Decisão da Presidência nº 3147 de STF. Supremo Tribunal Federal, 16 de Septiembre de 2013

Número do processo3147
Data16 Setembro 2013

DECISÃO: Trata-se de inquérito instaurado para apurar suposta falsificação ideológica em documento público para fins eleitorais, delito descrito no art. 350 da Lei 4.737/65 (Código Eleitoral), que teria sido praticado, em tese, pelo investigado João Luiz Correia Argolo dos Santos, hoje Deputado Federal, com o fim de realizar alistamento eleitoral.

O procedimento investigatório foi instaurado pela Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal na Bahia (SR/DPF/BA), em atendimento ao pedido de averiguações formulado no Acórdão 40/2004 do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE/BA).

A Corte Eleitoral requereu a realização de investigação, sob fundamento de que o investigado, ao requerer a seu alistamento eleitoral em Alagoinhas/BA, teria apresentado documentos com indícios de falsidade, objetivando comprovar de vínculo de domicílio (fls. 02/04).

O investigado, em 02.10.2003, teria formalizado um requerimento de alistamento eleitoral (fls. 04 do apenso), com o intuito de transferir seu domicílio eleitoral do município de Entre Rios/BA para o de Alagoinhas/BA.

Alegou residir em Alagoinhas por 7 (sete) meses e apresentou, entre outros documentos, cópia do contrato de locação de um imóvel localizado na Avenida Ayrton Sena, nº 534 (fls. 04/04 verso e 07 do apenso).

O Juízo da 164ª Zona Eleitoral da Comarca de Alagoinhas determinou fossem apresentados outros elementos para comprovar o tempo de domicílio e o investigado informou possuir vínculo afetivo, histórico, patrimonial, empresarial e político com o município de Alagoinhas, apresentando, também, contrato social do Instituto de Ensino Superior do Estado da Bahia, situado na Rua José Olímpio, nº 192, no Centro de Alagoinha, em que figura como sócio (fls. 33/36 do apenso).

O pedido de transferência de domicílio eleitoral foi indeferido pelo Juízo de Primeiro Grau ao fundamento de que o investigado teria apresentado contrato de locação maquiado para comprovar domicílio.

Apontou, também, que diligências realizadas indicariam que o Instituto, do qual o investigado afirmou ser sócio, não funcionaria no endereço fornecido (fls. 50/53 do apenso).

Apresentado recurso ao TRE/BA, o Ministério Público ofereceu parecer pelo provimento, mas requereu que fosse encaminhada cópia integral dos autos à Polícia Federal, por existir indícios de prática de delito eleitoral (fls. 79/82).

O TRE/BA, à unanimidade, deu provimento ao recurso do investigado, deferindo a transferência do seu domicílio eleitoral para Alagoinhas com base no seguinte argumento: a jurisprudência é pacífica no sentido de que o eleitor que mantém vínculos com determinado município, sejam eles comunitários, políticos, familiares ou patrimoniais, pode elegê-lo como seu domicílio eleitoral. (fls. 90 do apenso) O Acórdão 40/2004 do TRE/BA, considerou que o conceito de domicílio para fins eleitorais é bastante flexível e amplo, não tendo seguido a esteira do Código Civil onde a característica do domicílio é o animus definitivo de morar. (fls. 89 do apenso) Entretanto, o Tribunal Eleitoral, pelo voto de desempate, determinou a remessa de cópia do processo à Superintendência Regional da Polícia Federal (fls. 86 do Apenso).

Assim, a SR/DPF/BA instaurou o presente inquérito e realizou diligências, das quais destaco as seguintes: (1) oitiva do investigado (fl. 118) e de seu tio Sebastião de Barros Correia (fls. 143/146), que figura como locador do imóvel situado na Av.

Ayrton Sena, nº 534; (2) emissão de carta precatória para a oitiva de Clóvis Domingos da Silva - proprietário do aludido imóvel conforme escritura pública constatando-se que ele já havia falecido (fls. 120); (3) juntada ao autos do contrato particular de compra e venda apresentado por Sebastião com o intuito de comprovar que ele teria adquirido o aludido imóvel de Clóvis Domingos da Silva (fls. 151/155).

Às fls. 183/186, a SR/DPF/BA apresentou relatório das investigações, informando haver indícios de que dois documentos apresentados pelo investigado não retratam situações efetivamente existentes no campo fático.

Os documentos supostamente falsos seriam o contrato de locação do imóvel situado na Avenida Airton Sena, nº 534 e o contrato social do Instituto de Ensino Superior do Estado da Bahia S/C LTDA.

Os autos foram encaminhados para o TRE/BA que, no Acórdão 88/2011, declinou a competência para o STF (fls. 197/199).

Nesta Suprema Corte, os autos foram distribuídos ao Ministro Joaquim Barbosa em 06.04.2011 (fls. 201).

