Decisão da Presidência nº 3473 de STF. Supremo Tribunal Federal, 14 de Noviembre de 2013

Número do processo3473
Data14 Novembro 2013

Decisão: Cuida-se de denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República em face de JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, em que se lhe imputa a prática do delito tipificado no art. 139, c/c art. 141, incisos II e III, todos do Código Penal, em razão do seguinte fato delituoso, in verbis : Os documentos que instruem o presente Inquérito comprovam a prática pelo denunciado de crime contra a honra de José Bassiga da Cruz, servidor público estadual, tipificado no art. 139 c/c art. 141, incisos II e III, todos do Código Penal.

O ataque contra a honra da vítima ocorreu no dia 28.12.2011 e consistiu nas seguintes expressões ofensivas, proferida em entrevista realizada pelo apresentador Caito Junior em seu programa na Rádio Dirceu AM: (...) No dia 28/12/11, em um programa de rádio apresentado por Caito Junior, parece que na rádio Dirceu AM, ouviu o Deputado Federal dizendo que o declarante estaria envolvido no mensalinho do Nelsinho da Prefeitura.

É público que Nelson Grancieri, Chefe de Gabinete da Prefeitura Municipal chegou a ser preso pela Polícia Federal por corrupção no órgão municipal.

Foi divulgado na imprensa que ele pagaria valores em dinheiro para algumas pessoas em troca de apoio (fls. 5-6).

Portanto, o Deputado Federal José Abelardo Guimarães Camarinha teceu imputações que macularam a honra objetiva de José Bassiga da Cruz, consubstanciada na afirmação de que o servidor público faria parte de um esquema denominado mensalinho, gerenciado por Nelson Gracieri, chefe de gabinete da Prefeitura de Marília/SP.

Ao manifestar-se nos termos descritos, o denunciado imputou fato ofensivo à reputação da vítima, que, atualmente, ocupa os cargos de Vice Presidente da Associação dos Moradores dos Bairros Jardim Planalto, Nacional, Santa Clara e Amália, bem como de Presidente do Conselho das Associações de Moradores da Zona Sul de Marília (COMSUL), com a expressa intenção de desacreditá-lo perante a população do Município de Marília/SP.

As imputações proferidas por José Abelardo Guimarães Camarinha não deixam dúvidas acerca da prática do crime de difamação, inferindo-se da sua leitura o especial fim de agir do agente, consubstanciado na intenção de macular a honra da vítima.

Cumpre ressaltar que as declarações do denunciado não guardam relação com sua condição de parlamentar, afastando a incidência da inviolabilidade constitucional, intimamente ligada às funções desempenhadas em razão do mandato.

Dessa forma, o conjunto probatório reunido nos autos confirma que o Deputado Federal José Abelardo Guimarães Camarinha praticou o delito previsto no art. 139 c/c 141, incisos II e III, todos do Código Penal, ao imputar a José Bassiga da Cruz, em entrevista realizada pelo apresentador Caito Junior em seu programa na Rádio Dirceu AM, fatos ofensivos à sua reputação.

Concomitantemente à apresentação da denúncia, o Procurador-Geral da República ofereceu proposta de suspensão processual (fl. 30).

Regularmente notificado (fl. 45/v), o denunciado apresentou resposta (fls. 47-53).

Preliminarmente, arguiu a ilegitimidade ativa do Ministério Público, porquanto não se detectou na denúncia a menção sobre a representação do, suposto, ofendido ou, ainda, evidenciada que ditas ofensas teriam sido ocasionadas em razão do ofício público do, suposto, ofendido .

Aliás, a descrição da inicial é de que a intenção seria desacreditar o suposto ofendido enquanto Vice-Presidente de Associação de Bairros de Marília (CONSUL).

Argumentou que a denúncia deve ser rejeitada por falta de materialidade, pois, conquanto se reporte ao fato de que a ofensa teria se efetivada em programa de rádio, está lastreada apenas nas palavras da suposta vítima, que sequer soube precisar os fatos.

Por fim, nega a existência do fato, porém suscita que o caso é de transação penal e não de suspensão.

Instado a se manifestar, o Procurador-Geral da República refutou todas as teses da defesa.

Em síntese, afirmou que, embora lhe seja atribuída a prática de crime de menor potencial ofensivo, o parlamentar é réu em várias ações penais em trâmite no Supremo Tribunal Federal, conforme informações contidas no Inquérito nº 2820/DF.

Sustentou que a legitimidade do Ministério Público Federal para o oferecimento da denúncia está prevista no art. 145, parágrafo único, do Código Penal, e na Súmula 714 do Supremo Tribunal Federal, que diz ser concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções.

Afirmou que José Bassiga da Cruz exerce atualmente o mandato de Vereador em Marília/SP, e atuava como Vice Presidente da Associação de Moradores dos bairros Jardim Planalto, Nacional, Santa Clara e Amália e como Presidente da Associação dos Moradores da Zona Sul do referido Município, sendo certo que a ofensa foi proferida contra funcionário público em razão das suas funções .

