Decisões Monocráticas nº 7650 de STF. Supremo Tribunal Federal, 21 de Junio de 2012

Número do processo7650
Data21 Junho 2012

DECISÃO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE A AUDITORIA MILITAR DA UNIÃO, A JUSTIÇA COMUM E O SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR.

PRESENÇA DE DEPUTADO ESTADUAL NAS INVESTIGAÇÕES.

ARQUIVAMENTO POSTERIOR COM RELAÇÃO AO DEPUTADO ESTADUAL.

PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA PREJUDICADO.

Relatório Conflito Negativo de Competência protocolado neste Supremo Tribunal Federal em 5.3.2009, suscitante o Ministério Público Militar da União do Paraná e suscitados a Auditoria Militar da União da 5ª Circunscrição da Justiça Militar – Paraná/Santa Catarina, com sede em Curitiba/PR, a Justiça Estadual de Santa Catarina e o Superior Tribunal Militar. 2.

Tratam os autos de Inquérito Policial Militar instaurado pelo Comando da 5ª Região Militar/5ª Divisão de Exército para apurar fatos relativos à invasão do Campo de Instrução Marechal Hermes (CIMH), no município de Três Barras/SC, na madrugada de 15.4.2007, por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. 3.

No curso da instrução, apurou-se a presença de parlamentar do Estado de Santa Catarina, Deputado Estadual Padre Pedro Baldissera (líder do Partido dos Trabalhadores na Assembléia Legislativa de Santa Catarina), que, mesmo não incluído entre os formalmente indiciados (fls. 140-141), foi considerado pelo Ministério Público Militar da União, então oficiante, um dos líderes da invasão. 4.

Diante disso, o Ministério Público Militar da União manifestou-se no sentido da incompetência do juízo singular local para conhecer da ação, pelo que opinou no sentido da remessa dos autos ao Superior Tribunal Militar, com a seguinte ementa: Área sujeita à Administração Militar.

Ocupação desautorizada.

Concurso de agentes.

Violência e dano aos marcos divisórios (cercas).

Dano ambiental.

Crime militar, em tese.

Deputado Estadual.

Cidadãos comuns.

Coautoria.

Continência intersubjetiva.

Competência.

Declinação.

Superior Tribunal Militar.

Competência constitucional implícita.

Princípios do federalismo e da simetria.

MPM.

Arguição (fl. 405 – grifos no original).

Destaca o Ministério Público em sua manifestação: Ocorre que o art. 42, § 1º da Constituição do Estado de Santa Catarina estabelece que os parlamentares daquela Unidade Federativa serão processados e julgados perante o Tribunal de Justiça do Estado.

Conforme a Súmula nº 3 do Supremo Tribunal Federal: ‘A imunidade concedida a Deputado Estadual é restrita à Justiça do Estado-membro’.

A competência hierárquico-funcional para os deputados estaduais é prevista de maneira implícita no art. 27, § 1º, da Constituição Federal, sujeitando-se, em consequência, às mesmas regras de imunidades que os parlamentares federais.

Ademais, as constituições estaduais estabelecem a competência especial pela prerrogativa de função para seus deputados estaduais e, assim, em observância ao princípio federativo, ainda que não fosse implícita, tal competência teria que ser observada em quaisquer justiças (fls. 407-408 – grifos no original).

Em que pese a falta de previsão expressa para tal competência na legislação penal e processual penal militar ou, ainda, na Lei de Organização da Justiça Militar ou Regimento Interno do Superior Tribunal Militar, a questão transcende tais legislações infraconstitucionais para ganhar relevo de natureza constitucional.

Nesse sentido é a súmula 702 – aplicável por simetria aos deputados estaduais - e a jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal, verbis: ‘SÚMULA 702 – A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA JULGAR PREFEITO RESTRINGE-SE AOS CRIMES DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL; NOS DEMAIS CASOS A COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA CABERÁ AO RESPECTIVO TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU’ (fl. 409 – grifos no original).

Nesse sentido, o foro por prerrogativa de função do Deputado Estadual Padre PEDRO BALDISSERA deverá atrair os demais partícipes e coautores daquela ocupação, por força da citada súmula 704 e da regra contida nos art. 100, letra ‘a’, do Código de Processo Penal Militar, reunindo, em consequência, todos os agente sem única ação penal militar, em tese (fl. 412 – grifos no original). 5.

O Juiz Auditor Substituto oficiante na Auditoria da 5ª Circunscrição da Justiça Militar da União, por decisão proferida em 3.7.2008, acolheu a tese do Ministério Público e declarou a incompetência daquele juízo para apreciar a causa, determinando a remessa dos autos para o Superior Tribunal Militar, por reconhecimento da prerrogativa de função do Parlamentar Estadual envolvido, com fundamento no Artigo 146 do CPPM, c/c Artigo 27, § 1º da CR c/c Artigo 100, alínea a do CPPM (fl. 416).

Consta da decisão: É certo que a Constituição da República estabelece, em seu Artigo 27, § 1°, a extensão das garantias previstas no texto constitucional aos Deputados Estaduais, em observância ao pacto federativo - Artigo 25 da Carta de 1988.