Às fls. 280/281, a defesa pleiteou o trancamento do presente inquérito alegando, em síntese, carência de justa causa.

Alegou-se que o TRE/BA deferiu o pedido de transferência de domicílio do investigado com fundamento em vínculo afetivo e propriedade imobiliária adquirida por doação, de forma que os documentos que foram acoimados ideologicamente falsos não serviram de suporte à transferência do título eleitoral, inexistindo, portanto, lesividade à fé pública, bem jurídico tutelado pelo tipo penal incriminador.

Em parecer de fls. 203/205, a Procuradoria-Geral da República requereu o levantamento atualizado da Folha de Antecedentes Criminais de João Luiz Correia Argolo dos Santos, visando eventual proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95).

Findas as diligências em 03.02.2012 que apontaram a inexistência de antecedentes criminais, os autos foram encaminhados ao Parquet e o então Procurador-Geral da República, denunciou João Luiz Correia Argolo dos Santos por ter inserido informação falsa em documento público, consistente na falsa declaração de domicílio em seu Requerimento de Alistamento Eleitoral junto à 164ª Zona Eleitoral de Alagoinhas/BA.

Imputou-se ao acusado a prática do delito tipificado no art. 350 do Código Eleitoral (fls. 292/296).

Diante da ausência de antecedentes criminais, a Procuradoria-Geral da República também formulou proposta de suspensão condicional do processo a ser apresentada na hipótese de recebimento da denúncia (fls. 290/291).

Naquela oportunidade sugeriram-se as seguintes condições: doação pessoal, bimestral, durante 2 (dois) anos, de 1 (um) salário mínimo ao Instituto Vicky Tavares VIDA POSITIVA, CNPJ nº 08.568.601/0001-07, que atende crianças portadoras do vírus HIV, sediada na HIGS 711, bloco Q, casa 04, Asa Sul/DF (casa de portão amarelo).

O investigado foi notificado pessoalmente do oferecimento da denúncia, nos termos do art. 4º da Lei 8.038/90 (fls. 303-303 verso).

Em defesa preliminar de fls. 309/316, alegou inépcia da denúncia, sustentando-se que a autoridade policial e a Procuradoria-Geral da República em nenhum momento levam em consideração o fato de o TRE/BA ter autorizado o alistamento eleitoral do investigado em Alagoinhas/BA.

Às fls. 320/324, a Procuradoria-Geral da República reafirmou o pleito de recebimento da denúncia.

Decido.

De acordo com a denúncia: Em 2.10.2003 o denunciado protocolou junto ao cartório da 164a.

Zona Eleitoral de Alagoinhas/BA requerimento de alistamento eleitoral, solicitando a transferência de seu domicílio eleitoral da cidade de Salvador/;BA para Alagoinhas/BA (fls. 4 do apenso). … Diante dessas informações, conclui-se que o denunciado não mantinha residência em Alagoinhas/BA no momento em que requereu a transferência de seu domicílio eleitoral, razão pela qual são falsas as informações por ele inseridas no Requerimento de Alistamento Eleitoral.

Assim agindo, João Luiz Correia Argôlo dos Santos praticou o delito tipificado no art. 350 do Código Eleitoral, ao inserir informação falsa em documento público, consistente na falsa declaração de domicílio em seu Requerimento de Alistamento Eleitoral junto à 164a.

Zona Eleitoral de Alagoinhas/BA.

O art. 350, do Código Eleitoral prevê: Art

Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais.

Como se vê, o tipo penal descreve condutas omissiva e comissiva de falsidade ideológica em documento público ou particular para fim eleitoral.

Pretende o legislador proteger a fé pública no âmbito eleitoral e evitar que informações ideologicamente falsas possam influir indevidamente no processo de manifestação política, atingindo os princípios do Estado de Direito e da Democracia.

No presente caso, o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, órgão a quem caberia no caso concreto definir a proteção do bem jurídico pretendido pela norma, por unanimidade, deferiu o pedido de transferência de domicílio eleitoral para Alagoinhas/BA com base no conjunto probatório apresentado, convencendo-se que o conceito de domicílio eleitoral foi atendido, o que acaba por retirar a tipicidade do ato praticado.

A Procuradoria Regional Eleitoral, em promoção referente ao julgamento do recurso interposto por João Luiz Correia Argolo perante o TRE/BA, afirmou (fls. 82 do Apenso): Muito embora seja razoável sustentar que a fixação do domicílio eleitoral deveria demandar provas mais robustas de efetivos laços com determinada zona, não é esta a interpretação formulada pelo Tribunal Superior Eleitoral, cuja elasticidade conferida ao conceito acaba por admitir requerimentos de transferência fundados em circunstâncias de ordem afetiva e vínculos históricos.

