Decisão da Presidência nº 768990 de STF. Supremo Tribunal Federal, 8 de Noviembre de 2013

Data08 Novembro 2013
Número do processo768990

DECISÃO RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS.

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM.

DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE ATO NORMATIVO INCIDENTER TANTUM SEM EFEITO ERGA OMNES.

BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO: CRITÉRIOS DE CONCESSÃO.

RENDA PER CAPITA.

ACÓRDÃO RECORRIDO CONSOANTE À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

SÚMULA N. 279 DESTE SUPREMO TRIBUNAL.

RECURSOS AOS QUAIS SE NEGA SEGUIMENTO.

Relatório Recursos extraordinários, o primeiro interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o segundo pela União, ambos com base na alínea a do inc.

III do art. 102 da Constituição da República, contra julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que decidiu: AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (CF/88, ART. 203; LEI N. 8.742/1993, ART. 20, §§ 2º E 3º).

INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA A VIDA INDEPENDENTE.

AVALIAÇÃO.

RENDA ‘PER CAPITA’ INFERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO.

LIMITE OBJETIVO. 1.

O Ministério Público está legitimado à propositura de AÇÃO CIVIL PÚBLICA em defesa de direitos individuais homogêneos das pessoas portadoras de deficiência incapacitadas para a vida independente e para o trabalho e desprovidas de condições de manter o seu próprio sustento ou de tê-lo mantido por suas famílias, porquanto evidenciado relevante interesse social na defesa de tais direitos; 2.

O conceito de vida independente a que alude o art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742/1993 está inserido em um contexto muito mais complexo do que simples atos como higienizar-se, vestir-se, alimentar-se, locomover-se e, sob essa ótica, centenas de efetivos destinatários da prefalada norma vêm sendo prejudicados, na seara Administrativa, na medida em que, estando incapacitados para a vida independente e para o trabalho, têm o seu benefício negado, caso possibilitados de praticarem sozinhos atos inerentes à condição humana, considerados em um contexto mínimo de sociabilidade e convivência; 3.

A exigência constante no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993, no sentido que a renda ‘per capita’ da família da família do incapacitado seja inferior a 1/4 do salário mínimo, deve ser entendida como um limite objetivo, abaixo do qual a hipossuficiência econômica do grupo familiar é presumida.

Assim, constatado que a família percebe renda ‘per capita’ superior a 1/4 do salário mínimo, compete à Autarquia Previdenciária examinar se a renda auferida revela-se suficiente para o sustento do postulante e de sua família, considerando, para tal fim, todas as despesas efetuadas com medicação, alimentação, taxas e impostos (luz, água, saneamento básico, etc.), bem como as condições de moradia e as exigências de tratamento e cuidados com o requerente, o qual, geralmente, necessita de acompanhamento familiar constante.

Inteligência do art. 13, § 1º, do Decreto n. 1.744/1995 c/c art. 4º da Lei n. 8.742/1993.

Os embargos declaratórios opostos foram assim julgados: PROCESSUAL CIVIL.

PREVIDENCIÁRIO.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

EFEITOS INFRIGENTES.

IMPOSSIBILIDADE. 1.

A natureza reparadora dos embargos de declaração permite a sua oposição contra sentença ou acórdão acoimado de obscuridade ou contradição, bem como nos casos de omissão do Juiz ou Tribunal. 2.

O fato de o acórdão decidir contrariamente às pretensões do recorrente não possibilita o uso da via dos embargos declaratórios, pena de se lhes atribuir efeitos infringentes, hipótese que só é admitida excepcionalmente. 3.

Embargos de declaração da União e do INSS improvidos. 2.

O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts. 129, inc.

III, e 203, inc.

V, da Constituição da República.

Argumenta que falecendo legitimidade ao Ministério Público para propor a presente ação em face do limite constitucional, o acórdão foi exarado em processo que sequer pode subsistir, por falta de uma das condições da ação (legitimidade ‘ad causam’), impondo-se a sua reforma, para restabelecimento da ordem jurídica ofendida. (...) g) mérito (...) Do artigo 203, V, CF e § 2º da Lei n. 8.742/1993.

