Decisão da Presidência nº 813590 de STF. Supremo Tribunal Federal, 9 de Septiembre de 2013

Data09 Setembro 2013
Número do processo813590

Decisão: Vistos.

Ministério Público do Estado de Minas Gerais interpõe agravo de instrumento contra a decisão que não admitiu recurso extraordinário assentado em contrariedade aos artigos 5º, inciso LIV, 93, inciso IX, e 227 da Constituição Federal.

Insurge-se, no apelo extremo, contra acórdão da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado: CONSTITUCIONAL - POLÍTICAS PÚBLICAS - SEPARAÇÃO DE PODERES.

A formulação e consecução de políticas públicas é matéria de competência do Poder Executivo, em face do princípio da separação de poderes.

Se o Judiciário determinar a adoção de uma determinada medida de política pública, estará desautorizando a soberania popular que, por meio do voto, elegeu um determinado programa de governo.

Em reexame, reformar a sentença, prejudicado o apelo voluntário.

Opostos embargos de declaração, foram improvidos.

Opina o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República, Dr.

Rodrigo Janot Monteiro de Barros, pelo provimento do agravo de instrumento para, desde logo, conhecer e prover o RE.

Decido.

A irresignação merece prosperar.

O artigo 227 da Constituição Federal estipula como dever do Estado, bem como da família e da sociedade, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, a concretização da sua dignidade humana, mormente no tocante a colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, para tanto promovendo programas de assistência social.

Dessa forma, é patente que o Poder Público, incluídas todas as unidades federadas, inclusive os municípios, deve garantir a observância irrestrita da Constituição, não podendo se furtar dos deveres constitucionais sob fundamentos supostamente extraídos do próprio texto e da competência constitucional do ente federado.

Com efeito, a estipulação, pelo município, de Programa de Orientação Sócio-Familiar deve garantir o efetivo acesso aos destinatários, de modo a assegurar a aplicabilidade da norma constitucional, extraindo da sua efetivação a concretização de seus efeitos jurídicos e eficácia social.

A negativa ou simples inércia estatal no atendimento prioritário da criança e do adolescente de modo a descumprir a política pública programática, apenas é plausível se não inviabilizar o efetivo acesso a programa social já existente e positivado pelo Estado.

Assim, cabe ao Poder Judiciário analisar a legalidade do ato administrativo, quando, como no caso dos autos, o ente político descumprir os encargos político-jurídicos que sobre ele incide de maneira a comprometer com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais assegurados pela Constituição Federal.

Sobre o tema, as seguintes decisões monocráticas que perfeitamente se enquadram no caso dos autos: AI nº 646.079/SP, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 28/11/08, AI nº 725.891/SC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 10/10/08, essa ultima, assim fundamentada: CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE.

ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA.

EDUCAÇÃO INFANTIL.

DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006).

COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO.

DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º).

AGRAVO IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das 'crianças até 5 (cinco) anos de idade' (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional.

A questão pertinente à 'reserva do possível'.

Doutrina.

DECISÃO: O recurso extraordinário a que se refere o presente agravo de instrumento foi interposto contra acórdão, que, confirmado, em sede de embargos de declaração (fls. 09) pelo E.

Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, está assim ementado (fls. 09): 'APELAÇÃO CÍVEL.

MANDADO DE SEGURANÇA.

SENTENÇA QUE CONCEDEU A ORDEM, DETERMINANDO AO MUNICÍPIO A INCLUSÃO DE CRIANÇA EM CRECHE.

DIREITO FUNDAMENTAL.

COMPETÊNCIA DO ESTADO.

IMPOSSIBILIDADE DE O MUNICÍPIO EXIMIR-SE DO DEVER CONSTITUCIONAL, ATRIBUINDO-O À INICIATIVA PRIVADA.

GARANTIA QUE TEM POR DESTINATÁRIO TODAS AS CRIANÇAS DE 0 (ZERO) A 5 (CINCO) ANOS DE IDADE, E NÃO SOMENTE AQUELAS QUE SÃO PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA OU QUE SE ENCONTRAM EM SITUAÇÃO DE RISCO.

