, ainda que tais atos tenham ocorrido em época anterior à promulgação da atual Constituição, na qual restou expressado o repúdio da sociedade brasileira para com atos desta natureza.

Este é um preço – pequeno até – que a sociedade atual deve pagar àqueles que um dia sofreram nas mãos de agentes do poder público, sofrimento este que serviu de fundamento para a constituição de um novo Estado, assentado nas premissas do respeito à dignidade da pessoa humana e na proteção da liberdade, à igualdade, à segurança, entre diversas outras garantias individuais.

O que quero dizer, enfim, é que, se a atual sociedade brasileira goza de plenas garantias constitucionais de respeito à dignidade e à liberdade, isto se deve, em grande parte, à luta e ao sofrimento de pessoas que, em décadas anteriores, tiveram a sua dignidade e sua liberdade devassadas por decisões políticas ou práticas administrativas hoje tidas como absolutamente incompatíveis com os direitos e garantias fundamentais.

E não se pode admitir que tais situações sejam relegadas a meros registros históricos sem qualquer relação com o presente, como se o Estado brasileiro tivesse nascido apenas em 5 de outubro de 1988.

Por isso mesmo, e também pelos fundamentos já expostos nos precedentes acima citados, é que entendo que atos de tortura, racismo, perseguição política, segregação étnica, etc., ensejam um dever de reparação que deve ser tido como imprescritível, ainda que tenham ocorrido antes da promulgação da atual Constituição.

Vale destacar, conforme já registrado no Recurso Especial transcrito supra, que o Brasil é signatário do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (Resolução n. 2.200-A, da XXI Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, realizada em 19.12.1966, integrado ao ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto Legislativo n. 226/1991), que garante que ‘qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegal terá direito à reparação’ (art. 9º – 5), o qual, por versar de direitos fundamentais e sobre normas de combate a violações dos direitos humanos, reconhecidamente tem aplicabilidade retroativa. 2.3.

Análise da prova produzida nos autos Na petição inicial, as autoras alegaram, em síntese, que seu pai teria sido preso em certa data do ano de 1942 pela ‘polícia especial’ criada pelo então Presidente da República, Getúlio Vargas, sendo que teria ficado preso por cerca de 10 dias, nos quais teria sido torturado física e psicologicamente pelo fato de ser descendente de alemães e sob a acusação de possuir armas.

Registraram que, após este período de 10 dias, seu pai teria voltado para casa com sequelas das torturas sofridas, em razão do que não mais pode trabalhar com efetividade, além de ter se tornado uma pessoa infeliz.

Na audiência de instrução realizada, a autora Rosa Mayer prestou as seguintes informações (fl. 78): (...).

Já a autora Flora Bruxel consignou o seguinte (fl. 79): (...).

De seu turno, as testemunhas ouvidas prestaram as seguintes informações (fls. 80-82): (...).

Testemunha Maria Ana Theobald (fl. 80): (...).

Testemunha Inge Paulina Koelln (fl. 81): (...).

Testemunha Otto Antônio Veidt (fl. 82): (...).

Guardadas eventuais discrepâncias naturalmente decorrentes do tempo já decorrido entre os fatos em enfoque e a data em que prestaram depoimento, observa-se que as informações prestadas pelas testemunhas convergem, basicamente, para as seguintes afirmativas: a) todas as testemunhas ouvidas conheciam a família das autoras na época em questão (ano de 1942); b) as testemunhas afirmaram lembrar que após o ingresso do Brasil da Segunda Guerra Mundial instalou-se na cidade de Itapiranga uma equipe de policiais, cujos objetivos aparentemente eram fiscalizar e investigar as pessoas de ascendência alemã; c) as testemunhas afirmaram lembrar que o pai da autora, Adão Edit, juntamente com algumas outras pessoas, foi preso por esta equipe de policiais, sendo submetido a maus tratos; d) as testemunhas afirmaram lembrar que o pai da autora permaneceu alguns dias preso por esta equipe de policiais; e) as testemunhas afirmaram lembrar que, depois de solto, o pai das autoras não era mais a mesma pessoa, ou seja, não se comportava mais como antes de ser preso, bem como que já não detinha mais as mesmas condições físicas e de saúde de antes; f) as testemunhas afirmaram que todos os descendentes de alemães, de uma forma geral, foram perseguidos naquele período de guerra; g) as testemunhas afirmaram, enfim, que estes fatos são de conhecimento público de todos os que habitavam a região naquela época.

As informações trazidas pelas autoras e pelas testemunhas na audiência de instrução realizada nos presentes autos são confirmadas pelos documentos juntados com a petição inicial, especialmente os recortes de jornais das fls. 31-32, relativos a reportagens nas quais há narrativas bem detalhadas de perseguições e torturas dirigidas aos descendentes de alemães na época da Segunda Guerra Mundial.

Além das narrativas das testemunhas e dos recortes de jornais das fls. 31-32, a parte autora juntou aos autos o livro Porto Novo – Um documentário Histórico, com riquíssimas informações acerca das condições enfrentadas pelos descendentes de alemães no período da Segunda Guerra Mundial em Itapiranga/SC.

Transcrevo abaixo um capítulo do referido livro, relacionado ao tema, com grifo meu no nome dos pais da autora: (...). (...) Por tudo isso, tenho que é extreme de dúvida a veracidade dos depoimentos prestados em juízo, porquanto totalmente condizentes com os registros históricos dos fatos ocorridos na região de Itapiranga/SC durante o período da Segunda Guerra Mundial.

