Decisões Monocráticas nº 790846 de STF. Supremo Tribunal Federal, 18 de Febrero de 2014

Data18 Fevereiro 2014
Número do processo790846

Decisão: Trata-se de agravo contra decisão que negou seguimento a recurso extraordinário que impugna acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado: APELAÇÃO CRIMINAL.

CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA.

SENTENÇA ABSOLUTÓRIA.

RECURSO MINISTERIAL.

PRETENSÃO DE CASSAÇÃO DA DECISÃO, SOB ALEGAÇÃO DE QUE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS.

Tribunal do Júri regido pelo princípio da íntima convicção.

Jurados livres na valoração e na interpretação da prova.

Anulação do julgado somente em situações excepcionais, em casos de manifesta arbitrariedade ou total dissociação das provas contidas nos autos.

In casu, a decisão absolutória mostra-se em total descompasso com a prova produzida nos autos.

Tese defensiva de negativa de autoria que não encontra respaldo no caderno probatório.

Álibi apresentado pelo acusado – declaração dos supostos empregadores no sentido de informar que estava no efetuando um trabalho no dia dos fatos – não encontra suporte nos demais elementos de prova, tendo sido rechaçado expressamente por uma das testemunhas.

Prova documental que não apresenta a idoneidade necessária para embasar o decreto absolutório.

Provimento do recurso ministerial. (eDOC 11, p. 58).

Não foram opostos embargos declaratórios em face do acórdão.

No apelo extremo, interposto com fundamento no artigo 102, III, a, do permissivo constitucional, aponta-se violação ao artigo 5º, XXXVIII, c, da Constituição Federal.

Nas razões recursais, sustenta-se que, ao anular a decisão absolutória proferida pelo Conselho de Sentença e determinar a submissão do agravante a novo julgamento perante o Tribunal do Júri, o acórdão recorrido violou o princípio da soberania dos veredictos.

Requer que o recurso seja provido, a fim de que o acórdão impugnado seja cassado e, consequentemente, que a decisão do Tribunal do Júri seja restabelecida.

Em contrarrazões, o Ministério Público estadual sustenta, em síntese, que a defesa pretende o reexame de provas, inviável nessa via recursal.

O Tribunal a quo negou trânsito ao recurso extraordinário, com o fundamento de que a análise do pleito exigiria reexame de fatos e provas.

Contra a referida decisão de inadmissibilidade foi interposto o presente agravo, que reafirma a tese exposta no apelo extremo.

É o relatório.

Não assiste razão ao agravante.

Da leitura dos autos, verifico que o recorrente pretende, a pretexto de suposta violação ao princípio da soberania dos veredictos, na realidade, o revolvimento fático-probatório, que é defeso em sede de recurso extraordinário.

Constato que o Tribunal a quo decidiu que a decisão proferida pelo Conselho de Sentença foi manifestamente contrária à prova dos autos e determinou a realização de novo julgamento pelo Júri.

A propósito, confira-se o seguinte trecho do acórdão recorrido: In casu, a tese sustentada pela defesa técnica foi unicamente a de negativa de autoria.

Todavia, considerando que todas as demais provas carreadas aos autos apontam positivamente para a autoria do delito, restou demonstrado que o Conselho de Sentença, ao decidir, o fez de forma manifestamente contrária à prova dos autos.

Registre-se que o álibi apresentado pelo acusado – declaração dos supostos empregadores no sentido de informar que estava efetuando um trabalho no dia dos fatos – não encontra suporte nos demais elementos de prova, tendo sido rechaçado expressamente por uma das testemunhas.

Por conseguinte, a prova documental que não apresenta a idoneidade necessária para embasar o decreto absolutório.

Como bem salientado pela douta Procuradoria de Justiça, Ecknéa Antonio de Andrade, os depoimentos das testemunhas Tatiana de Sena Pacheco, Rita de Cássia Araújo Sabóia e Leandro Sabóia Saores, todas vizinhas das vítimas, são firmes e coerentes no sentido de esclarecer que o apelante, na manhã do dia dos fatos, se encontrava na residência de Marcia e Vanderlei e que saiu em seguida, no veículo do casal, levando-os para o local da execução.

Tatiana de Sena Pacheco afirmou que estava no quintal de sua residência com o seu filho quando escutou muitos gritos de Márcia e pedido de socorro.