Quanto ao critério supostamente arbitrário do INSS para interpretar o parágrafo 2º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993, tem-se que algumas considerações devem ser feitas.

O art. 203, inciso V, da CF/88, assim dispõe: (...).

Nesse inciso o constituinte delimita quais as pessoas passíveis de receberem o benefício assistencial, cabendo, no entanto, à Lei n. 8.742/1993 regulamentar a norma constitucional, conceituando ‘pessoa deficiente’.

Interessa-nos o conceito de ‘pessoa deficiente’, trazido no § 2º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993: (...).

Tal definição é puramente jurídica, não tendo o legislador ordinário incursionado em uma definição mais elaborada, de cunho científico, pois seria mesmo impossível abarcar todos os casos de deficiência que podem acometer uma pessoa, ficando esta incumbência delegada a um perito.

Da mesma forma, o Decreto n. 1.744/1995, em seu art. 2º, nos traz o conceito de pessoa portadora de deficiência, aclarando o que vem a ser o termo ‘vida independente’, utilizado pelo legislador, sendo que assim de considera aquele cujas anomalias o impeçam das atividades da vida diária e do trabalho.

Se o legislador queria que o requisito de concessão fosse um ou outro, deveria ter utilizado uma conjunção alternativa, que indicaria alternância, escolha.

Pode-se argumentar, como de fato argumenta o ilustre representante do Ministério Público, que esta seria uma busca à pobreza da literalidade, que não se atenta à finalidade da Lei, mas não se vê, ‘data máxima venia’, outra interpretação a ser dada para termos ligados por uma conjunção que significa adição, soma.

Na lei, em nenhum momento, mesmo em se valendo de uma interpretação sistemática, ficou demonstrado que outra interpretação pudesse ser dada, quer ao conceito de deficiência, quer ao conceito de trabalho.

De fato, não se desconhece que a lei deve, para ser constitucional, se conter aos limites estabelecidos pela Carta Magna, ressaltando-se, outrossim, que as leis são presumidamente constitucionais e até que, por meio de fórmulas previstas, (...). (...) Evidencia-se que cada titular somente pode exercer tal direito dentro de determinados limites postos no ordenamento jurídico.

No caso presente, não existe interesse difuso ou coletivo que possa merecer a defesa do Ministério Público.

Trata-se de interesses contrapostos sobre direitos individuais, patrimoniais e disponíveis, assim reconhecidos pelo próprio acórdão recorrido.

Claro está, portanto, que a antecipação de tutela foi deferida sem a mínima chance de subsistir, pois o processo deverá ser extinto por lhe faltar-lhe uma das condições da ação (legitimidade ‘ad causam’).

Nesse caso, completamente ausente o requisito da verossimilhança, uma vez que a ação deve, fatalmente, desaguar na extinção sem julgamento do mérito (CPC, 267, inc.

VI). 3.

A União alega que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região teria contrariado os arts. 5º, incs.

LIV e LV, 102, inc.

I, alínea a e § 2º, e 203, inc.

V, da Constituição da República.

Sustenta que ao rejeitar os embargos declaratórios (...) a C. 4ª Turma do E.

TRF da 4ª Região restou por violar, além dos dispositivos legais, o art. 5º, inc.

LIV e LV, da CF/88 e art. 535, inc.

II, do CPC, ao não prequestionar a matéria. (...) O Tribunal ‘a quo’, ao entender que ‘não é lícito condicionar o benefício à prova de que o deficiente está incapacitado para os atos da vida cotidiana’, contrariou o disposto no inciso V do artigo 203 da Constituição da República. (...) (...) o Tribunal ‘a quo’ ao não reconhecer a eficácia ‘erga omnes’ e o efeito vinculante da ADI n. 1.232-1, que, em face de sua improcedência declarou a constitucionalidade da Lei n. 8.742/1993, violou o artigo 5º, inc.

LIV, da Constituição Federal atinente ao devido processo legal, bem como o artigo 102, § 2º, da Lei Maior, o qual restou contrariado em face do caráter dúplice da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade. (...) O Supremo Tribunal Federal firmou posicionamento no sentido de que não é cabível a ação civil pública quando proposta para pedir a inconstitucionalidade de dispositivos legais.

