Decisões Monocráticas nº 5089 de STF. Supremo Tribunal Federal, 14 de Febrero de 2014

Data14 Fevereiro 2014
Número do processo5089

CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE.

LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL.

AÇÃO DIRETA AJUIZADA, ORIGINARIAMENTE, PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

IMPOSSIBILIDADE.

FALTA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DA SUPREMA CORTE.

INVIABILIDADE DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE, MEDIANTE AÇÃO DIRETA, DE LEI MUNICIPAL CONTESTADA EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

DOUTRINA.

PRECEDENTES.

POSSIBILIDADE, TÃO SOMENTE, DE CONTROLE INCIDENTAL DE LEI MUNICIPAL, CONFRONTADA COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EM FISCALIZAÇÃO REALIZADA, DE MODO DIFUSO, NO EXAME DE UMA DADA SITUAÇÃO CONCRETA.

CONTROLE PRÉVIO DO PROCESSO OBJETIVO DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE PELO RELATOR DA CAUSA.

LEGITIMIDADE DO EXERCÍCIO MONOCRÁTICO DESSE PODER PROCESSUAL (RTJ 139/67, v.

g.).

AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA.

DECISÃO: O Partido da República (PR) ajuíza a presente ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida liminar, impugnando os arts. 1º, 2º, 3º, 4º e Anexo único, da Lei Complementar municipal nº 155/2013, editada pelo Município de Fortaleza/CE, que dispõe acerca do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e dá outras providências.

Examino, preliminarmente, questões prévias pertinentes, de um lado, à competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, quando contestada, in abstracto, como na espécie, em face da Constituição da República, e, de outro, à inocorrência de possibilidade jurídica da própria demanda.

Resulta claro de tais questões prévias que este processo de fiscalização normativa abstrata não se revela viável ante a impossibilidade jurídica de promover-se, perante o Supremo Tribunal Federal (ou perante qualquer outro órgão do Poder Judiciário), mediante ação direta, o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal, se impugnada, abstratamente, em face da Constituição da República.

Na realidade, não se mostra juridicamente possível, no sistema institucional brasileiro, a instauração, mediante ação direta, do processo de fiscalização normativa abstrata de lei municipal questionada em face da Constituição Federal.

Vale insistir, portanto, na asserção de que o Supremo Tribunal Federal não dispõe de competência originária, para, em sede de controle normativo abstrato, efetuar, por meio de ação direta, a fiscalização concentrada de constitucionalidade de leis municipais contestadas em face da Constituição da República.

É por essa razão que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – apoiando-se em autorizado magistério doutrinário (ALEXANDRE DE MORAES, Direito Constitucional, p. 767, 28ª ed., 2012, Atlas; CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS, Comentários à Constituição do Brasil, vol. 4º, tomo III/151, 2ª ed., 2000, Saraiva; CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, p. 132, 1995, RT; ZENO VELOSO, Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 386, item n. 351, 1999, Cejup; JOSÉ NILO DE CASTRO, Direito Municipal Positivo, p. 322/323, item n. 5, 3ª ed., 1996, Del Rey; GILMAR FERREIRA MENDES e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, Curso de Direito Constitucional, p. 1.231/1.232, item n. 2.2, 7ª ed., 2012, Saraiva; UADI LAMMÊGO BULOS, Constituição Federal Anotada, p. 1.059, item n. 2, 10ª ed., 2012, Saraiva, v.

g.) – tem advertido, tratando-se de ação direta, não se incluir, na esfera de competência desta Suprema Corte, o poder de efetuar, em sede originária, a fiscalização normativa abstrata de leis municipais em face da Constituição da República (RTJ 102/49 – RTJ 124/612 – RTJ 127/394 – RTJ 135/12, v.

g.): O nosso sistema constitucional não admite o controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal; nem mesmo perante o Supremo Tribunal Federal que tem, como competência precípua, a sua guarda, art

O único controle de constitucionalidade de lei e de ato normativo municipal em face da Constituição Federal que se admite é o difuso, exercido ‘incidenter tantum’, por todos os órgãos do Poder Judiciário, quando do julgamento de cada caso concreto. (RTJ 164/832, Rel.

Min.

PAULO BROSSARD – grifei) O sistema constitucional brasileiro não permite o controle normativo abstrato de leis municipais, quando contestadas em face da Constituição Federal.

A fiscalização de constitucionalidade das leis e atos municipais, nos casos em que estes venham a ser questionados em face da Carta da República, somente se legitima em sede de controle incidental (método difuso).

Desse modo, inexiste, no ordenamento positivo brasileiro, a ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, quando impugnada ‘in abstracto’ em face da Constituição Federal.

Doutrina.

