Decisão da Presidência nº 1769 de STF. Supremo Tribunal Federal, 25 de Febrero de 2014

Número do processo1769
Data25 Fevereiro 2014

EXECUÇÃO JUDICIAL CONTRA ESTADO ESTRANGEIRO.

COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (CF, art. 102, I, e).

IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO (imunidade à jurisdição cognitiva) E IMUNIDADE DE EXECUÇÃO (imunidade à jurisdição executiva).

O STATUS QUAESTIONIS NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

PRECEDENTES.

DOUTRINA.

PREVALÊNCIA DO ENTENDIMENTO NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE EXECUÇÃO JUDICIAL CONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS, EXCETO NA HIPÓTESE DE EXPRESSA RENÚNCIA, POR ELES, A ESSA PRERROGATIVA DE ORDEM JURÍDICA.

POSIÇÃO PESSOAL DO RELATOR (MINISTRO CELSO DE MELLO), QUE ENTENDE VIÁVEL A EXECUÇÃO CONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS, DESDE QUE OS ATOS DE CONSTRIÇÃO JUDICIAL RECAIAM SOBRE BENS QUE NÃO GUARDEM VINCULAÇÃO ESPECÍFICA COM A ATIVIDADE DIPLOMÁTICA E/OU CONSULAR.

OBSERVÂNCIA, NO CASO, PELO RELATOR, DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE.

JULGAMENTO DA CAUSA NOS TERMOS DA JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

PROCESSO DE EXECUÇÃO DECLARADO EXTINTO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

DECISÃO: Trata-se de execução judicial promovida pela União Federal contra a República Federal da Alemanha.

Reconheço, preliminarmente, que, tratando-se de litígio entre Estado estrangeiro e a União Federal, assiste, ao Supremo Tribunal Federal, competência originária para processá-lo e julgá-lo (ACO 709/SP, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO, v.

g.), inocorrendo, a esse respeito, notadamente em face da existência de explícita previsão constitucional (CF, art. 102, I, e), qualquer divergência de índole doutrinária em torno do órgão investido de jurisdição para, no plano interno, dirimir conflitos interestatais (PONTES DE MIRANDA, Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969, tomo IV/24-25, item n. 11, 2ª ed./2ª tir., 1974, RT; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, Comentários à Constituição de 1988, vol.

VI/3.084-3.086, item n. 105, 1992, Forense Universitária; WALTER CENEVIVA, Direito Constitucional Brasileiro, p. 195, item n. 4, 1989, Saraiva; PINTO FERREIRA, Comentários à Constituição Brasileira, vol. 4/104, 1992, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS, Comentários à Constituição do Brasil, vol. 4, tomo III/171, 2ª ed., 2000, Saraiva; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 2/219, 1992, Saraiva, v.

g.).

Como precedentemente referido, trata-se de litígio que envolve tema pertinente à imunidade de execução e que foi instaurado entre o Estado brasileiro (que é o Estado acreditado ou receptor), de um lado, e um Estado estrangeiro (que é o Estado acreditante ou de envio), de outro.

É inquestionável que a controvérsia suscitada na presente causa, consistente na discussão relativa à imunidade de Estados estrangeiros perante o Poder Judiciário nacional, revela-se impregnada do mais alto relevo jurídico.

Como se sabe, a imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros – quer se trate de imunidade à jurisdição cognitiva (imunidade ao processo de conhecimento), quer se cuide de imunidade à jurisdição executiva (imunidade de execução) – derivava, ordinariamente, de um princípio básico, o princípio da comitas gentium, consagrado pela prática consuetudinária internacional e assentado em premissas teóricas e em concepções políticas, que, fundadas na essencial igualdade entre as soberanias estatais, legitimavam o reconhecimento de que par in parem non habet imperium vel judicium, consoante enfatizado pelo magistério da doutrina (JOSÉ FRANCISCO REZEK, Direito Internacional Público, p. 213/217, itens ns. 99 e 100, 14ª ed., 2013, Saraiva; VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, Curso de Direito Internacional Público, p. 527, item n. 1, 5ª ed., 2011, RT; CELSO D.