Esta hipótese está consubstanciada no caso dos autos tendo em vista que o ‘Parquet’ Federal requereu incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, ‘in verbis’: (...).

Considerando o entendimento da Suprema Corte, constata-se, assim, que não é possível a declaração de inconstitucionalidade de lei federal em sede de ação civil pública em face do seu efeito ‘erga omnes’, usurpando a competência do STF para julgar a matéria, consoante determina o artigo 102, I, ‘a’, que na presente lide restou violado.

Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 4.

Idênticos os pedidos dos recursos extraordinários interpostos, analiso-os conjuntamente. 5.

Razão jurídica não assiste aos Recorrentes.

O Desembargador Relator do caso no Tribunal de Regional Federal da 4ª Região observou: Na hipótese em tela, resta evidente tratar-se de direitos individuais homogêneos das pessoas portadoras de deficiência incapacitadas para a vida independente e para o trabalho, desprovidas de condições de manter o seu próprio sustento ou tê-lo mantido por suas famílias, em receber do Estado a garantia de um salário mensal, sem que, para a concessão do referido benefício, sejam impostas exigências e restrições excessivamente rigorosas por parte da Administração, de modo a desvirtuar o alcance pretendido pelo legislador e atentar contra os princípios fundamentais da cidadania e da dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, incs.

II e III).

Dessa forma, resta demonstrado o interesse social na defesa dos direitos individuais e homogêneos referidos.

Decorre daí, que a legitimação ativa do Ministério Público advém da Constituição Federal, amparada por legislação infraconstitucional.

Aduzem os recorrentes, ainda, a impossibilidade de declaração incidental de inconstitucionalidade em ação civil pública, uma vez que tal declaração constitui-se no próprio objeto da demanda.

Tal argumento, entretanto, não merece prosperar, uma vez que o STF já firmou entendimento no sentido de que ‘nas ações coletivas, não se nega, à evidência, a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade ‘incidenter tantum’ de lei ou ato normativo federal ou local, sendo que a eficácia ‘erga omnes’ da decisão não subtrai o julgado do controle das instâncias superiores, inclusive do STF’ (Precedentes daquela Corte: Reclamações ns. 597 e 600, Relator o Ministro Néri da Silveira). (...) Ademais, no caso em tela, como bem salientou o julgador de primeiro grau, ‘o que se objetivou, em relação ao mérito do pedido inicial, não foi unicamente a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei n. 8.742/1993, mas sim, a condenação das partes requeridas ao cumprimento de uma obrigação, qual seja, a revisar todos os procedimentos de concessão do benefício de prestação continuada deixando de aplicar os critérios delineados no §§ 2º e 3º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993’ (fl. 209). (...) Quanto ao argumento de que o STF já teria declarado a constitucionalidade dos dispositivos infraconstitucionais atacados, por ocasião do julgamento da ADI n. 1.232-1, em 27.8.1998, tendo a referida decisão eficácia ‘erga omnes’ e efetivo efeito vinculante, melhor sorte não socorre às requeridas. (...) Como se vê, somente com a entrada em vigor da Lei n. 9.868/1999 é que a improcedência da ação direta de inconstitucionalidade passou a implicar, automaticamente, em proclamação de constitucionalidade da norma ou ato impugnado.

Assim, considerando que o julgamento da ADI deu-se em data anterior a referida Lei, não pode esta retroagir, de modo a ser aplicada ao acórdão proferido anteriormente pelo STF, sendo certo que, à época em que julgada a ADI, sua improcedência não excluía a possibilidade de discussão da matéria na via difusa, uma vez que inexistente quanto à decisão a ‘eficácia contra todos’ e o ‘efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública Federal. (...) No mérito, dispõe o art. 203, inc.

V, da Constituição Federal de 1988: (...).

A regulamentação do mencionado dispositivo constitucional veio com a edição da Lei n. 8.742/1993 que instituiu o benefício de prestação continuada, dispondo em seu artigo 20: (...).