ART. 23, INCISO V, ART. 205, ‘CAPUT’, ART. 206, INCISO I, ART. 208, INCISO IV, E ART. 227, ‘CAPUT’, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

ART. 4º, ART. 53, INCISOS I E V, E ART. 54, INCISO IV, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

ART. 1º, ART. 2º, ART. 3º, INCISO I, E ART. 4º, INCISO IV, DA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL.

ALEGAÇÃO DE LIMITAÇÃO FINANCEIRO-ORÇAMENTÁRIA IMPEDITIVA DA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL QUE É REJEITADA.

RECURSO DESPROVIDO.

RESSALVA DO PONTO DE VISTA PESSOAL DO RELATOR

Ressalvado o ponto de vista pessoal do relator, entende a Câmara que o direito à educação da criança - matrícula em creche próxima à residência da mãe - pode ser reclamado em sede de mandado de segurança. 2. ‘CRECHE E PRÉ-ESCOLA - OBRIGAÇÃO DO ESTADO.

Cumpre ao Estado - gênero - proporcionar a creche e a pré-escola às crianças de zero a cinco anos de idade, observando a norma cogente do artigo 208, inciso IV, da Constituição Federal, com a redação decorrente da Emenda Constitucional n. 53/2006.’ (STF, agravo regimental no recurso extraordinário n. 384.201/SP, relator o ministro Marco Aurélio, j.

Em 26.4.2007).' A parte ora agravante sustenta que o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária teria transgredido preceitos inscritos na Constituição da República.

O exame desta causa, considerada jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou matéria ora em análise (AI 474.444-AgR/SP, Rel.

Min.

MARCO AURÉLIO – RE 410.715-AgR/SP, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO - RE 436.996-AgR/SP, Rel. .

CELSO DE MELLO, v.

g.), convence-me da inteira correção dos fundamentos que apóiam e dão consistência ao acórdão emanado do E.

Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

É preciso assinalar, neste ponto, por relevante, que o direito à educação – que representa prerrogativa constitucional deferida a todos (CF, art. 205), notadamente às crianças (CF, arts. 208, IV, e 227, 'caput') – qualifica-se como um dos direitos sociais mais expressivos, subsumindo-se à noção dos direitos de segunda geração (RTJ 164/158-161), cujo adimplemento impõe, ao Poder Público, a satisfação de um dever de prestação positiva, consistente num 'facere', pois o Estado dele só se desincumbirá criando condições objetivas que propiciem, aos titulares desse mesmo direito, o acesso pleno ao sistema educacional, inclusive ao atendimento, em creche e pré-escola, 'às crianças até 5 (cinco) anos de idade' (CF, art. 208, IV, na redação dada pela EC nº 53/2006).

O eminente PINTO FERREIRA ('Educação e Constituinte', 'in' Revista de Informação Legislativa, vol. 92, p. 171/173), ao analisar esse tema, expende magistério irrepreensível: 'O Direito à educação surgiu recentemente nos textos constitucionais.

Os títulos sobre ordem econômica e social, educação e cultura revelam a tendência das Constituições em favor de um Estado social.

Esta clara opção constitucional faz deste ordenamento econômico e cultural um dos mais importantes títulos das novas Constituições, assinalando o advento de um novo modelo de Estado, tendo como valor-fim a justiça social e a cultura, numa democracia pluralista exigida pela sociedade de massas do século XX.' (grifei) Para CELSO LAFER ('A Reconstrução dos Direitos Humanos', p. 127 e 130/131, 1988, Companhia de Letras), que também exterioriza a sua preocupação acadêmica sobre o tema, o direito à educação – que se mostra redutível à noção dos direitos de segunda geração – exprime, de um lado, no plano do sistema jurídico-normativo, a exigência de solidariedade social, e pressupõe, de outro, a asserção de que a dignidade humana, enquanto valor impregnado de centralidade em nosso ordenamento político, só se afirmará com a expansão das liberdades públicas, quaisquer que sejam as dimensões em que estas se projetem: '(...) É por essa razão que os assim chamados direitos de segunda geração, previstos pelo ‘welfare state’, são direitos de crédito do indivíduo em relação à coletividade.

Tais direitos – como o direito ao trabalho, à saúde, à educação – têm como sujeito passivo o Estado porque, na interação entre governantes e governados, foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los.

O titular desse direito, no entanto, continua sendo, como nos direitos de primeira geração, o homem na sua individualidade.