Precedentes do Supremo Tribunal Federal. (ADI 2.141/ES, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO) Mostra-se relevante observar, de outro lado, como assinala o magistério da doutrina (ALEXANDRE DE MORAES, Direito Constitucional, p. 180, item n. 7.8, 6ª ed., 1999, Atlas; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 2/217, 1992, Saraiva; RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, Ação Popular, p. 129/130, 1994, RT, v.

g.), que a competência do Supremo Tribunal Federal possui extração constitucional, não podendo, por isso mesmo, sofrer indevidas ampliações, para que se incluam, na esfera de suas estritas atribuições jurisdicionais, matérias estranhas ao rol exaustivo delineado na própria Constituição da República (RTJ 43/129 – RTJ 44/563 – RTJ 50/72 – RTJ 53/776 – RTJ 94/471 – RTJ 121/17 – RTJ 141/344 – RTJ 159/28, v.

g.), circunstância que inviabiliza o conhecimento da presente demanda, considerados, para tanto, os fundamentos que lhe dão suporte e o pedido que nela se contém.

Não custa rememorar, por oportuno, tendo em vista a pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo Partido da República, que o controle normativo abstrato de leis municipais, desde que impugnadas em face da Constituição Estadual (e não da Constituição Federal), revelar-se-á possível, uma vez instaurado, mediante ação direta, o concernente processo objetivo perante o Tribunal de Justiça local, como expressamente o autoriza a Lei Fundamental da República (art. 125, § 2º).

O que se revela essencial reconhecer, portanto, em tema de controle abstrato de constitucionalidade, quando instaurado perante os Tribunais de Justiça dos Estados-membros ou do Distrito Federal e Territórios, é que o único instrumento normativo revestido de parametricidade, para esse específico efeito, é, somente, a Constituição estadual ou, quando for o caso, a Lei Orgânica do Distrito Federal; jamais, porém, a própria Constituição da República (Rcl 16.646-MC/RS, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO, v.

g.).

Cabe acentuar, neste ponto, que esse entendimento tem o beneplácito do magistério doutrinário (LUIZ ALBERTO DAVID ARAÚJO/VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, Curso de Direito Constitucional, p. 64/65, item n. 7.5, 9ª ed., 2005, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, Comentário Contextual à Constituição, p. 591, item n. 6, 2005, Malheiros; ALEXANDRE DE MORAES, Constituição do Brasil Interpretada, p. 1.514/1.518, item n. 125.5, e p. 2.342/2.347, itens n.

s 1.15 e 1.17, 2ª ed., 2003, Atlas, v.

g.), cuja orientação, no tema, adverte – tratando-se de controle normativo abstrato no plano local – que apenas a Constituição estadual (ou, quando for o caso, a Lei Orgânica do Distrito Federal) qualifica-se como pauta de referência ou como paradigma de confronto, para efeito de fiscalização concentrada de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais, sem possibilidade, no entanto, de erigir-se a própria Constituição da República como parâmetro de controle nas ações diretas ajuizadas, originariamente, perante os Tribunais de Justiça estaduais ou do Distrito Federal e Territórios.

Essa percepção do alcance da norma inscrita no art. 125, § 2º, da Constituição, por sua vez, reflete-se na jurisprudência constitucional que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em análise, sempre salientando que, em tema de fiscalização abstrata perante os Tribunais de Justiça locais, o parâmetro de controle a ser invocado (e considerado) nas ações diretas somente pode ser a Constituição do próprio Estado-membro e não a Constituição da República (RTJ 135/12, Rel.

Min.

MOREIRA ALVES – RTJ 136/1062, Rel.

Min.

OCTAVIO GALLOTTI – ADI 409/RS, Rel.

Min.

SEPÚLVEDA PERTENCE – Rcl 3.436-MC/DF, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO – Rcl 4.329/MG, Rel.

Min.

AYRES BRITTO, v.

g.): (…) Se a base da ação direta de inconstitucionalidade em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná é a declaração de inconstitucionalidade de lei municipal em face da Carta Federal, impõe-se declarar extinta a ação direta, por exorbitar da competência da Corte reclamada.

Reclamação que se julga parcialmente procedente. (RTJ 174/3, Rel.

Min.

ILMAR GALVÃO, Pleno – grifei) (...) É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes e depois de 1988, no sentido de que não cabe a tribunais de justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição Federal.

Precedentes. (...) (RTJ 200/636, Rel.

Min.

JOAQUIM BARBOSA, Pleno – grifei) RECLAMAÇÃO.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

COMPETÊNCIA.

AJUIZAMENTO PERANTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL.

LEI MUNICIPAL.

Inconstitucionalidade por ofensa à Constituição Federal.

Argüição ‘in abstrato’, por meio de ação direta, perante Tribunal de Justiça.

O nosso sistema constitucional não admite o controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal; nem mesmo perante o Supremo Tribunal Federal que tem, como competência precípua, a sua guarda, art. 102.