Relatou também que os cachorros latiram muito e em seguida houve um disparo de arma de fogo.

Disse que sempre mantinha contato com seus vizinhos por telefone e diante daquela situação, ligou para Vanderlei, que atendeu ao telefone no primeiro toque e imediatamente pediu que ligasse para a polícia porque Leandro estaria invadindo sua casa.

No mesmo sentido foram as declarações de Rita de Cássia Araújo Sabóia e Leandro Sabóia Soares, vizinhos das vítimas que também foram alertados sobre a presença de Leandro no imóvel.

Saliente-se ainda que Alessandra Melo Heliodoro, filha do apelado, também corroborou as alegações ministeriais.

Relatou que no dia dos fatos, aproximadamente às 9h30min, quando voltava da padaria, viu seu pai e seu tio, Leandro e Wallace, próximo ao local dos fatos num veículo Fox prata, salientando que Wallace estava sentado no banco do motorista e Leandro no carona.

Disse ainda que na semana anterior aos fatos, Leandro teria discutido com Márcia porque não observou a ordem de não ingressar na residência da sua ex-esposa.

Esclareceu que a desavença entre Leandro e Marcia era motivada pelo fato de o pai bater em sua mãe, no que a vítima não concordava tendo, inclusive, interferido algumas vezes, ocasião em que o acusado teria respondido que não era pra ninguém se meter, proibindo-a, inclusive, de entrar na casa de sua mãe.

Vale registrar ainda que a testemunha afirmou que o álibi apresentado por seu pai - de no dia dos fatos de que estava prestando serviço para a Sra.

Luciene Roger Malaquias de Almeida e o Sr.

Fernando Antonio Reis de Oliveira, no horário de 9h às 15h30min – não era verdadeiro porque aproximadamente às 9h30min o viu próximo à casa das vítimas e que Leandro teria cumprimentado Luiza e Isabel, vizinhas do casal.

A informante afirmou que na véspera dos fatos, o apelado foi até sua casa e discutiu com sua mãe sobre a venda do imóvel e que ameaçou qualquer um que atrapalhasse o seu caminho.

No mesmo sentido foram as declarações de Anderson Marton.

Afirmou que presenciou várias agressões praticadas pelo acusado contra sua ex-esposa e que juntamente com a vítima Vanderlei teria interferido na briga para socorrê-la, salientando que era Vanderlei quem a conduziu até a Delegacia para registrar ocorrência e fazer exame de corpo de delito.

Por essa razão, Leandro acreditava que Vanderlei estava induzindo sua ex-mulher a registrar ocorrências contra ele.

Disse que presenciou quando o acusado ameaçou de morte a Adriana e a todos os seus familiares.

As declarações de Adriana Serrano Melo, ex-esposa do acusado e irmã da vítima Márcia, também corroboraram a tese acusatória.

Disse que o acusado fazia uso de cocaína e que por muitas vezes foi agredida pelo mesmo, tendo registrado os fatos na Delegacia de Amparo à Mulher.

Esclareceu que Márcia e Vanderlei foram ameaçados por Leandro porque a socorreram nas agressões sofridas e que no dia anterior do crime Leandro teria discutido com ela porque quase fora preso.

Posteriormente soube que Leandro ficou enraivecido porque o magistrado deferiu medida protetiva de afastamento do acusado do lar.

Leandro dizia que se ele não podia ingressar na casa dela, os familiares também não poderiam.

Por derradeiro, o depoimento do policial Eduardo da Cunha também corrobora a versão acusatória.

Afirmou que Vanderlei teria denunciado Leandro pela prática da atividade criminosa de ‘desmanche de carros’, um mês antes dos fatos, ao Policial Aroldo Santos Filho e que esse seria o motivo do crime praticado por Leandro Heliodoro e Wallace Heliodoro contra Márcia Serrano Melo e Vanderlei Oliveira dos Santos.

Dessa forma, verifica-se que a versão acusatória encontra amplo embasamento nas provas carreadas aos autos, restando a versão defensiva sem qualquer amparo no lastro probatório, razão pela qual a decisão dos jurados se mostra inteiramente contrária à prova dos autos.

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso ministerial para cassar o decreto absolutório, submetendo o Leandro de Oliveira Heliodoro a novo julgamento perante o Tribunal do Júri.

