Decisão da Presidência nº 117779 de STF. Supremo Tribunal Federal, 26 de Septiembre de 2013

Data26 Setembro 2013
Número do processo117779

DECISÃO: Registro, preliminarmente, por necessário, que o Supremo Tribunal Federal, mediante edição da Emenda Regimental nº 30, de 29 de maio de 2009, delegou expressa competência ao Relator da causa, para, em sede de julgamento monocrático, denegar ou conceder a ordem de habeas corpus, ainda que de ofício, desde que a matéria versada no writ em questão constitua objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal (RISTF, art. 192, caput, na redação dada pela ER nº 30/2009).

Ao assim proceder, fazendo-o mediante interna delegação de atribuições jurisdicionais, esta Suprema Corte, atenta às exigências de celeridade e de racionalização do processo decisório, limitou-se a reafirmar princípio consagrado em nosso ordenamento positivo (RISTF, art. 21, § 1º; Lei nº 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557) que autoriza o Relator da causa a decidir, monocraticamente, o litígio, sempre que este referir-se a tema já definido em jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal.

Nem se alegue que essa orientação implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel.

Min.

CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO, v.

g.).

A legitimidade jurídica desse entendimento decorre da circunstância de o Relator da causa, no desempenho de seus poderes processuais, dispor de plena competência para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, justificando-se, em consequência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175 – RTJ 173/948), valendo assinalar, quanto ao aspecto ora ressaltado, que este Tribunal, em decisões colegiadas (HC 96.821/SP, Rel.

Min.

RICARDO LEWANDOWSKI – HC 104.241-AgR/SP, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO), reafirmou a possibilidade processual do julgamento monocrático do próprio mérito da ação de habeas corpus, desde que observados os requisitos estabelecidos no art. 192 do RISTF, na redação dada pela Emenda Regimental nº 30/ Tendo em vista essa delegação regimental de competência ao Relator da causa, impõe-se reconhecer que a controvérsia ora em exame ajusta-se à jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise, o que possibilita seja proferida decisão monocrática sobre o litígio em questão.

Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão que, emanada do E.

Superior Tribunal de Justiça, restou assim fundamentada: No presente ‘mandamus’, insurge-se o impetrante, em síntese, contra a manutenção da segregação cautelar, por entender não estarem presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.

Contudo, a insurgência não tem como prosperar.

Com efeito, a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva consignou expressamente se cuidar de réu reincidente (fl. 27).

Ademais, consignou o Tribunal de origem que ‘provados a existência do crime, indícios suficientes de autoria, bem como a necessidade de garantia da ordem pública, não se vislumbra constrangimento na prisão’ (fl. 98).

Por oportuno, confira-se o seguinte trecho do acórdão (fls. 98/99): Note-se que, conforme pesquisa efetuada no terminal Intlnfo disponibilizado por este Egrégio Tribunal, o paciente praticou uma série de delitos, como os crimes de furto e tráfico de drogas, indicativos de sua personalidade voltada à prática delitiva, tudo a sugerir, como oportunamente mencionado na r.

decisão ora combatida, que o paciente seja colocado no claustro para garantia da ordem pública (...).

Importante frisar ainda, como bem destacou a D.

Procuradoria Geral de Justiça em seu parecer, ‘não fossem tantas as chances que lhe foram dadas pela Justiça (após prisões em flagrante por furto e por delito da Lei Maria da Penha, só este ano ele recebeu em janeiro e em junho a liberdade provisória) e ele as desprezou’ (fl. 78).

Desta forma, configuram-se estes como elementos do caso concreto que demonstram ser o réu merecedor da prisão preventiva.

Constata-se, dessa forma, que a prisão cautelar do paciente foi mantida para garantia da ordem pública, considerando-se a prática de diversos outros delitos, o que autoriza concluir pela periculosidade do agente e elevado risco de reiteração delitiva, mostrando-se necessária a medida extrema para acautelar o meio social.

Importante destacar que a prisão, nesses casos, dirige-se à proteção da comunidade, considerando-se que esta seria duramente atingida no caso de não aprisionamento de autores de crimes que causam intranquilidade social.

Em regra, está relacionada à periculosidade do réu, sendo necessária à preservação da boa convivência social e a fim de prevenir a reprodução de outros fatos criminosos.

A expressão garantia da ordem pública é de difícil definição.

