Decisão da Presidência nº 32506 de STF. Supremo Tribunal Federal, 3 de Diciembre de 2013

Número do processo32506
Data03 Dezembro 2013

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão que, proferida pelo E.

Conselho Nacional do Ministério Público, nos autos do Processo Disciplinar nº 0.00.000.000406/2012-34, Rel.

Cons.

CLAUDIA CHAGAS, está assim ementada: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ.

PROMOTOR DE JUSTIÇA.

APURAÇÃO DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR PELA VIOLAÇÃO DAS CONDUTAS DESCRITAS NO ARTIGO 155, INCISOS V E VI, ESTE ÚLTIMO COMBINADO COM O INCISO I DO PARÁGRAFO PRIMEIRO DO MESMO ARTIGO, DA LEI COMPLEMENTAR DO ESTADO DO PARÁ Nº 57, DE 06 DE JULHO DE APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE CENSURA.

PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1.

Absolvição pela suposta prática de exercício da função de magistério em incompatibilidade de horários com a função ministerial. 2.

Restou evidente nos autos que o Promotor de Justiça do Estado do Pará realizou atos de comércio, ferindo o disposto no inciso V do art. 155 da Lei Complementar Estadual nº 57/2006, o que enseja a aplicação da penalidade de censura. 3.

Procedência parcial. (grifei) Busca-se, na presente sede processual, a decretação de nulidade e anulação do ato coator consistente na decisão que aplicou a penalidade de censura, eis que – segundo se alega – não há correlação entre conduta e tipo infringido e, ainda que alguma pena deva ser aplicada, esta necessariamente deveria ser mais leve do que a censura aplicada (grifei).

Passo a analisar a postulação cautelar deduzida pela parte ora impetrante.

E, ao fazê-lo, entendo que não se acham presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida liminar em referência.

É que a análise do contexto delineado nos presentes autos parece evidenciar, ao menos em juízo de estrita delibação, que a pretensão deduzida pela parte impetrante mostrar-se-ia, aparentemente, destituída de plausibilidade jurídica.

Como se sabe, a Constituição da República, ao disciplinar o regime jurídico-funcional aplicável aos membros do Ministério Público, impôs-lhes, em seu art. 128, § 5º, II, c, a proibição de participar de sociedade comercial.

Não se pode desconsiderar, igualmente, que a Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), buscando dar concreção ao preceito constitucional em referência, prevê, no rol de vedações que estabelece para os membros dessa Instituição, o impedimento de exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista (art. 44, III).

O Conselho Nacional do Ministério Público, ao justificar a imposição da sanção disciplinar ora questionada, apoiou-se, para tanto, em elementos de informação que revelariam que o impetrante teria exercido, em base profissionais, atividade econômica de forma organizada, subsumível ao próprio conceito jurídico definidor de empresário, tal como contemplado no art. 966 do Código Civil, assim infringindo, aparentemente, o regime jurídico que disciplina a atuação dos membros do Ministério Público.

Vale ter presente o seguinte fragmento constante do voto da Senhora Conselheira Claudia Chagas, que, acolhido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, fundamentou a decisão plenária proferida por esse importante órgão constitucional e que reproduz, no ponto, expressiva passagem extraída do relatório apresentado pela Comissão Processante: VI – Dos Elementos Coletados na Instrução: Imputação alusiva à prática de atos de comércio.

De fato, conforme ressaltado pela defesa em diversas passagens dos autos (sindicância, defesa prévia e alegações finais), o Código Civil de 2002 introduziu no direito brasileiro o conceito legal de empresário e revogou a primeira parte do Código Comercial (artigos 1º a 456), que tratava, dentre outros assuntos, do tema geral do comércio.

Assim, substitui-se o termo ‘comerciante’ e ‘sociedade comercial’, tão usualmente empregado nas últimas gerações de formandos nas universidades brasileiras, por ‘empresário’ e ‘sociedade empresária’, primando o novo conceito legal pela maior abrangência e modernidade legislativa, já que adequado ao preceituado no Código Italiano de 1942.

Na prática, o legislador brasileiro abandonou a dicotomia até então existente entre empresários civis e comerciais do Código de 1850 para tratar todos, indistintamente, como empresários.

O artigo 966 definiu que empresário é aquele ‘que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços’.

Como bem menciona Fábio Bellote Gomes, ‘o exercício de atividade econômica de forma organizada é que encerra toda a essência conceitual da empresa’.

A Constituição de 1988 enumera como uma das vedações ao membro do Ministério Público o exercício do comércio ou participar de sociedade empresária (artigo 128, § 5º, II, c c/c artigo 44, III da lei 8.625/93).