Argumentou que não há necessidade de qualquer formalidade para a representação do ofendido, conforme precedente da Corte (HC 88.274), e, por fim, que a prova definitiva dos fatos será produzida no curso da instrução (fls. 64-69).

Por entender que a existência de ações penais em curso não seria óbice à transação penal, determinei nova manifestação do Parquet (fl. 71), que ofertou proposta de transação penal (fl. 73).

Proposta esta que foi recusada de denunciado (fl.79).

É o breve relatório.

Passo a decidir.

Segundo o Parquet , JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA, em entrevista concedida ao apresentador Caito Junior, na Rádio Dirceu de Marília/SP, no dia 28-12-11, teria se utilizado de expressões ofensivas à honra de José Bassiga da Cruz, servidor público, dizendo que ele estaria envolvido no mensalinho do Nelsinho da Prefeitura .

De acordo com a denúncia, o Deputado Federal JOSÉ ABELARDO GUIMARÃES CAMARINHA teceu imputações que macularam a honra objetiva de José Bassiga da Cruz, consubstanciada na afirmação de que o servidor público faria parte de um esquema denominado mensalinho , gerenciado por Nelson Grancieri, chefe de gabinete da Prefeitura de Marília/SP.

A defesa, preliminarmente, arguiu a ilegitimidade ativa do Ministério Público, porquanto não se detectou na denúncia a menção sobre a representação do, suposto, ofendido ou, ainda, evidenciada que ditas ofensas teriam sido ocasionadas em razão do ofício público do, suposto, ofendido .

O comparecimento da suposta vítima, pessoalmente, perante a autoridade policial para lavrar boletim de ocorrência (fls. 3-6), atende, a meu sentir, a formalidade legal da representação.

O que se exige é a manifestação inequívoca da vítima.

Nesse sentido, precedente da Corte: PENAL.

PROCESSUAL PENAL.

CRIME CONTRA A HONRA DE SERVIDOR PÚBLICO.

AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA.

REPRESENTAÇÃO.

COD.

PENAL, ART

  1. - A representação, para desencadear a ação penal pública condicionada, não depende de requisitos específicos.

    O que se exige e que contenha a vontade inequívoca da vítima no sentido de que o seu ofensor seja punido.

  2. - Sentença condenatória baseada num conjunto probatório, em que se incluem a confissão de um dos co-reus e prova testemunhal.

    III - H.

    C.

    Indeferido. (STF, HC 69.162, rel.

    Min.

    Carlos Velloso).

    De outro norte, infere-se do art. 145 do Código Penal que, nos crimes contra a honra, a regra geral é de que a ação penal é de iniciativa privada.

    Entretanto, será pública condicionada à representação quando praticado contra servidor público, em razão de suas funções.

    A ação é publica nesses casos, diante do relevante interesse do Estado em defender a honra do ofendido, enquanto funcionário público, por estar em jogo o prestígio da Administração Pública.

    O que se protege é o desempenho da função pública, fora desta, o ofendido é um cidadão comum, que agirá de motu proprio (HC 44.228, Min.

    Evandro Lins).

    A reiterada jurisprudência desta Corte, sintetizada na Súmula 714, orienta-se no sentido de que é concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções.

    Inequívoco, portanto, que a legitimação do Ministério Público, in casu, está condicionada à representação do ofendido e de a ofensa dar-se propter officium.

    A verificação da própria condição de servidor público, por ocasião do ajuizamento da ação penal, já ensejou valiosos debates no Tribunal, firmando-se, no passado, orientação no sentido de que, quando o crime é cometido contra a honra de ex-funcionário público, em razão de suas funções que não mais exerce, ou seja, quando não há contemporaneidade entre o cometimento do crime e o exercício do cargo público, o Estado, ainda que atingido por via reflexa, mas em intensidade esvaecida, não mais tutela a honra de seu ex-funcionário, que desvestido do plus funcional, volta à condição de cidadão comum, não funcionário, cabendo-lhe a ação privada (Ag.

    Reg.

    Inq. 726, excerto do voto do Min.

    Paulo Brossard).

    Nessa quadra, afigura-se procedente a insurgência da defesa quanto à legitimidade do Ministério Público no caso.

    É que, malgrado a deficiência da própria materialidade do delito, pois não se logrou obter a mídia do programa em que a entrevista foi concedida (fl. 9), não se extrai das declarações da pretensa vítima (fls. 5-6) e ou das testemunhas (fls. 7 e 11) que as supostas críticas, que macularam a honra de José Bassiga da Cruz, foram formuladas em razão da sua função pública.

    Destaco dos depoimentos: Da vítima No dia 28/12/2011, em um programa de rádio apresentado por Caito Junior, parece que na Rádio Dirceu AM, ouviu o deputado federal dizendo que o declarante estaria envolvido no mensalinho do Nelsinho da Prefeitura Municipal.

    É público que Nelson Grancieri, Chefe de Gabinete da Prefeitura Municipal chegou a ser preso pela Polícia Federal por corrupção no órgão municipal.

    Foi divulgado na imprensa que ele pagaria valores em dinheiro para algumas pessoas em troca de apoio.