Daí a complementaridade, na perspectiva ‘ex parte populi’, entre os direitos de primeira e de segunda geração, pois estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas.

Por isso, os direitos de crédito, denominados direitos econômico-sociais e culturais, podem ser encarados como direitos que tornam reais direitos formais: procuraram garantir a todos o acesso aos meios de vida e de trabalho num sentido amplo (...).' (grifei) O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à educação infantil – ainda mais se considerado em face do dever que incumbe, ao Poder Público, de torná-lo real, mediante concreta efetivação da garantia de ento, em creche e pré-escola, às crianças de até cinco anos de idade (CF, art. 208, IV) – não podem ser menosprezados pelo Estado, 'obrigado a proporcionar a concretização da educação infantil em sua área de competência' (WILSON DONIZETI LIBERATI, 'Conteúdo Material do Direito à Educação Escolar', 'in' Direito à Educação: Uma Questão de Justiça', p. 236/238, item n. 3.5, 2004, Malheiros), sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário.

Cabe referir, neste ponto, a observação de PINTO FERREIRA ('Educação e Constituinte' 'in' Revista de Informação Legislativa, vol. 92, p. 171/173), quando adverte – considerada a ilusão que o caráter meramente retórico das proclamações constitucionais muitas vezes encerra – sobre a necessidade de se conferir efetiva concretização a esse direito essencial, cuja eficácia não pode ser comprometida pela inação do Poder Público: 'O direito à educação necessita ter eficácia.

Sendo considerado como um direito público subjetivo do particular, ele consiste na faculdade que tem o particular de exigir do Estado o cumprimento de determinadas prestações.

Para que fosse cumprido o direito à educação, seria necessário que ele fosse dotado de eficácia e acionabilidade (...).' (grifei) O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de educação infantil, especialmente se reconhecido que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido programa a ser implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis – notadamente aquelas que visem a fazer cessar, em favor da infância carente, a injusta situação de exclusão social e de desigual acesso às oportunidades de atendimento em creche e pré-escola -, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público.

Ao julgar a ADPF 45/DF, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO, proferi decisão assim ementada (Informativo/STF nº 345/2004): 'ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.

A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL.

DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS.

CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR.

CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’.

NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’.

VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).' Salientei, então, em tal decisão, que o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam - enquanto direitos de segunda geração (como o direito à educação, p.

ex.) - com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO).

É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212-1213, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO), o Supremo Tribunal Federal: 'DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tantopode ocorrer mediante ação quantomediante inércia .

A situação de inconstitucionalidade derivar de um comportamento ativodo Poder Público, que age edita em desacordo o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados.

Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotaras medidas necessáriasà realização concreta preceitos da Constituição, em ordem torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumpriro dever de prestação a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativado texto constitucional.

Desse non facereou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhumaa providência adotada, ou parcial, quando é insuficientea medida efetivada pelo Poder Público. ....................................................... - A omissão Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposiçãoditada pelo texto constitucional - qualifica-secomo comportamento revestidoda maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita Constituição, tambémofende direitos que nela se fundam e tambémimpede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.' (RTJ 185/794-796, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO, Pleno) É certo – tal como observei no exame da ADPF 45/DF, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004) - que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.

Impende assinalar, no entanto, que tal incumbência poderá atribuir-se, embora excepcionalmente, ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame.

Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à reserva do possível (STEPHEN HOLMES/CASS R.

SUNSTEIN, The Cost of Rights, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, p. 245/246, 2002, Renovar), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.

Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004).

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da reserva do possível - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

Daí a correta observação de REGINA MARIA FONSECA MUNIZ (O Direito à Educação, p. 92, item n. 3, 2002, Renovar), cuja abordagem do tema – após qualificar a educação como um dos direitos fundamentais da pessoa humana – põe em destaque a imprescindibilidade de sua implementação, em ordem a promover o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida de todos, notadamente das classes menos favorecidas, assinalando, com particular ênfase, a propósito de obstáculos governamentais que possam ser eventualmente opostos ao adimplemento dessa obrigação constitucional, que o Estado não pode se furtar de tal dever sob alegação de inviabilidade econômica ou de falta de normas de regulamentação (grifei).

Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a educação infantil – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 208, IV) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público, especialmente o Município (CF, art. 211, § 2º), disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial, como adverte, em ponderadas reflexões, a ilustre magistrada MARIA CRISTINA DE BRITO LIMA, em obra monográfica dedicada ao tema ora em exame (A Educação como Direito Fundamental, 2003, Lumen Juris).

Cabe referir, ainda, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a advertência de LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, ilustre Procuradora Regional da República (Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público, p. 59, 95 e 97, 2000, Max Limonad), cujo magistério, a propósito da limitada discricionariedade governamental em tema de concretização das políticas públicas constitucionais, assinala: 'Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer. ......................................................

Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituiçãoe às normas infraconstitucionais para a implementaçãodas íticas públicas relativasà ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social. ......................................................

Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração. .......................................................

As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.' (grifei) Tenho para mim, desse modo, presente tal contexto, que os Municípios - que atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Constituição, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se de atendimento das crianças em creche e na pré-escola (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.

Entendo, por isso mesmo, que se revela inacolhível pretensão recursal deduzida pelo Município de Criciúma, notadamente em face da jurisprudência que se formou, no Supremo Tribunal Federal, sobre a questão ora em exame (AI 455.802/SP, Rel.

Min.

MARCO AURÉLIO – AI 475.571/SP, Rel.

Min.

MARCO AURÉLIO – RE 401.673/SP, Rel.

Min.

MARCO AURÉLIO – RE 410.715-AgR/SP, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO - RE 411.518-AgR/SP, Rel.

Min.

MARCO AURÉLIO – RE 436.996/SP, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO).

Cumpre destacar, neste ponto, por oportuno, ante a inquestionável procedência de suas observações, a decisão proferida pelo eminente Ministro MARCO AURÉLIO (RE 431.773/SP), no sentido de que, Conforme preceitua o artigo 208, inciso IV, da Carta Federal, consubstancia dever do Estado a educação, garantindo o atendimento em creche e pré-escola às crianças (...).

O Estado - União, Estados propriamente ditos, ou seja, unidades federadas, e Municípios - deve aparelhar-se para a observância irrestrita dos ditames constitucionais, não cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas com a deficiência de caixa (grifei).

Isso significa, portanto, considerada a indiscutível primazia reconhecida aos direitos da criança e do adolescente (ANA MARIA MOREIRA MARCHESAN, O princípio da prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente e a discricionariedade administrativa, in RT 749/82-103), que a ineficiência administrativa, o descaso governamental com direitos básicos do cidadão, a incapacidade de gerir os recursos públicos, a incompetência na adequada implementação da programação orçamentária em tema de educação pública, a falta de visão política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a educação infantil, a inoperância funcional dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais estabelecidas em favor das pessoas carentes não podem nem devem representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, notadamente pelo Município (CF, art. 211, § 2º), da norma inscrita no art. 208, IV, da Constituição da República, que traduz e impõe, ao Estado, um dever inafastável, sob pena de a ilegitimidade dessa inaceitável omissão governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental da cidadania e que é, no contexto que ora se examina, o direito à educação, cuja amplitude conceitual abrange, na globalidade de seu alcance, o fornecimento de creches públicas e de ensino pré-primário às crianças até 5 (cinco) anos de idade (CF, art. 208, IV, na redação dada pela EC nº 53/2006).

Sendo assim, e pelas razões expostas, nego provimento ao presente agravo de instrumento, por revelar-se evidentemente incabível, na espécie, o recurso extraordinário a que ele se refere.

Ante o exposto, nos termos do artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, determino a conversão do agravo de instrumento em recurso extraordinário, ao qual dou provimento, para, reformando o acórdão regional, restabelecer a sentença proferida em primeiro grau.

Publique-se.

Brasília, 9 de setembro de 2013.

Ministro Dias Toffoli Relator Documento assinado digitalmente

Partes

Recte.(s) : Estado do MaranhÃo

proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral do Estado do MaranhÃo

recdo.(a/S) : Elizabete da Costa Ribeiro

adv.(a/S) : Cosmo Alexandre da Silva e Outro(a/S)

adv.(a/S) : Monique Morais Santos Fernandes

Publica��o

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-181 DIVULG 13/09/2013 PUBLIC 16/09/2013

Observa��o

14/10/2013

legislação Feita por:(Lnb)

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