DE ALBUQUERQUE MELLO, Direito Constitucional Internacional, p. 350/352, item n. 3, 2ª ed., 2000, Renovar; ALFRED VERDROSS, Derecho Internacional Publico, p. 171/172, 1972, Aguilar, Madrid; JACOB DOLINGER, A Imunidade Estatal à Jurisdição Estrangeira, in A Nova Constituição e o Direito Internacional, p. 195, 1987, Freitas Bastos; JOSÉ CARLOS DE MAGALHÃES, Da Imunidade de Jurisdição do Estado Estrangeiro perante a Justiça Brasileira, in A Nova Constituição e o Direito Internacional, p. 209/210, 1987, Freitas Bastos; AMILCAR DE CASTRO, Direito Internacional Privado, p. 465/467, item n. 295, 6ª ed., 2008, Forense, v.

g.).

Tais premissas e concepções – que justificavam, doutrinariamente, essa antiga prática consuetudinária internacional – levaram a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, notadamente aquela que se formou sob a égide da revogada Carta Política de 1969, a emprestar, num primeiro momento, caráter absoluto à imunidade de jurisdição instituída em favor dos Estados estrangeiros (RTJ 66/727 – RTJ 104/990 – RTJ 111/949 – RTJ 116/474 – RTJ 123/29, v.

g.).

Essa orientação, contudo, tratando-se de imunidade à jurisdição de conhecimento, sofreu abrandamentos, que, na vigência da presente ordem constitucional, foram reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Apelação Cível 9.696/SP, Rel.

Min.

SYDNEY SANCHES (RTJ 133/159), do AI 139.671-AgR/DF, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO (RTJ 161/643-644), e do RE 222.368-AgR/PE, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO (RTJ 184/740-741).

Em função dessa nova orientação, a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal, tratando-se de atuação de Estado estrangeiro em matéria de ordem privada, notadamente em conflitos de natureza trabalhista, consolidou-se no sentido de atribuir caráter meramente relativo à imunidade de jurisdição, tal como reconhecido pelo direito internacional público e consagrado na prática internacional.

Esse entendimento jurisprudencial, formulado sob a égide da vigente Constituição, foi bem sintetizado pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do AI 139.671-AgR/DF, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO, ocasião em que esta Corte proferiu decisão unânime, consubstanciada em acórdão assim ementado: IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO.

CONTROVÉRSIA DE NATUREZA TRABALHISTA.

COMPETÊNCIA JURISDICIONAL DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS. - A imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro, quando se tratar de litígios trabalhistas, revestir-se-á de caráter meramente relativo e, em conseqüência, não impedirá que os juízes e Tribunais brasileiros conheçam de tais controvérsias e sobre elas exerçam o poder jurisdicional que lhes é inerente.

ATUAÇÃO DO ESTADO ESTRANGEIRO EM MATÉRIA DE ORDEM PRIVADA.

INCIDÊNCIA DA TEORIA DA IMUNIDADE JURISDICIONAL RELATIVA OU LIMITADA. - O novo quadro normativo que se delineou no plano do direito internacional, e também no âmbito do direito comparado, permitiu – ante a realidade do sistema de direito positivo dele emergente – que se construísse a teoria da imunidade jurisdicional relativa dos Estados soberanos, tendo-se presente, para esse específico efeito, a natureza do ato motivador da instauração da causa em juízo, de tal modo que deixa de prevalecer, ainda que excepcionalmente, a prerrogativa institucional da imunidade de jurisdição, sempre que o Estado estrangeiro, atuando em matéria de ordem estritamente privada, intervier em domínio estranho àquele em que se praticam os atos ‘jure imperii’.

Doutrina.

Legislação comparada.

Precedente do STF.

A teoria da imunidade limitada ou restrita objetiva institucionalizar solução jurídica que concilie o postulado básico da imunidade jurisdicional do Estado estrangeiro com a necessidade de fazer prevalecer, por decisão do Tribunal do foro, o legítimo direito do particular ao ressarcimento dos prejuízos que venha a sofrer em decorrência de comportamento imputável a agentes diplomáticos, que, agindo ilicitamente, tenham atuado ‘more privatorum’ em nome do País que representam perante o Estado acreditado (o Brasil, no caso).