Dessa forma, a tese desenvolvida no recurso extraordinário demanda a reanálise da instrução probatória.

Todavia, o recurso extraordinário não se presta à revisão dos fatos e provas já analisados pelas instâncias ordinárias.

Por fim, destaco que a jurisprudência desta Corte Suprema é assente no sentido de que o princípio constitucional da soberania dos veredictos não é violado pela determinação de realização de novo julgamento pelo tribunal do Júri quando a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos.

Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO, QUE TEVE O SEGUIMENTO NEGADO.

ANULAÇÃO DE DECISÃO ABSOLUTÓRIA DE TRIBUNAL DO JÚRI.

ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA REGRA QUE ASSEGURA A SOBERANIA DOS VEREDICTOS DO JÚRI.

NÃO OCORRÊNICA.

RECURSO NÃO PROVIDO.

Esta Corte tem entendido que a anulação de decisão do tribunal do júri, por manifestamente contrária à prova dos autos, não viola a regra constitucional que assegura a soberania dos veredictos do júri (CF, art. 5º, XXXVIII, c).

Nesse sentido, o HC 73.349 (red.

p/ acórdão min.

Maurício Corrêa, DJ de 1º.12.2000) e o RE 166.896 (rel.

min.

Néri da Silveira, DJ de 17.05.2002).

Além disso, a análise da questão constitucional suscitada nas razões recursais demanda o reexame aprofundado dos fatos e provas que sustentaram o acórdão atacado, o que inviabiliza o conhecimento do extraordinário, ante a vedação contida na Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal.

Agravo regimental não provido (Segundo Agravo Regimental no AI 728.023/RS, Rel.

Min.

Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 28.2.2011).

HABEAS CORPUS.

CONSTITUCIONAL.

PROCESSUAL PENAL.

IMPUTAÇÃO DO DELITO DE HOMICÍDIO QUALIFICADO.

DETERMINAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI.

ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOBERANIA DO VEREDITO: IMPROCEDÊNCIA.

NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS IMPRÓPRIO NA VIA ELEITA

A determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri não contraria o princípio constitucional da soberania dos vereditos quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos.

Precedentes. 2.

Concluir que o julgamento do Tribunal do Júri que absolveu os Pacientes não teria sido contrário à prova dos autos e que o Conselho de Sentença teria optado pela versão dos fatos da defesa impõe, na espécie vertente, revolvimento do conjunto probatório, o que ultrapassa os limites do procedimento sumário e documental do habeas corpus. 3.

Ordem denegada (HC 108.996/BA, Rel.

Min.

Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 8.11.2011).

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.

PROCESSUAL PENAL.

TRIBUNAL DO JÚRI.

DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS ATOS.

REALIZAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO.

NÃO VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS.

REEXAME DE FATOS E PROVAS.

INADMISSIBILIDADE.

RECURSO DESPROVIDO. 1.

Não viola o princípio constitucional da soberania dos veredictos, o comando de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri, no caso de decisão proferida manifestamente contrária à prova dos autos. 2.

A soberania dos veredictos não é um princípio intangível que não admita relativização.

A decisão do Conselho de Sentença quando manifestamente divorciada do contexto probatório dos autos resulta em arbitrariedade que deve ser sanada pelo juízo recursal, nos termos do art. 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal. 3.

Para acolher a tese do recorrente de que o veredicto não se mostra contrário à prova dos autos, imprescindíveis o reexame e a valoração de fatos e provas, o que é inadmissível na via eleita. 4.

Recurso ordinário em habeas corpus desprovido (RHC 107.250/SP, Rel.

Min.

Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 30.4.2012).

Ante o exposto, conheço do presente agravo para negar-lhe provimento (art. 544, § 4º, II, a, do CPC).

Publique-se.

Brasília, 18 de fevereiro de 2014.

Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente

Partes

Recte.(s) : Estado do Ceará

proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral do Estado do Ceará

recdo.(a/S) : Ciro Natanael Lima Andrade Moura

adv.(a/S) : Izac Genuino do Nascimento e Outro(a/S)

adv.(a/S) : Cicera Francisca Genuino do Nascimento

Observação

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-036 DIVULG 20/02/2014 PUBLIC 21/02/2014

Publicação

17/03/2014

legislação Feita por:(Tha)

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