Já o artigo 38 da norma supramencionada, com o advento da Lei n. 9.720/1998, passou a dispor que: (...).

Consoante se depreende da singela leitura dos regramentos acima transcritos, revela-se indispensável à concessão de benefício assistencial tratar-se de pessoa com 67 anos ou mais, ou, então, que seja portadora de deficiência que a incapacite para a vida independente e para o trabalho, bem como que não tenha meios de prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família.

No caso dos autos, a controvérsia que se pretende dirimida, nos limites do dispositivo da sentença, cinge-se à análise da questão da incapacidade e do requisito econômico, no sentido de que o Instituto Previdenciário não confira ao art. 20, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.742/1993 interpretação desarrazoada, em inobservância ao princípio da proporcionalidade e alicerçado em critérios mais restritivos do que aqueles efetivamente pretendidos pelo legislador.

Em outras palavras, busca-se a interpretação da norma em sua exata acepção, o que na maioria dos casos, não vem sendo realizado pela Administração.

Senão, veja-se.

No que tange à questão da incapacidade, o INSS tem entendido que o § 2º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993, ao dispor sobre o portador de deficiência destinatário do amparo assistencial, reserva o benefício àquelas pessoas incapacitadas para os atos da vida independente, vale dizer, atos como levar o alimento à boca, vestir-se, higienizar-se, etc.

Assim, ao analisar o pedido de concessão do benefício, a Autarquia parte do pressuposto de que estando a pessoa capacitada para a prática de tais atos, automaticamente, não preenche os requisitos autorizadores à concessão do benefício.

Ora, em nenhum momento a lei fez referência a incapacidade para ‘atos da vida independente’ e, sendo assim, age o Instituto em desconformidade com o dispositivo legal, na medida em que vem outorgando entendimento equivocado à expressão literal da lei, fazendo uso de locuções inexistentes e, portanto, não pretendidas pelo legislador, dificultando, com isso, o acesso de potencial beneficiário a um direito que lhe é assegurado constitucionalmente. (...) Por outro lado, mesmo que pudéssemos restringir o conceito de vida independente a atos, deveríamos considerar ‘todos’ os atos, algum ato? Por certo, não vejo como limitar tais atos a capacidade de se alimentar, cuidar da higiene e vestuário.

O conceito de vida independente está inserido em um contexto muito mais complexo e, sob essa ótica, não tenho dúvidas de que o INSS vem prejudicando centenas de efetivos destinatários da prefalada norma, na medida em que, estando incapacitados para a vida independente e para o trabalho, tal com dispõe a lei, têm o seu benefício negado, caso possibilitados de praticarem sozinhos atos inerentes à condição humana, considerados em um contexto mínimo de sociabilidade e convivência. (...) Resta analisar a questão referente a renda familiar.

Sobre o tema, Superior Tribunal de Justiça te entendido que o § 3º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993 quis apenas definir que a renda familiar inferior a ¼ do salário mínimo é, objetivamente considerada, insuficiente para a subsistência do idoso ou portador de deficiência, não afastando, tal regra, no caso em concreto, outros meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado, (...): (...).

Também esta Corte, com base no entendimento esposado pelo STJ, tem entendido, de forma majoritária, que a condição de miserabilidade a que se refere o § 3º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993 deve ser considerada em cotejo com as despesas efetuadas para sobrevivência do grupo familiar e outros elementos que demonstrem sua condição econômica. (...) Assim, constante do referido pelo julgador monocrático na bem lançada decisão, ‘o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 estabelece que as famílias com renda ‘per capita’ inferior a ¼ do salário mínimo devem ser consideradas incapazes de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa, independentemente de verificação de qualquer outro critério.

Se, entretanto, a família possuir renda ‘per capita’ superior a ¼ do salário mínimo, nem por isso se estará impedindo de também reconhecê-la incapaz de prover manutenção da pessoa portadora de deficiência e do idoso, dado que a norma limita-se a impor o reconhecimento da incapacidade da família de renda mensal inferior a ¼ do salário mínimo, não chegando entrementes a impedir o reconhecimento da incapacidade da família com renda mensal superior, se outros fatores existirem a demonstrá-la’.