Assim, restou devidamente comprovado que o pai das autoras de fato sofreu as torturas e tratamentos humilhantes descritos na petição inicial.

Também restou suficientemente comprovado que tais atos foram patrocinados pelo governo federal, por meio de unidades policiais vinculadas à Polícia Política criada por Getúlio Vargas na década de 30, com o objetivo de reprimir em todo o país a atuação de grupos políticos contrários ao governo federal, do que ressalta a responsabilidade da União na indenização pleiteada.

Com efeito, as testemunhas ouvidas na audiência de instrução (fls. 77-82) registraram que as torturas e perseguições contra os descendentes de alemães do município de Itapiranga/SC foram praticadas por uma ‘milícia’ ou ‘brigada’, vinda do Rio Grande do Sul, a mando do governo federal.

Também no livro Porto Novo – Um documentário Histórico, já acima referido, o autor por diversas vezes registra que os atos descritos eram praticados em nome do governo federal.

Totalmente evidenciada, portando, a responsabilidade da União pelos atos de tortura e perseguição política e étnica praticados contra o pai das autoras. 2.4 O valor da indenização Comprovadas a veracidade das alegações produzidas na petição inicial e a responsabilidade do governo federal pelos atos de tortura promovidos contra o pai das autoras, resta verificar o ‘quantum’ da reparação a título de indenização por danos morais.

Pois bem.

Neste caso dos autos, o pai das autoras foi retirado do convívio do lar e de suas atividades profissionais por um período de cerca de 10 dias.

Quando retornou, apresentava sequelas físicas e psicológicas dos maus tratos que sofreu em mãos dos agentes policiais.

É evidente o sofrimento e o abalo moral pelo qual passou o pai das autoras durante este período em que permaneceu preso e também no período que se seguiu, já que, mesmo retornando ao convívio de seus familiares, ainda permaneceu sob a desconfiança de ser um traidor da pátria, um subversivo.

O dano moral, neste caso, está plenamente caracterizado, não só em relação ao pai das autoras, mas também em relação a estas próprias, eis que sendo elas ainda muito jovens na época dos fatos – a autora Rosa contava com 21 anos de idade, enquanto que a autora Flora contava com 11 anos de idade –, resta evidente que também elas sofreram os efeitos das torturas e humilhações às quais seu pai foi submetido, seja por terem ficado por um período de 10 dias sem saber notícias suas – sem saber inclusive se ainda estava vivo ou se estava morto –, seja em razão das sequelas físicas e psicológicas que se seguiram, que por certo diminuíram em muito a qualidade de vida do conjunto familiar a partir de então.

Ressalto que esta convicção de que as autoras também foram vítimas de abalo moral pelos fatos ocorridos em relação ao seu pai não é elidida pelo fato de posteriormente terem casado e terem tido filhos.

Por estas razões, mas relevando que felizmente não chegou a ocorrer o falecimento do pai das autoras em virtude das torturas a que foi submetido, e considerando os precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, já transcritos no tópico 2.2 desta decisão, tenho como razoável fixar a indenização por danos morais, no caso dos autos, em R$ 75.000,00 para cada uma das autoras’. (...) Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da União e à remessa oficial e dar parcial provimento ao recurso da parte autora, tão somente para majorar os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação (grifos nossos).

Decidir de modo diverso do que assentado nas instâncias precedentes dependeria do reexame de provas, o que não pode ser adotado em recurso extraordinário, nos termos da Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal.

O novo exame do julgado impugnado exigiria, ainda, a análise prévia de legislação infraconstitucional aplicada à espécie (Decreto n. 20.910/1932, Código Civil e Código de Processo Civil).

Assim, a alegada contrariedade à Constituição da República, se tivesse ocorrido, seria indireta, o que não viabiliza o processamento do recurso extraordinário: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.

PROCESSUAL CIVIL.

RESPONSABILIDADE CIVIL.

DANOS MORAIS.

IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS.

SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO (ARE 762.356-AgR, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 14.10.2013).

E: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.

ADMINISTRATIVO.

PRESCRIÇÃO.

DECRETO N. 20.910/1932.

MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL: OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA.

AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO (ARE 727.220-AgR, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 13.6.2013 – grifos nossos). 4.

Quanto à alegada contrariedade ao art. 97 da Constituição da República, o Tribunal a quo não declarou inconstitucional ou afastou, por julgar inconstitucional, as Leis ns. 9.140/1995 e 10.559/2002.

Apenas interpretou-as sistematicamente, baseando-se na jurisprudência: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

CONSTITUCIONAL.

ALEGAÇÃO INSUBSISTENTE DE CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO.

APLICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO (RE 634.738-AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 25.5.2011).

Nada há a prover quanto às alegações da Recorrente. 5.

Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (caput do art. 557 do Código de Processo Civil e § 1º do art. 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Publique-se.

Brasília, 13 de novembro de 2013.

Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora

Partes

Recte.(s) : Instituto Nacional de Seguro Social - Inss

proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral Federal

recdo.(a/S) : Selga Pott

adv.(a/S) : Loire Adami Godinho

Publica��o

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-228 DIVULG 19/11/2013 PUBLIC 20/11/2013

Observa��o

20/01/2014

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