O único controle de constitucionalidade de lei e de ato normativo municipal em face da Constituição Federal que se admite é o difuso, exercido ‘incidenter tantum’, por todos os órgãos do Poder Judiciário, quando do julgamento de cada caso concreto. …...................................................................................................

Reclamação julgada procedente para cassar a decisão cautelar do Tribunal de Justiça do Estado, exorbitante de sua competência e ofensiva à jurisdição desta Corte, como guardiã primacial da Constituição Federal.

Art. 102 ‘caput’, I, ‘e’, da CF. (Rcl 337/DF, Rel.

Min.

PAULO BROSSARD, Pleno – grifei) Os fundamentos que venho de expor autorizam a formulação, na espécie, de juízo negativo de cognoscibilidade da presente ação direta, seja por absoluta falta de competência originária do Supremo Tribunal Federal para apreciar ações diretas que objetivem a declaração em abstrato de inconstitucionalidade de leis municipais contestadas à luz da Constituição Federal, seja, ainda, em razão da inexistência, em nosso sistema jurídico, de controle concentrado de constitucionalidade, mediante ação direta, de diplomas legislativos municipais impugnados por alegada transgressão ao texto da Lei Fundamental da República.

Desse modo, o exame do processo ora em julgamento permite estabelecer, em suma, as seguintes conclusões: (a) o Supremo Tribunal Federal não dispõe de competência originária para processar e julgar ação direta de inconstitucionalidade, quando ajuizada com o objetivo de impugnar, in abstracto, a legitimidade constitucional de leis municipais em alegado conflito hierárquico-normativo com a própria Constituição da República; (b) inexiste, no sistema institucional brasileiro, a possibilidade de efetuar-se, qualquer que seja o órgão judiciário, a fiscalização abstrata, mediante ação direta, de constitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Federal; (c) o controle de constitucionalidade de leis municipais, quando contestadas em face da Constituição Federal, somente se justifica na hipótese de fiscalização meramente incidental, pelo método difuso, em razão de uma dada situação concreta; (d) a única possibilidade de leis municipais – como aquelas que majoraram, abusivamente, a base de cálculo e/ou as alíquotas do IPTU, com ofensa ao postulado constitucional da não confiscatoriedade – serem expostas a controle abstrato de constitucionalidade dar-se-á na hipótese singular de ajuizamento da pertinente representação de inconstitucionalidade (ação direta), perante o Tribunal de Justiça local e desde que o paradigma de confronto invocado pelo autor repouse na própria Constituição Estadual (CF, art. 125, § 2º).

A inviabilidade da presente ação direta de inconstitucionalidade, em decorrência das razões ora mencionadas, impõe, ainda, uma observação final: no desempenho dos poderes processuais de que dispõe, assiste, ao Ministro Relator, competência plena para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, legitimando-se, em consequência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar.

Cumpre acentuar, neste ponto, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inteira validade constitucional da norma legal que inclui, na esfera de atribuições do Relator, a competência para negar trânsito, em decisão monocrática, a recursos, pedidos ou ações, quando incabíveis, estranhos à competência desta Corte, intempestivos, sem objeto ou que veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante do Tribunal (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175).

Nem se alegue que esse preceito legal implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel.

Min.

CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO, v.

g.).

Cabe enfatizar, por necessário, que esse entendimento jurisprudencial é também aplicável aos processos objetivos de controle concentrado de constitucionalidade (ADI 563/DF, Rel.

Min.

PAULO BROSSARD – ADI 593/GO, Rel.

Min.

MARCO AURÉLIO – ADI 2.060/RJ, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO – ADI 2.207/AL, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO – ADI 2.215/PE, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO – ADPF 104- -MC/SE, Rel.

Min.

CÁRMEN LÚCIA, v.

g.), eis que, tal como já assentou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, o ordenamento positivo brasileiro não subtrai, ao Relator da causa, o poder de efetuar – enquanto responsável pela ordenação e direção do processo (RISTF, art. 21, I) – o controle prévio dos requisitos formais da fiscalização normativa abstrata, o que inclui, dentre outras atribuições, o exame dos pressupostos processuais e das condições da própria ação direta (RTJ 139/67, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO).

Sendo assim, e pelas razões expostas, não conheço da presente ação direta de inconstitucionalidade, restando prejudicada, em consequência, a apreciação do pedido de medida liminar.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 14 de fevereiro de 2014.

Ministro CELSO DE MELLO Relator

Partes

Recte.(s) : Carla Aciole Silva Deda Lisa

adv.(a/S) : Carlos Alberto de Oliveira Deda

recdo.(a/S) : União

proc.(a/S)(Es) : Advogado-Geral da União

Observação

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-035 DIVULG 19/02/2014 PUBLIC 20/02/2014

Publicação

13/03/2014

legislação Feita por:(Bmb)

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT