Decisões Monocráticas nº 2289 de STF. Supremo Tribunal Federal, 25 de Febrero de 2014

Número do processo2289
Data25 Fevereiro 2014

Decisão: Vistos.

Cuida-se de conflito negativo de atribuições entre o Ministério Público do Estado da Bahia e o Ministério Público Federal, autuado nesta Suprema Corte como ação cível originária.

O suscitante (Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia), por meio do ofício nº 6238/2013 – GPGJ, encaminha o expediente nº 003.0.184621/2013, no bojo do qual foi proferida manifestação da 5ª Promotoria de Justiça da Comarca de Lauro de Freitas, pela declinação da atribuição para apreciação da matéria em favor do Ministério Público Federal.

Na peça da 5ª Promotoria de Justiça, afirma-se que os fatos a serem apurados se referem a supostas irregularidades na seleção dos beneficiários do programa federal Minha Casa Minha Vida, a atrair a atribuição do MPF para apuração dos fatos, pois a ocorrência de irregularidades praticadas pelo gestor público, em qualquer fase do programa, implicaria na malversação de verba federal.

Prossegue discorrendo acerca da forma como ocorrem as transferências de recursos públicos governamentais no âmbito do programa em tela, para concluir que inexiste, em tal caso, incorporação de verba federal ao patrimônio municipal.

Suscita, nesse ponto, as Súmulas 208 e 209 do STJ.

Afirma, por fim, existir diversas investigações relacionadas ao programa Minha Casa Minha Vida, inclusive quanto à fase de cadastramento, sob condução do MPF.

Da documentação juntada aos autos, observa-se que o despacho do MPF, pelo declínio da atribuição de apuração dos fatos, dá-se sob o entendimento de que, embora sejam federais os recursos, a fase de cadastramento das famílias beneficiadas estaria – nos termos da Portaria nº 140/2010 do Ministério das Cidades – sob responsabilidade do Estado da Bahia, cuja atuação deve ser acompanhada pelo Ministério Público estadual.

Instado a se manifestar, o Procurador-Geral da República manifesta-se pelo não conhecimento da ação, por ilegitimidade ativa do suscitante ou, superada a preliminar, pela procedência do pedido.

A ilegitimidade ativa é defendida sob o entendimento de que, nos termos do art. 103, § 1º, CF/88 e art. 46 da LC nº 75/93, apenas o Procurador-Geral da República detém legitimação para atuar perante o Supremo Tribunal Federal.

Quanto ao mérito, aponta que os entes estaduais e municipais, relativamente ao programa Minha Casa Minha Vida, agem sempre na condição de agentes executores do programa federal, o que confirma o caráter inteiramente federal do programa.

Assim, qualquer irregularidade ocorrida, ainda que em etapa de responsabilidade do Município, trará prejuízo direto à União, por malversação de verbas federais.

Aduz, ainda, que a legitimidade do MPF para apreciação da causa seria, ainda, reforçada pela atribuição fiscalizatória da União sobre os recursos federais.

É o relatório.

Decido.

Quanto à ilegitimidade ativa do Ministério Público estadual, as razões apontadas pela PGR nos presentes autos já foram objeto de apreciação por esta Corte na Rcl nº 7.358/SP, que concluiu pela legitimidade autônoma do Ministério Público Estadual para atuar perante o Supremo.

Quanto ao mérito, no caso dos autos, trata-se de programa federal - Programa Minha Casa Minha Vida -, custeado exclusivamente com verbas federais, atuando os entes municipais e estaduais – consoante manifestação da douta Procuradoria-Geral da República – como meros agentes de execução do programa.

Imprescindível, portanto, a presença do Ministério Público Federal na apuração dos fatos supostamente irregulares no presente conflito de atribuições, o que contou inclusive com a aquiescência do Procurador-Geral da República, representante máximo do parquet federal.

Até mesmo porque, no caso de eventual ajuizamento de ação, por restar envolvido o interesse da União na correta aplicação dos recursos federais, será competente a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal.

Como bem ressaltado pela douta Procuradoria-Geral da República: O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), criado pela Lei n° 11.977/2009, é programa habitacional federal, regulamentado pelo Poder Executivo federal e subsidiado pela União. 20.

A gestão do Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU) e do Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), subprogramas do PMCMV, é feita pelos Ministérios da Fazenda e das Cidades, conforme o art. 9o da lei referida, e a operacionalização dos recursos respectivos feita pela Caixa Econômica Federal (art. 10). 21.

É certo, como apontado pelo suscitado, que a fase de seleção e cadastro dos beneficiários do programa ficou a cargo de órgãos estaduais/municipais, como inicialmente definido pela Portaria 140, de 2010.

Sabe-se, também, da possibilidade da previsão de critérios locais, além daqueles nacionais já estabelecidos (item 4 da portaria). 22.

Vê-se, entretanto, que o próprio ato regulamentador, quando trata dos ‘critérios locais’, condiciona-os ao que ali previsto.

A Portaria n° 610/2011, que revogou aquela primeira, mais que isso -além de não falar em ‘critérios locais’, e, sim, em ‘critérios adicionais’ -, faz determinação expressa de que se harmonizem com os nacionais e, do mesmo modo, 'amarra' a atuação dos entes estaduais e municipais às regras já estabelecidas.

Ou seja: a autonomia dos entes na fixação dos critérios é mínima, o que equivale a dizer que agem, mesmo nessa etapa, como agentes de execução de programa, confirmando-se o seu caráter integralmente federal. 23.

Entende-se, assim, que qualquer irregularidade ocorrida, ainda que em etapa de responsabilidade do Município, trará prejuízo direto à União, porque a seleção de pessoa ou família que não atenda aos critérios estabelecidos - no âmbito federal -, em detrimento do direito daquelas que os atendem, revela malversação de verbas federais, como notado pelo suscitante.

Verificado que o cadastro equivocado beneficiará terceiro não enquadrado nos requisitos legais, o que há, em última análise, é desvio de verbas federais. 24.

Não seria equivocado dizer, além disso, que a irregularidade objeto de apuração decorre da falta de fiscalização, pelo órgão competente (federal), do que poderia ser um esquema montado na esfera municipal. 25.

Como existe, assim, interesse direto da União em fiscalizar e manter a devida aplicação dos recursos federais destinados ao programa, o que garantirá o seu bom desenvolvimento e execução, a competência para processar e julgar eventual demanda decorrente dos fatos é da Justiça Federal, consoante a norma do art. 109, I, da Constituição.

Nesse sentido, também é a jurisprudência desta Suprema Corte: EMENTA Agravo regimental em ação cível originária.

Conflito de atribuição entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de São Paulo.

Concorrência de atribuições.

Possibilidade. 1.

Conflito negativo de atribuições, instaurado pelo Procurador-Geral da República, entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de São Paulo quanto a investigar irregularidades detectadas pela Controladoria-Geral da União na aplicação de recursos públicos federais no Município de Pirangi/SP. 2.

A análise do caso revela não existir o alegado conflito de atribuições, não havendo, ao menos por ora, como identificar atribuição única e exclusiva do Ministério Público Federal ou do Parquet estadual.

Foram constatadas várias irregularidades que apontam para níveis de ineficiência administrativa municipal. 3.

As falhas apontadas deram-se em programas federais, os quais contam com recursos derivados dos cofres da União, o que, por si só, já resulta no imediato e direto interesse federal na correta aplicação das verbas públicas, haja vista que a debilidade de gestão resulta igualmente na malversação de patrimônio público federal, independentemente da efetiva ocorrência de desvio de verbas.

No caso de eventual ajuizamento de ação civil pública, por restar envolvido o interesse da União na correta aplicação dos recursos federais, será competente a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal.

Precedente: ACO nº 1.281/SP, Tribunal Pleno, Rel.

Min.

Cármen Lúcia, DJe de 14/12/10. 4.

Essa atribuição do Parquet federal não exclui, contudo, a atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo de também atuar no presente caso, pois além do dever de zelar pela eficiência administrativa municipal, não se pode descartar, de início, a possibilidade de haver recursos públicos estaduais e municipais envolvidos. 5.

O aprimoramento dos mecanismos de controle da administração pública sempre se demonstra benéfico, sendo dotado cada órgão ministerial de independência suficiente para conduzir as apurações da forma que melhor lhe aprouver, sem que tal situação gere interferência indevida entre ambos. 6.

Agravo regimental a que se nega provimento. (ACO 1.463-AgR, Rel.

Min.

Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe de 1º/2/12).

CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR A AÇÃO.

PRECEDENTES.

CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES.

APURAÇÃO DE SUPOSTAS IRREGULARIDADES NA APLICAÇÃO DOS RECURSOS ORIUNDOS DO PRONAF.

INTERESSE DA UNIÃO.

ART. 109, INC.

I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. (ACO 1281/SP, Rel.

Min.

Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 14/12/10).

Pelo exposto, conheço do presente conflito para determinar a atribuição do Ministério Público Federal para apurar a eventual prática de irregularidades, ora objetos de investigação.

Remetam-se os autos ao suscitado para as providências cabíveis.

Publique-se.

Brasília, 25 de fevereiro de 2014.

Ministro Dias Toffoli Relator Documento assinado digitalmente

Partes

Autor(a/s)(es) : Ministério PÚblico do Estado da Bahia

proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral de Justiça do Estado da Bahia

réu(É)(S) : Ministério PÚblico Federal

proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral da República

Observação

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-042 DIVULG 27/02/2014 PUBLIC 28/02/2014

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