Decisões Monocráticas nº 121339 de STF. Supremo Tribunal Federal, 20 de Febrero de 2014

Data20 Fevereiro 2014
Número do processo121339

Decisão: Vistos.

Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de Tharley Magno de Sousa Matias, apontando como autoridade coatora o Superior Tribunal Militar, que proveu parcialmente a Apelação nº 139-03.2012.7.11.0011/DF.

Sustenta a impetrante, em síntese, que o artigo 290 do Código Penal Militar é incompatível com a Constituição da República de 1988, por infringir o princípio da proporcionalidade das penas, extraído da inteligência dos incisos LIV e XLVI do artigo 5.º da Lei Maior (fl. 3 da inicial).

Aduz, ainda, que nenhuma norma da Constituição da República de 1988, nem mesmo a norma que institui os princípios de hierarquia e disciplina, autoriza que a lei trate aquele que pratique infração menos grave (consumo de droga) do mesmo modo que aquele que pratique infração mais grave (comércio de droga) (fl. 5 da inicial).

Requer o deferimento da liminar para determinar a suspensão dos efeitos do título condenatório formado em desfavor do paciente no bojo da ação penal militar 0000139-03.2012.7.11.0011, até o julgamento final da presente impetração (fl. 6 da inicial – grifos da autora).

No mérito, pede a concessão da ordem para: 3

declarar a não-recepção do artigo 290 do Código Penal Militar pela Constituição da República, em razão de sua incompatibilidade com o princípio da proporcionalidade das penas, extraído da inteligência dos incisos LIV e XLVI do artigo 5.º da Lei Maior; 3.2.

declarar a nulidade da ação penal 0000139-03.2012.7.11.0011, em razão de o paciente, sob a imputação de guardar droga para consumo, haver sido condenado à mesma pena mínima abstratamente cominada à conduta de guardar droga para comércio, em lugar sujeito à administração militar (fl. 6 da inicial – grifos da autora).

Examinandos os autos, decido.

Narra a impetrante, na inicial, que: (...) No mês de julho de 2012, o ora paciente THARLEY MAGNO DE SOUSA MATIAS foi denunciado, no bojo da ação penal militar autuada sob o número 0000139- 03.2012.7.11.0011, perante a 1.ª AUDITORIA DA 11.ª CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA MILITAR, como incurso no artigo 290, caput, do Código Penal Militar.

Em sua essência, a exordial acusatória imputa ao ora paciente a conduta de guardar, em área sujeita à administração militar, 20,6g (vinte gramas e seis decigramas) de maconha.

Esse fato teria ocorrido no dia 23/06/2012, quando THARLEY MAGNO DE SOUSA MATIAS, então com 18 (dezoito) anos de idade, prestava o serviço militar obrigatório.

A denúncia foi recebida no dia 25/07/2012.

Finda a instrução criminal, o feito foi levado a julgamento no dia 09/04/2013, quando o ora paciente foi condenado à pena de 01 (um) ano de reclusão.

A sentença foi publicada no dia 24/04/2013.

Em face dessa decisão condenatória, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO interpôs recurso de apelação, o qual foi parcialmente provido pelo SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR (fls. 1/2 da inicial – grifos da autora).

Transcrevo a ementa do julgado em questão: APELAÇÃO.

INTRODUÇÃO E GUARDA DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR (ART. 290, caput, do CPM).

SOLDADO FLAGRADO DURANTE REVISTA REALIZADA EM SEU ARMÁRIO, COM SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE ILÍCITA (‘MACONHA’).

CONST1TUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO PENAL MILITAR.

PROCESSAMENTO RESTRITO À ESFERA ADMINISTRATIVA.

IMPOSSIBILIDADE.

LEI Nº 11.343/2006.

NÃO INCIDÊNCIA.

EXCLUSÃO DE UMA DAS CONDIÇÕES PARA O SURSIS.

PROCEDÊNCIA. 1.

O Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, já decidiu pela Constitucionalidade do art. 290 do CPM. 2.

Por se tratar o porte de substância entorpecente ilícita no interior de Unidade Militar de prática criminal prevista no ordenamento jurídico, não é possível o seu processamento apenas na esfera administrativa, sob pena de afronta aos Princípios da Indisponibilidade e da Obrigatoriedade da Ação Penal.

Inteligência do art. 14 do Decreto nº 4.346, de 26/08/2002 (RDE). 3.