O objetivo da vedação, neste caso, não é outro senão o de afastar o integrante do ‘Parquet’ de atividades estranhas ao exercício funcional, especialmente aquelas que possam conduzir sua atuação a um ponto de indefinição entre o interesse público e o privado, inerente ao desempenho de trabalhos com intuito puramente comercial. (…). …...................................................................................................

Ao retornar no ano de 2008 para Belém do Pará, o Processado estabeleceu vínculo empregatício com a Faculdade Integrada Brasil- -Amazônia (FIBRA), instituição de nível superior em que lecionava Direito Penal, em dois períodos (vespertino e noturno), por dias alternados da semana, conforme documentos de fls. 561/574 dos autos da sindicância.

Na ocasião, e até o ano de 2010, o Promotor de Justiça Franklin Lobato Prado disponibilizava o conteúdo da matéria por ele ministrada em DVDs, que poderiam ser adquiridos pelos alunos, mediante paga, na própria sala de aula.

A venda do produto naquelas condições é confirmada por todos os alunos ouvidos por esta Comissão Processante no curso da instrução e admitida pelo Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará em seu interrogatório, malgrado repudie este último a assertiva contida na portaria inaugural de que a atividade por ele desenvolvida qualifique-se como ‘ato de comércio’.

Argumenta a defesa que, por força do disposto no parágrafo único do artigo 966 do Código Civil, os atos praticados não são empresariais e a venda dos DVDs, da forma como empreendida, amolda-se à produção intelectual ou científica.

Os depoimentos das testemunhas Luciellen Lima Jardina (fls. 124/126), Kátia Oliveira Quaresma (fls. 128/130), Henrique Matos de Campos (fls. 131/133), Cássio Vinícius Rosa e Branco (fls. 134/136) e Natália Ingrid Sampaio Pereira (fls. 137/139), arroladas pela Comissão Processante, e de Valéria Cristina Meira de Oliveira, relacionada pela Defesa, todos alunos da FIBRA, embora de turmas e períodos diferentes, foram uníssonos quanto à venda dos DVDs em sala de aula.

A testemunha Luciellen Jardina declarou à Comissão o custo dos DVDs, bem como pormenorizou os momentos e a forma utilizada para o oferecimento do produto: (…). …...................................................................................................

A aluna Kátia Quaresma, em seu depoimento, também confirmou que os valores dos DVDs variavam entre R$ 100,00 e R$ 150,00, embora não tivesse presenciado o oferecimento (fl. 128).

Já Henrique de Campos, Natália Pereira e Valéria de Oliveira (os dois primeiros arrolados por esta Comissão; a última, arrolada pela defesa) indicaram que o custo de cada um dos DVDs para os alunos era de dez reais por unidade. (…). …...................................................................................................

Note-se que a atividade desenvolveu-se organizada e habitualmente, sempre com o apoio de terceiros, consistente na aquisição e gravação das mídias para a elaboração do produto final, além da confecção de label personalizado para ilustrar o conteúdo de cada um dos DVDs, mesmo os menos aprimorados – assim qualificados aqueles com capas de papel, vendidos em sala de aula.

Parte das mídias, de mesmo conteúdo, era vendida em outros locais da cidade de Belém, porém melhor acondicionadas, em embalagem de material plástico própria para DVDs e produzidas em estúdio, conforme verificado na exibição de documentos cuja ata consta de fls. 148/149.

De se relevar ainda que os alunos só poderiam ter acesso ao DVD caso o adquirissem, situação que descaracteriza sua natureza de material didático auxiliar, à medida que se constituía custo adicional aos pretendentes, extraordinário ao previsto nas mensalidades por eles devidas.

Nunca houve a disponibilização das mídias referidas na biblioteca da universidade. …...................................................................................................

O depoimento de Valéria Cristina Meira, então monitora do Professor e Promotor de Justiça Franklin Lobato Prado, por si só, corrobora a natureza empresarial de sua atividade: (…). …...................................................................................................

Ao mesmo tempo, a alegação defensiva de que ‘os DVDs disponibilizados em sala de aula, eram aqueles elaborados de forma artesanal, contando apenas com o apoio de duas pessoas somente’, enfatiza ainda mais o exercício de atos empresariais.

O Processado amolda-se ao que se denomina ‘empresário individual’, que desempenha uma atividade econômica organizada, apesar de não ter sócios, exercida com habitualidade e com profissionalismo.

Contrai obrigações em seu nome, como se uma empresa fosse. …...................................................................................................

Importante ressaltar outro aspecto relacionado à forma de agir do Promotor de Justiça Franklin Lobato.