Na perspectiva adotada pelo TSE, os autos demonstram que o recorrente possui imóvel em Alagoinhas, onde obteve parte importante da sua votação para o cargo de Deputado Estadual (fl. 70), bem como que ali estudou quando criança (fl. 39), razão pela qual é de ser deferida a transferência de domicílio pleiteada.

Veja-se que, no entendimento do Ministério Público, mesmo que fosse considerada a falsidade ideológica da indicação de endereço de João Luiz Corria Argolo na Avenida Ayrton Sena, Alagoinhas/BA, o requerente teria conseguido provar seu domicílio através de outros meios.

Portanto, não teria sido atingido o bem jurídico protegido pela norma penal especial: a fé pública do sistema eleitoral.

O voto condutor do acórdão unânime destaca, ainda, a higidez de outros elementos apresentados à Justiça Eleitoral pelo requerente, quais sejam, a propriedade de outro imóvel (fls. 08 do Apenso) e a demonstração de elos históricos (atestado escolar de comparecimento primário em instituição de ensino na localidade - fls. 40 do Apenso), políticos (fls. 41, do Apenso) e afetivos: O recorrente apresentou como prova de domicílio contrato de locação de uma casa em Alagoinhas e uma guia de recolhimento do imposto de transmissão inter vivos, demonstrando que é proprietário de um imóvel naquela localidade, adquirido por doação de sua genitora.

Além disso, pelo que se depreende dos autos, existem elos afetivos que o ligam àquela cidade, porquanto tendo passado parte de dua infância e adolescência em Alagoinhas, lé possui parentes e amigos.

Assim é que, diante do fato de que havia outros elementos a conferir a fixação do domicílio, a inserção da informação eventualmente falsa não seria apta a lesionar o bem jurídico protegido.

Observo que o requerimento de alteração de domicílio eleitoral também foi acompanhado de Guia de Informação de ITBI de outro imóvel, a demonstrar propriedade no Município de Alagoinhas.

Com efeito, o conceito de domicílio eleitoral não é exclusivamente dependente da fixação de residência, conforme apontou a Procuradoria Regional Eleitoral e como constou do voto condutor do acórdão, unânime.

Além disso, precedentes do TSE confirmam a elasticidade do conceito de domicílio eleitoral, o que foi reconhecido no caso concreto, retirando do documento apontado como falso a capacidade de lesionar o bem jurídico.

No julgamento do Agravo de Instrumento no. 7286, rel.

Min.

Fátima Nancy Andrighi, o TSE estabeleceu: PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 55, § 1º, III, DO CÓDIGO ELEITORAL.

NÃO PROVIMENTO. 1.

Na espécie, a declaração subscrita por delegado de polícia constitui requisito suficiente para comprovação da residência do agravado e autoriza a transferência de seu domicílio eleitoral, nos termos do art. 55, § 1º, III, do CE. 2.

O TSE já decidiu que o conceito de domicílio no Direito Eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e satisfaz-se com a demonstração de vínculo político, social ou afetivo.

No caso, o agravado demonstrou vínculo familiar com o Município de Barra de Santana/PB, pois seu filho reside naquele município. 3.

O provimento do presente recurso especial não demanda o revolvimento de fatos e provas, mas apenas sua correta revaloração jurídica, visto que as premissas fáticas encontram-se delineadas no acórdão regional.

Precedentes. 4.

Agravo regimental não provido.

Na esteira desse entendimento, haveria contradição em se considerar que, diante do conjunto probatório, o requerente possuiria domicílio eleitoral no Município, e, ao mesmo tempo, que o bem jurídico tenha sido lesionado a ponto de se estabelecer a persecução criminal em processo penal.

De certa forma, a própria diferença de quórum de julgamento das duas questões pelo o TRE/BA (por unanimidade, considerou que havia fixação de domicílio e, por apertada maioria de um voto, deliberou extrair peças para instauração de apuração de natureza criminal) demonstra isso.

Havendo convencimento de que o requerente estabeleceu domicílio eleitoral no Município, qual lesão à fé pública, no âmbito eleitoral, teria ocorrido? Mesmo que se considere que o tipo seja de perigo abstrato, estar-se-ia diante de caso em que, comprovadamente, não houve efetiva lesão ao bem jurídico, o que leva à atipicidade do fato e, portanto, à inexistência de crime.

Sendo assim, rejeito a denúncia e determino o arquivamento do inquérito, por falta de justa causa, nos termos do art. 395, III, do Código de Processo Penal c/c art. 21, XV, do RISTF.

Dê-se ciência à Procuradoria Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 16 de setembro de 2013.

Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO Relator

Partes

Pacte.(s) : Luiz Carlos Guerra Filho

impte.(S) : Heitor Alves e LetÍcia Pitoli

coator(a/S)(Es) : Superior Tribunal de JustiÇa

Publica��o

DJe-186 DIVULG 20/09/2013 PUBLIC 23/09/2013

Observa��o

18/10/2013

legislação Feita por:(Dmp)

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