Não se aplica a Lei nº 11.343/2006 no âmbito da Justiça Militar da União, em razão do Princípio da Especialidade, conforme já decidiu o STF. 4.

O STM tem entendimento pacífico quanto à não aplicação da alínea ‘a’ do art. 626 do CPPM (tomar ocupação dentro do prazo razoável, se for apto para o trabalho), como condição para a concessão do Sursis. 5.

Apelo da Defesa parcialmente provido.

Decisão unânime (fl. 243 - anexo 3).

Essa é a razão pela qual se insurge a impetrante neste writ.

Pelo que se tem no julgado proferido pelo Superior Tribunal Militar, não se vislumbra ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia.

Pelo contrário, a decisão emanada daquela Corte Castrense encontra-se suficientemente fundamentada, restando, assim, justificado o convencimento formado, além de estar em absoluta harmonia com o entendimento da Corte.

Com efeito, o Plenário deste Supremo Tribunal, na sessão de 21/10/10, ao analisar o HC nº 103.684/DF, Relator o Ministro Ayres Britto, por maioria, assentou a constitucionalidade do art. 290 do Código Penal Militar, afastando, por consequência, a aplicabilidade do princípio da insignificância à posse de quantidade reduzida de substância entorpecente em lugar sujeito à administração militar e, ainda, suplantou, ante o princípio da especialidade, a aplicação da Lei nº 11.343/06.

O julgado em questão restou assim ementado: HABEAS CORPUS.

CRIME MILITAR.

CONSCRITO OU RECRUTA DO EXÉRCITO BRASILEIRO.

POSSE DE ÍNFIMA QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM RECINTO SOB ADMINISTRAÇÃO CASTRENSE.

INAPLICABILIDADE DO POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL.

INCIDÊNCIA DA LEI CIVIL Nº 11.343/2006.

IMPOSSIBILIDADE.

RESOLUÇÃO DO CASO PELO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE DA LEGISLAÇÃO PENAL CASTRENSE.

ORDEM DENEGADA. 1.

A questão da posse de entorpecente por militar em recinto castrense não é de quantidade, nem mesmo do tipo de droga que se conseguiu apreender.

O problema é de qualidade da relação jurídica entre o particularizado portador da substância entorpecente e a instituição castrense de que ele fazia parte, no instante em que flagrado com a posse da droga em pleno recinto sob administração militar. 2.

A tipologia de relação jurídica em ambiente castrense é incompatível com a figura da insignificância penal, pois, independentemente da quantidade ou mesmo da espécie de entorpecente sob a posse do agente, o certo é que não cabe distinguir entre adequação apenas formal e adequação real da conduta ao tipo penal incriminador.

É de se pré-excluir, portanto, a conduta do paciente das coordenadas mentais que subjazem à própria tese da insignificância penal.

Pré-exclusão que se impõe pela elementar consideração de que o uso de drogas e o dever militar são como água e óleo: não se misturam.

Por discreto que seja o concreto efeito psicofísico da droga nessa ou naquela relação tipicamente militar, a disposição pessoal em si para manter o vício implica inafastável pecha de reprovabilidade cívico-funcional.

Senão por afetar temerariamente a saúde do próprio usuário, mas pelo seu efeito danoso no moral da corporação e no próprio conceito social das Forças Armadas, que são instituições voltadas, entre outros explícitos fins, para a garantia da ordem democrática.

Ordem democrática que é o princípio dos princípios da nossa Constituição Federal, na medida em que normada como a própria razão de ser da nossa República Federativa, nela embutido o esquema da Tripartição dos Poderes e o modelo das Forças Armadas que se estruturam no âmbito da União.

Saltando à evidência que as Forças Armadas brasileiras jamais poderão garantir a nossa ordem constitucional democrática (sempre por iniciativa de qualquer dos Poderes da República), se elas próprias não velarem pela sua peculiar ordem hierárquico-disciplinar interna. 3.

A hierarquia e a disciplina militares não operam como simples ou meros predicados institucionais das Forças Armadas brasileiras, mas, isto sim, como elementos conceituais e vigas basilares de todas elas.