A despeito de por ele negada tal prática, no período em que lecionou na Faculdade Integrada Brasil-Amazônia o membro do MP do Pará concedia bonificação de ponto na média final dos alunos que adquirissem a coleção de mídias.

O fato, tratado no anexo da portaria inaugural deste processo administrativo e objeto de amplo debate no curso da instrução, e restou confirmado a partir dos relatos prestados pelas alunas Luciellen, Kátia, Henrique e Natália a esta Comissão. (…). (grifei) Os doutrinadores que examinaram o alcance da vedação constitucional e legal que impede o membro do Ministério Público de exercer, em nome próprio, atividade economicamente organizada, de perfil empresarial, confirmariam os fundamentos que motivaram o Conselho Nacional do Ministério Público, órgão apontado como coator, a aplicar, ao ora impetrante, a sanção disciplinar questionada.

É o que resulta, p.

ex., do magistério de HUGO NIGRO MAZZILLI (Regime Jurídico do Ministério Público, p. 270/271, letra d, 7ª ed., 2013, Saraiva) e de EMERSON GARCIA (Ministério Público: Organização, Atribuições e Regime Jurídico, p. 555/556, item n. 44.7, 2ª ed., 2005, Lumen Juris), valendo reproduzir, quanto ao tema em exame, a lição de PEDRO ROBERTO DECOMAIN (Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, p. 649/650, item n. 273, 2ª ed., 2011, Fórum): 273.

Vedação do exercício do comércio e da participação em sociedades mercantis, exceto como acionista ou cotista.

O inciso III deste artigo [art. 44 da Lei nº 8.625/93] veda aos membros do Ministério Público o exercício do comércio e a participação em sociedades mercantis, exceto como cotistas ou acionistas.

A Constituição Federal, em seu art. 128, § 5º, II, ‘c’, também contém proibição idêntica, ao vedar a participação dos membros do MP em sociedades comerciais, ressalvadas exceções legais.

A Constituição proíbe a participação em sociedades comerciais, mas não contém proibição expressa para o exercício do comércio.

Tal vedação, contudo, é inerente ao texto constitucional e decorre de uma interpretação coerente.

Se o membro do Ministério Público não pode sequer participar de sociedade mercantil, naturalmente que não há sentido em havê-lo por autorizado a exercer o comércio em nome individual.

Quem não pode o menos (associar-se a outros para exercer o comércio), naturalmente que também não pode o mais. …...................................................................................................

Em resumo, os membros do Ministério Público não podem exercer o comércio em nome individual, nem participar de sociedades mercantis que não revistam a forma de sociedades por cotas ou por ações.

Na condição de cotistas ou acionistas, não podem participar diretamente da administração do empreendimento, mas estão autorizados a participar da escolha dos dirigentes, e a comporem órgãos de fiscalização das atividades daqueles. (grifei) Tenho para mim, presente tal contexto, que restou, aparentemente, desrespeitada, no caso ora em exame, a vedação legal ao exercício de atividade empresarial por membros do Ministério Público, situação apta, em tese, a justificar a imposição de sanção disciplinar.

Desse modo, não vislumbro, ao menos em sede de sumária cognição, a ocorrência de eiva de ilegalidade na decisão emanada do E.

Conselho Nacional do Ministério Público, revelando-se inacolhível, por isso mesmo, a postulação cautelar formulada pela parte impetrante.

É importante rememorar, por necessário, que o deferimento da medida liminar, resultante do concreto exercício do poder cautelar geral outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009: a existência de plausibilidade jurídica (fumus boni juris), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), de outro.

Sem que concorram esses dois requisitos – que são necessários, essenciais e cumulativos –, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Mandado de segurança.

Liminar.

Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.

Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar. (RTJ 112/140, Rel.

Min.

ALFREDO BUZAID – grifei) Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, indefiro o pedido de medida liminar. 2.

Solicitem-se informações ao órgão ora apontado como coator. 3.

Dê-se ciência ao eminente Senhor Advogado-Geral da União (Lei Complementar nº 73/93, art. 4º, III, e art. 38, c/c o art. 7º, II, da Lei nº 12.016/2009 e o art. 6º, caput, da Lei nº 9.028/95).

Publique-se.

Brasília, 03 de dezembro de 2013.

Ministro CELSO DE MELLO Relator

Partes

Impte.(s) : Pedro Geraldo Cunha de Aguiar

adv.(a/S) : Roger de Mello Ottano

impdo.(a/S) : Presidente do Conselho Nacional do MinistÉrio PÚblico

adv.(a/S) : Advogado-Geral da UniÃo

Publica��o

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-241 DIVULG 06/12/2013 PUBLIC 09/12/2013

Observa��o

29/01/2014

legislação Feita por:(Bru)

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