Antônio Scarance Fernandes entende que a prisão para a garantia da ordem pública justificar-se-ia naqueles casos em que o acusado reitera a ofensa à ordem constituída, como ‘forma de assegurar o resultado útil do processo, ou seja, pretende-se, além de outros objetivos, proteger a sociedade, impedindo o acusado de continuar a cometer delitos’ (Processo Penal Constitucional.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 302.) A jurisprudência, ao longo desses anos, tem se mostrado ainda um pouco vacilante, embora já dê sinais de ter optado pelo entendimento da noção de ordem pública como risco ponderável da repetição da ação delituosa objeto do processo, acompanhado do exame acerca da gravidade do fato e de sua repercussão.

Por oportuno, haverá, como já houve, situações em que a gravidade concreta do crime praticado, revelada não só pela pena abstratamente cominada ao tipo, mas também pelos meios de execução, quando presentes a barbárie e o desprezo pelo bem jurídico atingido, reclama uma providência imediata do Poder Público, sob pena de se pôr em risco até mesmo a legitimidade do exercício da jurisdição.

Note-se que, ‘in casu’, cuida-se de tentativa de furto qualificado, registrando o paciente outros crimes de furto e tráfico de drogas, a denotar que tem personalidade voltada para a prática de delitos.

Assim, a meu ver, as instâncias ordinárias fundamentaram o ato constritivo da liberdade de ir e vir dos pacientes com esmero irrepreensível, justificando-a para garantia da ordem pública.

Sobre tal pressuposto, o decreto acha-se atrelado ao risco de reiteração delitiva, o que justifica a prisão.

Friso não se estar diante de situação a revelar capacidade intuitiva, supondo-se práticas possíveis de serem realizadas, mas sim de dados concretos que evidenciam desvios de condutas a atingirem a ordem pública.

Não se pode descurar que o remédio heroico restringe-se ao controle e à revisão de decisões no plano objetivo, ou seja, de pronunciamentos que violem direito líquido e certo do paciente, diretamente relacionados à liberdade, de decisões que contemplem nulidade e ilegalidade passíveis de reconhecimento de forma objetiva, sem ingresso no plano de subjetivismo próprio da atividade jurisdicional ordinária.

Assim, a liquidez das alegações constitui requisito inafastável na apreciação de tais temas.

No mais, deve-se ter em conta também que o ‘mandamus’ não é cabível nas hipóteses em que se busca a mera substituição do juízo subjetivo externado pelo julgador em decisão fundamentada.

De fato, tendo o magistrado atuado no exercício da discricionariedade regrada prevista na legislação, dificilmente haverá se falar em constrangimento ilegal suportado.

Com efeito, na via estreita do ‘writ’, a abordagem do julgador deve ser direcionada à verificação da compatibilidade entre a situação fática retratada na decisão e a providência jurídica adotada.

Dessa forma, se os fatos mencionados na origem são compatíveis e legitimam a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, não há ilegalidade a ser sanada nesta via excepcional.

O que importa neste momento são as afirmações do juiz, sendo vedado, por via transversa, debater em tema de ‘habeas corpus’, matéria de fato discutida na causa e decidida com base na prova dos autos.

Assim, sendo verdadeiro, no pormenor, o que se afirma do decreto constritivo, a consequência não pode ser outra que não o reconhecimento da legalidade da prisão preventiva.

Deveras, as recomendações, todas, a meu ver, são no sentido de que se proceda à verificação da idoneidade dessas afirmações no juízo de maior alcance – juízo de primeiro grau.

Presente se fez de forma clara, precisa e, portanto, concreta a prática de atos graves, atraindo, assim, a incidência do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, a revelar a possibilidade da prisão preventiva, em virtude da necessidade de preservar-se a ordem pública.

Nesse sentido: PENAL E PROCESSUAL PENAL.

AGRAVO REGIMENTAL EM ‘HABEAS CORPUS’. ‘HABEAS CORPUS’ IMPETRADO PARA REVOGAR A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE.

CUSTÓDIA FUNDAMENTADA EM FATOS CONCRETOS, DEMONSTRADORES DE REITERAÇÃO DE CONDUTAS DELITUOSAS.

PACIENTE REINCIDENTE EM CRIME DOLOSO E QUE FOI PRESO EM FLAGRANTE, DURANTE A EXECUÇÃO DA PENA.

NECESSIDADE DA CUSTÓDIA, PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.

JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONSOLIDADA, QUANTO À MATÉRIA.

POSSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, MONOCRATICAMENTE, A CONTROVÉRSIA JURÍDICA.

ART. 557 DO CPC C/C ART. 3º DO CPP, ART. 38 DA LEI 8.038/90 E ART. 34, XVIII, DO RISTJ.

PRECEDENTES DO STF.

AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE.

ACÓRDÃO IMPUGNADO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO E EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DA CORTE.

AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

  1. (...).

III.

Na espécie, a manutenção da prisão preventiva encontra-se devidamente fundamentada em fatos concretos, a indicar a necessidade da custódia cautelar do paciente, para garantia da ordem pública, a fim de evitar a reiteração delituosa, eis que o paciente é reincidente, já tendo sido condenado por furto qualificado, tendo sido preso em flagrante delito, convertida a custódia em preventiva, quando se encontrava cumprindo pena.

IV.

Agravo Regimental improvido. (AgRg no HC 259.280/MG, Relatora a Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 03/04/2013).

Por fim, quanto à apontada nulidade da prisão em flagrante, conforme já assentado na decisão que indeferiu a liminar, tem-se que eventual eiva já ficou superada, haja vista a segregação do paciente estar calcada em título novo, cuidando-se agora de prisão preventiva, a qual, conforme acima explicitado, encontra-se devidamente motivada.

Ante o exposto, nego seguimento ao ‘habeas corpus’, com fundamento no art. 34, inciso XVIII, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. (HC 265.010/SP, Rel.

Min.

MARCO AURÉLIO BELLIZZE – grifei) Busca-se, na presente sede processual: (a) o relaxamento da prisão por ausência de condução do paciente preso ao juiz; (b) a revogação da prisão preventiva, ante a ausência de seus requisitos; ou (c) a aplicação de alguma medida cautelar alternativa à prisão (grifei).

Sustenta-se, para tanto, em síntese, o que se segue: (...) o juízo de primeira instância entendeu ser necessária apenas a comunicação da prisão, mas desnecessária a condução do paciente à sua presença, conforme requerido.

Todavia, não é esse o melhor entendimento sobre o assunto (…). …................................................................................................... (...) o descumprimento da apresentação do preso ao Juiz de Direito representa a ilegalidade da prisão, que não é superada por sua conversão em prisão preventiva. (…). …...................................................................................................

O juízo de primeira instância converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva sem, contudo, elencar elementos concretos que fundamentem a decisão.

Apenas aduziu que ‘se trata de réu reincidente’.

O mesmo entendimento foi seguido pelo acórdão do TJSP e pela decisão do STJ.

Como se vê, além de não citarem qualquer fundamento concreto, sequer apontam por qual motivo legal o paciente estaria preso cautelarmente (aplicação da lei penal, garantia da instrução criminal, da ordem pública ou da ordem econômica).

Restabeleceram em interpretação ‘sui generis’ a prisão obrigatória, incompatível com a Constituição da República.

Com as decisões, o que se está buscando é a antecipação de alguns efeitos práticos da condenação penal.

No caso, privar-se o acusado de sua liberdade, ainda que juridicamente tal situação não seja definitiva, mas provisória, é uma forma de tutela antecipada, que propicia uma execução penal antecipada.

O único fundamento invocado seria, em tese, a reincidência, que necessitaria da custódia cautelar, sem, contudo, explicitar o motivo da cautelaridade.

Há, implícita ou explicitamente, em tal forma de pensar, a manutenção da prisão cautelar obrigatória, como simples corolário da condição pessoal do indiciado, em verdadeiro direito penal do autor. …................................................................................................... (…) se o magistrado verificar que determinada medida cautelar alternativa à prisão for igualmente eficaz para atingir a finalidade para a qual for decretada, deverá aquele aplicar tal medida, sempre menos gravosa se comparada à prisão processual, não lhe sendo possível, portanto, decretar a prisão preventiva. (grifei) O Ministério Público Federal, em pronunciamento da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr.

EDSON OLIVEIRA DE ALMEIDA, opinou pela denegação do writ constitucional.

A ilustre autoridade judiciária de primeira instância, em ofício dirigido a esta Suprema Corte, informou que, em momento posterior ao ajuizamento da presente ação de habeas corpus, veio a ser proferida sentença penal condenatória contra o ora paciente, tendo-lhe sido negado o direito de recorrer em liberdade.

Sendo esse o contexto, passo a examinar a pretensão ora deduzida nesta sede processual.

Os fundamentos em que se apoia a presente impetração revestem-se de inquestionável relevo jurídico, especialmente se se examinar o conteúdo da decisão que manteve a prisão cautelar do ora paciente, confrontando-se, para esse efeito, as razões que lhe deram suporte com os padrões que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise.

Eis, no ponto, o teor da decisão que, proferida pela magistrada de primeiro grau, motivou as sucessivas impetrações de habeas corpus em favor do ora paciente: A prisão em flagrante é legítima, vez que o bem constante do auto de apreensão pertencente à vítima foi encontrado na posse do indiciado logo após os fatos, o que configura indício suficiente de autoria do delito de furto.

CONVERTO A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA, nos termos dos artigos 310, 312 e 313, inciso II, uma vez que se trata de réu reincidente, como atestado pelos documentos acostados ao auto de prisão em flagrante. (grifei) Tenho para mim que a decisão em causa, ao converter, em prisão preventiva, a prisão em flagrante do ora paciente, apoiou-se em elementos insuficientes, destituídos de necessária base empírica idônea, revelando-se, por isso mesmo, desprovida da indispensável fundamentação substancial.

Todos sabemos que a privação cautelar da liberdade individual é sempre qualificada pela nota da excepcionalidade (HC 96.219-MC/SP, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO, v.

g.), eis que a supressão meramente processual do jus libertatis não pode ocorrer em um contexto caracterizado por julgamentos sem defesa ou por condenações sem processo (HC 93.883/SP, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO, v.

g.).

Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la: Não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual (...) ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).

O processo penal, enquanto corre, destina-se a apurar uma responsabilidade penal; jamais a antecipar-lhe as conseqüências.

Por tudo isso, é incontornável a exigência de que a fundamentação da prisão processual seja adequada à demonstração da sua necessidade, enquanto medida cautelar, o que (...) não pode reduzir-se ao mero apelo à gravidade objetiva do fato (...). (RTJ 137/287, 295, Rel.

Min.

SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei) Impõe-se ter presente, neste ponto, que a prisão cautelar – que não se confunde com a prisão penal (carcer ad poenam) – não objetiva infligir punição à pessoa que sofre a sua decretação.

Não traduz a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a que se destina, qualquer ideia de sanção.

Constitui, ao contrário, instrumento destinado a atuar em benefício da atividade desenvolvida no processo penal (BASILEU GARCIA, Comentários ao Código de Processo Penal, vol.

III/7, item n. 1, 1945, Forense), tal como esta Suprema Corte tem proclamado: A PRISÃO PREVENTIVA – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR – NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU. - A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.

A prisão preventiva – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. (RTJ 180/262-264, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO) Daí a clara advertência do Supremo Tribunal Federal, que tem sido reiterada em diversos julgados, no sentido de que se revela absolutamente inconstitucional a utilização, com fins punitivos, da prisão cautelar, pois esta não se destina a punir o suspeito, o indiciado ou o réu, sob pena de manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, com a consequente (e inadmissível) prevalência da ideia – tão cara aos regimes autocráticos – de supressão da liberdade individual, em um contexto de julgamento sem defesa e de condenação sem processo.

Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar – considerada a função exclusivamente processual que lhe é inerente – não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento ao princípio da liberdade (HC 89.501/GO, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO).

Cumpre enfatizar, por necessário, que a prisão cautelar, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe – além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) – que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do suspeito, do indiciado ou do réu, como assinalou a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal: A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL. - A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada ou mantida em situações de absoluta necessidade.

A prisão cautelar, para legitimar-se em face do sistema jurídico, impõe – além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) – que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. - A questão da decretabilidade ou manutenção da prisão cautelar.

Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP.

Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária.

Precedentes.

A MANUTENÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR – NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU. - A prisão cautelar não pode – nem deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.

A prisão cautelar – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.

A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. - A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.

Precedentes.

AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE MANTER-SE A PRISÃO EM FLAGRANTE DO PACIENTE. - Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu.

Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão cautelar. - Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal. (HC 105.270/SP, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO) Entendo que os fundamentos subjacentes ao ato decisório emanado da ilustre autoridade judiciária de primeira instância, que manteve a prisão cautelar do ora paciente, conflitam com os estritos critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consagrou nessa matéria.

Com efeito, esta Suprema Corte tem advertido, em sucessivos julgamentos, que a existência de antecedentes penais não basta, só por si, para justificar o decreto judicial de prisão cautelar (RTJ 202/171, Rel.

Min.

CEZAR PELUSO – RTJ 209/1316, Rel.

Min.

CEZAR PELUSO – HC 81.832/RJ, Rel.

Min.

CEZAR PELUSO – HC 83.865/SP, Rel.

Min.

MENEZES DIREITO – HC 89.900/SP, Rel.

Min.

CÁRMEN LÚCIA – HC 90.370/SP, Rel.

Min.

EROS GRAU – HC 94.215-MC/PI, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO – HC 101.244/MG, Rel.

Min.

RICARDO LEWANDOWSKI – RHC 100.973/SP, Rel.

Min.

ELLEN GRACIE): 3.

AÇÃO PENAL.

Prisão preventiva.

Réu já condenado pela prática de igual delito.

Reincidência ou periculosidade presumida do agente.

Decreto ilegal.

Constrangimento ilegal caracterizado.

Ofensa à garantia da presunção de inocência.

Art. 5º, LVII, da Constituição Federal.

O fato de o réu já ter sido condenado pela prática do mesmo delito não lhe autoriza decreto de prisão preventiva. (HC 86.140/SP, Rel.

Min.

CEZAR PELUSO – grifei) Cabe rememorar, no ponto, ante a pertinência de que se reveste, fragmento do voto que o eminente Ministro CEZAR PELUSO proferiu no exame do HC 86.140/SP: (...) a reincidência, ou a dita ‘periculosidade do agente’, ou a referência à ‘marcha criminosa’ do paciente, tampouco é causa de decretação de prisão preventiva, a qual se preordena à tutela do processo penal e, não, à imposição de gravames a certos tipos de autores. …...................................................................................................

O fato de o paciente já ter sido condenado, em primeiro grau, pela prática do mesmo delito, não é razão para decretação da prisão preventiva nestoutro processo.

A regra do art. 313, inc.

III, do Código de Processo Penal, somente incide depois de preenchidos os requisitos previstos no art. 312.

A ser verdadeiro o receio de nova prática delitiva, derivado do simples fato de anterior condenação, a prisão preventiva assumiria natureza de medida necessária e automática em quase todos os processos criminais em que o acusado apresentasse condenação prévia, o que, por óbvio, não atende à necessidade cautelar da prisão processual. (grifei) Nem se diga que a decisão de primeira instância teria sido reforçada, em sua fundamentação, pelo julgamento emanado do E.

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual se denegou a ordem de habeas corpus então postulada em favor do ora paciente.

Vale ter presente, por oportuno, na linha da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria, que a legalidade da decisão que decreta a prisão cautelar deverá ser aferida em função dos fundamentos que lhe dão suporte e não em face de eventual reforço advindo dos julgamentos emanados das instâncias judiciárias superiores (HC 90.313/PR, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO – HC 93.803/RJ, Rel.

Min.

EROS GRAU, v.

g.): (...) Às instâncias subseqüentes não é dado suprir o decreto de prisão cautelar, de modo que não pode ser considerada a assertiva de que a fuga do paciente constitui fundamento bastante para enclausurá-lo preventivamente (...). (RTJ 194/947-948, Rel.

p/ o acórdão Min.

EROS GRAU – grifei) A motivação, portanto, há de ser própria, inerente e contemporânea à decisão que decreta (ou que mantém) o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois – insista-se – a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas a posteriori (RTJ 59/31 – RTJ 172/191-192 – RT 543/472 – RT 639/381, v.

g.): Prisão preventiva: análise dos critérios de idoneidade de sua motivação à luz de jurisprudência do Supremo Tribunal. 1.

A fundamentação idônea é requisito de validade do decreto de prisão preventiva: no julgamento do ‘habeas-corpus’ que o impugna não cabe às sucessivas instâncias, para denegar a ordem, suprir a sua deficiência originária, mediante achegas de novos motivos por ele não aventados: precedentes. (RTJ 179/1135-1136, Rel.

Min.

SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei) Em suma: a análise dos fundamentos invocados pela parte ora impetrante leva-me a reafirmar, uma vez mais, que a decisão judicial de primeira instância não observou os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar.

Cumpre salientar, finalmente, que a superveniência de sentença penal condenatória faz instaurar, em regra, situação de prejudicialidade da ação de habeas corpus, exceto se se mostrarem destituídos de idoneidade jurídica, como na espécie, os fundamentos – nela reiterados pelo magistrado sentenciante – em que se apoiou, em momento anterior, a decisão que decretou a prisão cautelar do paciente.