Nessa toada, a competência jurisdicional por prerrogativa de função erige-se aos ocupantes de cargos institucionais do Estado, verdadeira garantia à separação dos Poderes e ao bom andamento processual.

Os Parlamentares, como seria intuitivo entender, são contemplados com a referida prerrogativa de função, nos termos constitucionais, vale dizer, aplica-se-lhes a competência ratione personae, de natureza absoluta.

Superadas as discussões doutrinárias acerca de que tais prerrogativas não violam, de fato, o princípio do juiz natural (eis que não se trata de ‘privilégio’, mas de garantia da função), é imperativo reconhecermos que a competência por prerrogativa de função recai, por força do dispositivo constitucional já invocado, também sobre o Parlamentar Estadual de Santa Catarina.

A regra de competência jurisdicional expressa na Carta daquele Estado (Artigo 42, § 1º), conforme ressalta o Ministério Público Militar, impõe que o Deputado Estadual seja processado perante o Tribunal de Justiça, órgão jurisdicional de segunda instância e que detém competência recursal.

Note-se, entretanto, que a competência jurisdicional da Justiça Estadual é residual, atribuindo-se no que não for compatível com as competências das demais Justiças definidas constitucionalmente.

Aplicando-se o princípio da simetria - bastante explicitado no parecer ministerial - temos que, a fim de que seja atendido o critério de especialidade da Justiça Castrense e, ainda, mantida a competência em razão da prerrogativa da função do Parlamentar Estadual, a competência originária recairia sobre o Egrégio Superior Tribunal Militar.

Isso porque, como bem ressaltado à luz dos ensinamentos colacionados na peça ministerial, o STM ocupa não só a posição de Tribunal Superior, como também a de órgão jurisdicional de segunda instância no âmbito da Justiça Militar da União, julgando, na maioria das vezes, em grau recursal (fls. 415-416). 6.

Em parecer de 27.8.2008, o Procurador-Geral da Justiça Militar da União em exercício opinou pela remessa dos autos ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, entendendo que a presença de deputado estadual dentre os indiciados, em razão de sua prerrogativa de função, atrairia a competência do Tribunal Estadual.

Alega que a Constituição da República remeteu às Constituições Estaduais a capacidade de estabelecerem as competências de seus respectivos Tribunais de Justiça (art. 125, § 1º).

A Constituição de Santa Catarina (art. 42, § 1º) e também o Código de Divisão e Organização Judiciárias (art. 87, inciso XXI, alínea a e art. 88, inciso I, alínea a) prescrevem que os parlamentares daquela Unidade Federativa serão processados e julgados perante o Tribunal de Justiça do Estado (...) (fl. 429). 7.

Em 5.9.2008, o Ministro Presidente do Superior Tribunal Militar, monocraticamente, exarou a seguinte decisão: Defiro o pedido do douto Representante da Procuradoria–Geral da Justiça Militar.

Em conseqüência, determino a remessa destes autos ao Eminente Desembargador-Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do estado de Santa Catarina, com as homenagens de estilo (fl. 435). 8.

Na Justiça Estadual de Santa Catarina, os autos foram ao Ministério Público, que, em 20.10.2008, opinou no sentido de se afastar a participação do Deputado Estadual Pedro Baldissera, remetendo-se o feito para a Justiça Militar da União (...) (fl. 444). 9.

Em atendimento ao requerido pelo Ministério Público estadual, que analisou e afastou a efetiva participação do deputado estadual na invasão, o Presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por despacho de 27.10.2008, remeteu os autos para a Auditoria da 5ª C.

J.

M.

da União, nos seguintes termos: À Auditoria da 5ª C.

J.

M.

em face da ilustrada manifestação de fls. 439 usque 446, sempre com as nossas homenagens (fl. 446v). 10.

Em anexo ao presente Conflito de Competência consta os autos do Expediente nº 18/08, originário da Representação subscrita pela UDR – União Democrática Ruralista, noticiando invasão pelo MST em propriedade do Exército brasileiro na cidade de Papanduva/SC. 11.

Em 4.4.2009, decidi: 11.

Já de partida uma questão se avulta, intransponível, a exigir manifestação expressa do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 12.

A questão se põe em razão de, no curso das seguidas declinações de competência, quando os autos chegaram ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o Ministério Público estadual, em manifestação de fls. 438-444, ter deixado inequívoca a sua posição quanto a não haver ‘qualquer evidência forte e segura para embasar a persecução penal’ (fl. 444), e, assim, concluiu por ‘(...) se afastar a participação do Deputado Estadual Pedro Baldissera (...)’ (fl. 444).

No entanto, naquela oportunidade, não se esmerou a ilustre Procuradora de Justiça subscritora da peça em, formalmente, pedir o arquivamento do inquérito especialmente quanto aquele político envolvido – o que, consequentemente, afastaria a competência da justiça estadual para apreciar o caso.

Isso, por certo, desafiaria a manifestação – também formal – da autoridade judicial estadual competente, ensejando a remessa dos autos à seara competente. 13.