    Quando José Abelardo Camarinha mencionou que o declarante fazia parte do mensalinho obviamente quis dizer que o declarante recebia dinheiro de Nelson Grancieri em troca de apoio. (fls. 5-6).

    Testemunha Eduardo Duarte do Nascimento Conhece José Bassiga da Cruz, Presidente da Associação de Moradores da Zona Sul da Cidade e também ligado ao conselho de associações daquela região.

    No dia 28/12/2011, Amauri Gonzaga, também seu conhecido o avisou que o Deputado Federal Abelardo Camarinha estava denigrindo sua imagem em um programa de rádio do apresentador Caito Junior na Dirceu AM no horário do do almoço.

    Ligou o rádio na emissora e efetivamente ouviu o deputado fazer ofensas pessoais contra o depoente.

    Também ouviu quando ele afirmou que José Bassiga da Cruz era mensaleiro da Prefeitura Municipal. (fl. 7).

    Testemunha Amauri Gonzaga Não me lembro bem a data com precisão, mas, foi no início do ano, logo depois da demissão de José Ursílio da rádio Dirceu e a contratação de Caito Junior eu ouvia o programa que vai ao ar no horário do almoço e ouvi a entrevista feita por Caito Junior ao Deputado Federal Abelardo Camarinha, inclusive acredito que a entrevista estava acontecendo por telefone.

    Dentre vários assuntos que foram tratados, tanto Caito, como Abelardo, fizeram referências ao Vereador Eduardo Nascimento. (…) No mesmo mesmo dia, em relação a outro assunto, qual seja, mensalinho do Bulgareli, passou a afirmar que José Bassiga da Cruz recebia dinheiro de Bulgareli, bem como tinha cargo na prefeitura e ficava calado porque recebia dinheiro, não criticando a Administração Municipal nos programas de rádio criados justamente para isso.

    Bassiga é servidor público estadual trabalhando no presídio no período noturno e também é presidente do Conselho da Zona Sula CONSUL.

    Nessa condição ele tem bom contato com a população, mas, por ser uma pessoa séria, não costuma tecer críticas, notadamente, quando se trata de programa tendencioso e contra a Administração Municipal.

    Como ele não se manifesta a esse respeito, Abelardo Camarinha afirmou que ele recebe dinheiro para ficar calado. (fls. 11-11/a).

    Destaca-se das declarações desta última testemunha que Bassiga é servidor público estadual e trabalha no presídio no horário noturno e também é Presidente do Conselho da Zona Sul (CONSUL) (fl.11).

    Ora, a suposta imputação, como afirma a denúncia, estaria relacionada ao esquema denominado mensalinho , gerenciado por Nelson Grancieri, chefe de gabinete da Prefeitura de Marília (fl. 25).

    De igual sorte, inexiste, na denúncia, qualquer conexão entre as pretensas imputações e a função pública ocupada por José Bassiga da Cruz igualmente não descrita , salvo isolada e desconectada referência à expressão servidor público.

    Aliás, como destacado pela defesa, a própria denúncia afirma que, ao manifestar-se nos termos descritos, o denunciado imputou fato ofensivo à reputação da vítima, que, atualmente, ocupa cargos de Vice Presidente da Associação dos Moradores dos Bairros Jardim Planalto, Nacional, Santa Clara e Amália, bem como Presidente do Conselho das Associações de Moradores da Zona Sul de Marília (COMSUL), com a expressa intenção de desacreditá-lo perante a população do Município de Marília/SP (fl. 25).

    Como já decido pela Corte, para que a ação seja pública condicionada à representação, não basta que a vítima seja funcionário público, sendo também necessário que a ofensa tenha sido feita em razão de sua função (RHC 62.336, rel.

    Min.

    Rafael Mayer).

    De sorte que, se as ofensas não estão vinculadas à condição de funcionário público, nem ao exercício do cargo, a ação é privada (RTJ 111/279).

    Destarte, nos termos dos artigos 38 da Lei nº 8.038/90, e 21, §1º, do RISTF, e nos precedentes desta Corte (Inq. 2107, Min.

    Celso de Melllo; Inq. 2902, Min.

    Ayres Britto; Inq. 1775, Min.

    Nelson Jobim; Inq. 1920, Min.

    Joaquim Barbosa), ante a manifesta ilegitimidade ativa do Ministério Público, nego seguimento ao presente pedido.

    Arquivem-se.

    Publique-se.

    Brasília, 14 de novembro de 2013.

    Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente

    Partes

    Pacte.(s) : Jefferson Tiago do Nascimento

    impte.(S) : Fernando Faria Junior e Outro(a/S)

    coator(a/S)(Es) : Relatora do Hc Nº 270.348 do Superior Tribunal de JustiÇa

    coator(a/S)(Es) : Tribunal de JustiÇa do Estado de Santa Catarina

    coator(a/S)(Es) : Juiz de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos

    impte.(S) : Angerlane Sousa Porto

    Publica��o

    DJe-228 DIVULG 19/11/2013 PUBLIC 20/11/2013

    Observa��o

    10/01/2014

    legislação Feita por:(Bru)

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