Impende ressaltar, por relevante, que esse entendimento tem o beneplácito do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RTJ 218/386, Rel.

Min.

RICARDO LEWANDOWSKI – HC 101.778/MG, Rel.

Min.

DIAS TOFFOLI – HC 101.874/SC, Rel.

Min.

GILMAR MENDES – HC 108.794/RO, Rel.

Min.

CÁRMEN LÚCIA – HC 110.842/MG, Rel.

Min.

RICARDO LEWANDOWSKI – HC 113.185/SP, Rel.

Min.

CÁRMEN LÚCIA – HC 114.014/SC, Rel.

Min.

CÁRMEN LÚCIA, v.

g.): 1. ‘Habeas corpus’: não o prejudica que impugne decreto primitivo de prisão cautelar, se decorre a prisão do paciente da remissão, contida na sentença condenatória, aos fundamentos do decreto da prisão processual anterior. (RTJ 193/702, Rel.

Min.

SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei) (...) 3.

A sentença condenatória que apenas reitera os fundamentos da decretação da segregação cautelar, em virtude do não-surgimento de fatos novos aptos a agregar outra motivação para a prisão preventiva, não enseja a prejudicialidade do ‘habeas corpus’. (HC 102.098/SP, Rel.

Min.

ELLEN GRACIE – grifei) (...) 2.

Conforme reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o ‘habeas corpus’ fica prejudicado apenas quando a sentença condenatória que mantém o réu preso utiliza fundamentos diversos do decreto de prisão preventiva, o que não ocorreu na espécie vertente. (HC 104.699/SP, Rel.

Min.

CÁRMEN LÚCIA – grifei) (...) I – A superveniência da sentença penal condenatória, na espécie, não prejudica o ‘habeas corpus’, tendo em vista que o juízo sentenciante limitou-se a manter a prisão, sem acrescer outros fundamentos além daqueles já expostos na decisão que indeferiu o pedido de liberdade provisória.

Precedentes. (HC 110.518/MG, Rel.

Min.

RICARDO LEWANDOWSKI – grifei) 1.

A superveniência de sentença penal condenatória que não aporta novos fundamentos para a custódia cautelar não impede o exame, pelo Supremo Tribunal Federal, da legalidade de tal prisão. (RHC 106.715/DF, Rel.

Min.

AYRES BRITTO – grifei) Não custa enfatizar, neste ponto, que a prisão processual, de ordem meramente cautelar, ainda que fundada em condenação penal recorrível, tem como requisito legitimador a existência de situação de real necessidade, apta a ensejar, ao Estado, quando efetivamente configurada, a adoção – sempre excepcional – dessa medida constritiva de caráter pessoal, a significar que se mostra insuficiente, para tal fim, a exclusiva motivação subjacente ao decreto de condenação, cujos elementos não se confundem nem satisfazem a exigência de específica demonstração da ocorrência, em cada caso, dos pressupostos de cautelaridade inerentes à prisão meramente processual.

Sendo assim, em face das razões expostas, defiro o pedido de habeas corpus, para invalidar o decreto judicial de prisão cautelar proferido nos autos do Processo-crime nº 0096396-69.2012.8.26.0050 (17ª Vara Criminal do Foro Central Criminal Barra Funda da comarca de São Paulo/SP), assegurando, desse modo, ao ora paciente, se por al não estiver preso, o direito de aguardar em liberdade até o eventual trânsito em julgado da sentença penal condenatória, salvo nova decisão judicial em contrário do magistrado competente, fundada em razões supervenientes.

Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia da presente decisão ao E.

Superior Tribunal de Justiça (HC 265.010/SP), ao E.

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC nº 0222891- -17.2012.8.26.0000) e ao MM.

Juiz de Direito da 17ª Vara Criminal do Foro Central Criminal Barra Funda da comarca de São Paulo/SP (Processo-crime nº 0096396-69.2012.8.26.0050).

Publique-se.

Brasília, 26 de setembro de 2013.

Ministro CELSO DE MELLO Relator

Partes

Recte.(s) : Defensoria PÚblica da UniÃo

proc.(a/S)(Es) : Defensor PÚblico-Geral Federal

recdo.(a/S) : Juizado Especial Federal CÍvil de SÃo Paulo

adv.(a/S) : sem RepresentaÇÃo nos Autos

Publica��o

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-192 DIVULG 30/09/2013 PUBLIC 01/10/2013

Observa��o

20/11/2013

legislação Feita por:(Dsa)

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