Dados da própria compostura jurídica de cada uma e de todas em seu conjunto, de modo a legitimar o juízo técnico de que, se a hierarquia implica superposição de autoridades (as mais graduadas a comandar, e as menos graduadas a obedecer), a disciplina importa a permanente disposição de espírito para a prevalência das leis e regulamentos que presidem por modo singular a estruturação e o funcionamento das instituições castrenses.

Tudo a encadeadamente desaguar na concepção e prática de uma vida corporativa de pinacular compromisso com a ordem e suas naturais projeções factuais: a regularidade, a normalidade, a estabilidade, a fixidez, a colocação das coisas em seus devidos lugares, enfim. 4.

Esse maior apego a fórmulas disciplinares de conduta não significa perda do senso crítico quanto aos reclamos elementarmente humanos de se incorporarem ao dia-a-dia das Forças Armadas incessantes ganhos de modernidade tecnológica e arejamento mental-democrático.

Sabido que vida castrense não é lavagem cerebral ou mecanicismo comportamental, até porque diz a Constituição às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar (§ 1º do art. 143). 5.

O modelo constitucional das Forças Armadas brasileiras abona a idéia-força de que entrar e permanecer nos misteres da caserna pressupõe uma clara consciência profissional e cívica: a consciência de que a disciplina mais rígida e os precisos escalões hierárquicos hão de ser observados como carta de princípios e atestado de vocação para melhor servir ao País pela via das suas Forças Armadas.

Donde a compatibilidade do maior rigor penal castrense com o modo peculiar pelo qual a Constituição Federal dispõe sobre as Forças Armadas brasileiras.

Modo especialmente constitutivo de um regime jurídico timbrado pelos encarecidos princípios da hierarquia e da disciplina, sem os quais não se pode falar das instituições militares como a própria fisionomia ou a face mais visível da idéia de ordem.

O modelo acabado do que se poderia chamar de relações de intrínseca subordinação. 6.

No caso, o art. 290 do Código Penal Militar é o regramento específico do tema para os militares.

Pelo que o princípio da especialidade normativo-penal impede a incidência do art. 28 da Lei de Drogas (artigo que, de logo, comina ao delito de uso de entorpecentes penas restritivas de direitos).

Princípio segundo o qual somente a inexistência de um regramento específico em sentido contrário ao normatizado na Lei 11.343/2006 é que possibilitaria a aplicação da legislação comum.

Donde a impossibilidade de se mesclar esse regime penal comum e o regime penal especificamente castrense, mediante a seleção das partes mais benéficas de cada um deles, pena de incidência em postura hermenêutica tipificadora de hibridismo ou promiscuidade regratória incompatível com o princípio da especialidade das leis. 7.

Ordem denegada Corroborando este entendimento, a Segunda Turma, ao julgar o ARE nº 710.663/DF-AgR, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, confirmou a jurisprudência pacífica da Corte no sentido da constitucionalidade do art. 290 do Código Penal Militar, vejamos: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.

CONSTITUCIONAL E PENAL.

POSSE DE DROGA EM RECINTO MILITAR.

APLICAÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE (ART. 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR): CONSTITUCIONALIDADE.

AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO (DJe de 21/11/12).

No mesmo sentido, destaco o ARE nº 790.324/DF, de minha relatoria, DJe de 7/2/14.

Conclui-se, portanto, que o tema trazido à baila é objeto de jurisprudência consolidada desta Suprema Corte, razão pela qual, nos termos do art. 192 do Regimento Interno - atualizado pela Emenda Regimental nº 30/09, denego a ordem de habeas corpus.

Publique-se.

Brasília, 20 de fevereiro de 2014.

Ministro Dias Toffoli Relator Documento assinado digitalmente

Partes

Recte.(s) : Clovis Rodrigues Correa

recte.(S) : Elizeu de Souza Moreira

adv.(a/S) : LÁzaro Agenor da Silva

recte.(S) : Luciano Ferreira Batista

recte.(S) : Cristiano Costa Ferreira

recte.(S) : Vicente de Paulo Faria

recte.(S) : Cleber Batista Nunes

recte.(S) : Marco Antonio da Silva

recte.(S) : Anderson Maximo Magalhaes

adv.(a/S) : Ricardo Soares Diniz e Outro(a/S)

recdo.(a/S) : Ministério PÚblico do Estado de Minas Gerais

proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais

adv.(a/S) : Leandro Hollerbach Ferreira

Observação

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-042 DIVULG 27/02/2014 PUBLIC 28/02/2014

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