Nessa linha, tem-se que a disposição legal em comento deve ser entendida como um limite objetivo, abaixo do qual a hipossuficiência econômica do rupo familiar é presumida.

Dessa forma, constatando que a família percebe renda ‘per capita’ superior a ¼ do salário mínimo, compete à Autarquia Previdenciária examinar se a renda auferida revela-se suficiente para os sustento do requerente e de sua família, considerando, para tal fim, todas as despesas efetuadas com medicação, planos de saúde, alimentação, taxas e impostos (luz, água, saneamento básico, etc.), bem como as condições de moradia e as exigências de tratamento e cuidados com o postulante, o qual, geralmente, necessita de acompanhamento familiar constante.

Cumpre destacar, aliás, que a adoção de tal procedimento encontra-se respaldada pelo disposto no art. 13, § 1º, do Decreto n. 1.744/1995, que regulamenta o benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei n. 8.742/1993, para o qual, a apresentação dos documentos necessários à comprovação de renda familiar mensal ‘per capita’, ‘não exclui a faculdade de o INSS emitir parecer sobre a situação socioeconômica da família do beneficiário’.

Além disso, tal entendimento coaduna-se aos princípios norteadores da assistência social, sobretudo, no concernente à supremacia do atendimento às necessidade sociais sobre as exigências da rentabilidade econômica; à dignidade do cidadão, sua autonomia e seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedada qualquer comprovação vexatória de necessidade (Art. 4º da Lei n. 8.742/1993).

Com base nesse raciocínio, verifica-se, efetivamente, tal como entendeu o Supremo Tribunal Federal, não haver qualquer inconstitucionalidade na legislação que regulou o art. 203, inc.

V, da CF, fazendo-se necessário, no entanto, que na aplicação da lei sejam observados os fins sociais a que ela se destina e as exigências do bem comum, o que, em última análise, não se constitui em usurpação da competência legislativa, mas, ao contrário, num juízo seguro e harmônico com o sistema normativo vigente.

Nesse contexto, (...) entendo deva ser mantida a sentença, no sentido de determinar ao INSS e, solidariamente, à União Federal, nos limites da Circunscrição Judiciária de Blumenau, que não indefira requerimentos administrativos em que se pleiteia a concessão do benefício assistencial tão-somente pelo fato de o requerente, ‘sendo incapacitado para a atividade laboral e necessitando ser assistido, cuidado, observado, vigiado, amparado ou acompanhado por outrem, estar contudo possibilitado de, sozinho, alimentar-se, higienizar-se, ou praticar outros atos de pouca complexidade na vida cotidiana’, bem como pelo fato de a renda ‘per capita’ da família do beneficiário ultrapassar o limite de ¼ do salário mínimo, devendo apreciar cada caso em face de suas peculiaridades, considerando, para tal fim, todas as despesas efetuadas com medicação, planos de saúde, alimentação, taxas e impostos (água, luz, saneamento básico, etc.), bem como as condições de moradia e as exigências de tratamento e cuidados como o postulante, independentemente da limitação econômica imposta, a qual deve ser entendida como um limite objetivamente considerado, abaixo do qual a miserabilidade é presumida.

O acórdão recorrido harmoniza-se com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que assentou a legitimidade ativa ad causam do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos de relevância social, como se dá no caso presente, no qual se busca a defesa de potenciais beneficiários da Previdência Social.

Este Supremo Tribunal também reconheceu a possibilidade de se pleitear, em ação civil pública, a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum de ato normativo, para o específico efeito de fundamentar o caso posto a julgamento.

E, ainda, declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993, que estabelece critérios objetivos para concessão do benefício mensal de um salário mínimo aos portadores de deficiência, desde que suas famílias tenham renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo: Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente.

Art. 203, inc.

V, da Constituição.

A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, inc.

V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2.

Art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n. 1.232.

Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 que ‘considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo’.

O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.

Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3.

Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e o Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei n. 8.742/1993.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar ‘per capita’ estabelecido pela LOAS.

Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.

Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei n. 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei n. 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei n. 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola; a Lei n. 9.533/1997, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.

O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.

Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4.

Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993. 5.

Recurso extraordinário a que se nega provimento (RE 567.985, Relator o Ministro Marco Aurélio, redator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, Plenário, DJe 3.10.2013 – grifos nossos).

RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.

OCUPAÇÃO DE LOGRADOUROS PÚBLICOS NO DISTRITO FEDERAL.

PEDIDO DE INCONSTITUCIONALIDADE ‘INCIDENTER TANTUM’ DA LEI N. 754/1994 DO DISTRITO FEDERAL.

QUESTÃO DE ORDEM.

RECURSO DO DISTRITO FEDERAL DESPROVIDO.

RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL PREJUDICADO.

Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal com pedidos múltiplos, dentre eles, o pedido de declaração de inconstitucionalidade ‘incidenter tantum’ da Lei distrital n. 754/1994, que disciplina a ocupação de logradouros públicos no Distrito Federal.

Resolvida questão de ordem suscitada pelo relator no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 754/1994 pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal não torna prejudicado, por perda de objeto, o recurso extraordinário.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido que se pode pleitear a inconstitucionalidade de determinado ato normativo na ação civil pública, desde que ‘incidenter tantum’.

Veda-se, no entanto, o uso da ação civil pública para alcançar a declaração de inconstitucionalidade com efeitos ‘erga omnes’.

No caso, o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 754/1994 é meramente incidental, constituindo-se verdadeira causa de pedir.

Negado provimento ao recurso extraordinário do Distrito Federal e julgado prejudicado o recurso extraordinário ajuizado pelo Ministério Público do Distrito Federal (RE 424.993, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Plenário, DJe 19.10.2007 – grifos nossos).

E: Agravo regimental em agravo de instrumento. 2.

Ação civil pública.

Interesse individual homogêneo. 3.

Relevância social.

Ministério Público.

Legitimidade. 4.

Jurisprudência dominante. 5.

Agravo regimental a que se nega provimento (AI 516.419-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 30.11.2010 – grifos nossos). 6.

Ademais, para se decidir de modo diverso do que assentado nas instâncias precedentes quanto à comprovação de ter, ou não, o beneficiário meios suficientes para prover a sua subsistência, ou de tê-la provida por sua família, dependeria do reexame de provas, o que não pode ser adotado em recurso extraordinário, nos termos da Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI N. 12.322/2010) – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO – BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (CF, ART. 203, INC.

V) – RECONHECIMENTO, NO CASO, DO ESTADO DE MISERABILIDADE (E DE AFLITIVA NECESSIDADE) QUE AFETA A PESSOA DESTINATÁRIA DE REFERIDO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL – CARÁTER SOBERANO DA DECISÃO LOCAL, QUE, PROFERIDA EM SEDE RECURSAL ORDINÁRIA, RECONHECEU, COM APOIO NO EXAME DOS FATOS E PROVAS, A EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DO MENCIONADO BENEFÍCIO – INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS E FATOS EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA (SÚMULA N. 279/STF) – ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO (ARE 750.970-ED, Relator o Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 12.8.2013 – grifos nossos).

Nada há a prover quanto às alegações dos Recorrentes. 7.

Registre-se, por fim, ter havido erro da Secretaria Judiciária do Supremo Tribunal Federal na autuação destes autos, pois o recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público foi julgado em 21.6.2010 (sítio deste Supremo Tribunal). 8.

Pelo exposto, determino a correção da autuação destes autos com a adequação das partes e nego seguimento aos recursos extraordinários (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Publique-se.

Brasília, 8 de novembro de 2013.

Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora

Partes

Recte.(s) : Julieta Petit da Silva

adv.(a/S) : Marcelo Pires TorreÃo e Outro(a/S)

recdo.(a/S) : UniÃo

adv.(a/S) : Advogado-Geral da UniÃo

Publica��o

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-022 DIVULG 31/01/2014 PUBLIC 03/02/2014

Observa��o

12/02/2014

legislação Feita por:(Dmp)

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