Na sequência, e em mesma equivocada formalização, o eminente Presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em singelo despacho de cinco linhas, nada deliberou sobre a permanência ou não do Deputado Estadual Padre Pedro Baldissera.

Limitou-se, no estreito despacho manuscrito de fl. 446v, a determinar a remessa dos autos à Auditoria Militar da 5ª C.

J.

M., autorizando-nos a pressupor que reconhecia o efetivo afastamento do deputado estadual de envolvimento importante com o crime militar em tese cometido. 14.

Do que se tem dos autos, a bem de se ver, a Auditoria da 5ª C.

J.

M.

recebeu o processo, em 7.11.2008 (fl. 447), sem qualquer decisão sobre a situação de envolvido do deputado estadual.

Logo, mantinha-se àquela altura tudo tal como estava, quando, daquela mesma Auditoria, foram os autos enviados ao Superior Tribunal Militar, em 3.7.2008. 15.

Por tudo, está visto que, recebendo os autos e procedendo a uma análise de seu conteúdo, sobre ele se manifestando, o Ministério Público estadual de Santa Catarina compreendeu-se com atribuições bastantes para opinar naquele processo.

E o fez: analisou a participação do deputado estadual – circunstância processual eu atrai para a justiça estadual a competência para apreciar a causa – e manifestou-se conclusivamente no sentido ‘de se afastar a participação do Deputado Estadual Pedro Baldissera, remetendo-se o feito para a Justiça Militar da União, competente para avaliar a questão (...)’ (fl. 444). 16.

Mesmo que o pedido do Ministério Público estadual não se tenha posto com a esperada objetividade técnica (art. 28 do Código de Processo Penal), requerendo o arquivamento das investigações quanto ao deputado estadual, bem poderia o magistrado do Tribunal de Justiça ter apreciado a situação dando o devido e esperado provimento judicial que a espécie então desafiava na melhor técnica.

No contexto, era de se esperar que o Tribunal de Justiça acolhesse – como se dessume do singelo despacho de fl. 446v – o requerimento do Ministério Público, declarando a situação do envolvido deputado estadual no processo, e, inequívoca e assente tal situação, já não havendo mais motivo de que se mantivesse o processo naquela instância judicial federativa, remetesse os autos para a Auditoria Militar da 5ª C.

J.

M. (no caso, juízo que entendeu competente).

Ou, até mesmo se entendido de outro modo, que desse o devido curso ao processo. 17.

Essa circunstância processual que detecto é causa bastante a que haja diligência no seguimento deste Conflito de Competência, para que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina se detenha sobre o processo e, formalmente, nos termos do art. 28 do Código de Processo Penal, se manifeste de maneira conclusiva sobre o requerimento do Ministério Público estadual de Santa Catarina quanto à situação do Deputado estadual Padre Pedro Baldissera, então tido por afastado de qualquer participação relevante na invasão de área do Exército brasileiro. 18.

Pelo exposto, encaminhem-se os autos ao Presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de modo que, por decisão fundamentada, aquele Tribunal defina sobre o pedido do Ministério Público, com as providências formais cabíveis que a lei exige, devolvendo-se os autos ao Supremo Tribunal Federal imediatamente após (fls. 470-472). 12.

Em 5.5.2010, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu arquivar o feito em relação ao deputado estadual Pedro Baldiserra (fls. 501-507). 13.

Em 1º.2.2011, determinei vista dos autos à Procuradoria-Geral da República (fl. 513), que opinou pelo não conhecimento do conflito de competência, por perda do objeto, e pela remessa dos autos à Auditoria Militar da 5ª Circunscrição da Justiça Militar, considerando a decisão proferida às fls. 501/507 (fl. 519).

Examinada a matéria posta à apreciação, DECIDO. 15.

Em 5.5.2010, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu arquivar o inquérito em relação ao deputado estadual Pedro Baldiserra, remetendo-se o feito para a Justiça Militar da União, competente para avaliar a questão (fl. 506).

A decisão foi juntada às fls. 500/507.

O conflito negativo de competência analisado nestes autos tem como único fundamento a investigação em curso contra deputado estadual, suspeito de participação em suposto crime praticado em estabelecimento militar.

O arquivamento das investigações quanto ao parlamentar afasta o objeto da ação, pois não mais existe investigado com prerrogativa de foro. 16.

Pelo exposto, em razão das mudanças processadas no quadro fático-jurídico após o ajuizamento do incidente, julgo prejudicado o presente conflito de competência, por perda superveniente de objeto (art. 21, inc.

IX, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Remetam-se os autos à Auditoria Militar da 5ª Circunscrição da Justiça Militar.

Publique-se.

Brasília, 21 de junho de 2012.

Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora

Partes

Recte.(s) : Estado de Minas Gerais

adv.(a/S) : Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais

recdo.(a/S) : Joaquim Dalmo da Silva Motta

adv.(a/S) : Michelline Raquel Sampaio e Outro(a/S)

Publica��o

DJe-125 DIVULG 26/06/2012 PUBLIC 27/06/2012

Observa��o

Legislação Feita por:(Lld)

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