Não se revela viável impor aos súditos brasileiros, ou a pessoas com domicílio no território nacional, o ônus de litigarem, em torno de questões meramente laborais, mercantis, empresariais ou civis, perante tribunais alienígenas, desde que o fato gerador da controvérsia judicial – necessariamente estranho ao específico domínio dos ‘acta jure imperii’ – tenha decorrido da estrita atuação ‘more privatorum’ do Estado estrangeiro.

OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E A DOUTRINA DA IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO RELATIVA OU LIMITADA. - Os Estados Unidos da América – parte ora agravante – já repudiaram a teoria clássica da imunidade absoluta naquelas questões em que o Estado estrangeiro intervém em domínio essencialmente privado.

Os Estados Unidos da América – abandonando a posição dogmática que se refletia na doutrina consagrada por sua Corte Suprema em ‘Schooner Exchange v.

McFaddon’ (1812) – fizeram prevalecer, já no início da década de 1950, em típica declaração unilateral de caráter diplomático, e com fundamento nas premissas expostas na ‘Tate Letter’, a conclusão de que ‘tal imunidade, em certos tipos de caso, não deverá continuar sendo concedida’.

O Congresso americano, em tempos mais recentes, institucionalizou essa orientação que consagra a tese da imunidade relativa de jurisdição, fazendo-a prevalecer, no que concerne a questões de índole meramente privada, no ‘Foreign Sovereign Immunities Act’ (1976). (RTJ 161/643-644, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO) Uma das razões decisivas dessa nova visão jurisprudencial da matéria deveu-se ao fato de que o tema da imunidade de jurisdição dos Estados soberanos – que, antes, como já enfatizado, radicava-se no plano dos costumes internacionais – passou a encontrar fundamento jurídico em convenções internacionais (a Convenção Europeia sobre Imunidade dos Estados de 1972) ou, até mesmo, consoante informa LUIZ CARLOS STURZENEGGER (RDA 174/18-43), na própria legislação interna de diversos Estados, como os ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (Foreign Sovereign Immunities Act de 1976), o REINO UNIDO da GRÃ- -BRETANHA e da IRLANDA DO NORTE (State Immunity Act de 1978), a AUSTRÁLIA (Foreign States Immunities Act de 1985), CINGAPURA (State Immunity Act de 1979), a REPÚBLICA DA ÁFRICA DO SUL (Foreign States Immunities Act de 1981), o PAQUISTÃO (State Immunity Act de 1981), o CANADÁ (State Immunity Act de 1982) e a REPÚBLICA ARGENTINA (Ley nº 24.488/95, art. 2º), exemplificativamente.

O novo quadro normativo que se delineou no plano do direito internacional, e também no âmbito do direito comparado, permitiu – ante a realidade do sistema de direito positivo dele emergente – que se construísse, inclusive no âmbito da jurisprudência dos Tribunais, e em função de situações específicas, a teoria da imunidade jurisdicional meramente relativa dos Estados soberanos.

É por essa razão – já vigente o novo ordenamento constitucional brasileiro – que tanto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 133/159 – RTJ 161/643-644 – RTJ 184/740-741) quanto a do Superior Tribunal de Justiça (RSTJ 8/39 – RSTJ 9/53 – RSTJ 13/45) consolidaram-se no sentido de reconhecer que, modernamente, não mais deve prevalecer, de modo incondicional, no que concerne a determinadas e específicas controvérsias – tais como aquelas de direito privado – o princípio da imunidade jurisdicional absoluta, circunstância esta que, em tais situações, legitima a plena submissão de qualquer Estado estrangeiro à jurisdição doméstica do Poder Judiciário nacional: IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO – RECLAMAÇÃO TRABALHISTA – LITÍGIO ENTRE ESTADO ESTRANGEIRO E EMPREGADO BRASILEIRO – EVOLUÇÃO DO TEMA NA DOUTRINA, NA LEGISLAÇÃO COMPARADA E NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: DA IMUNIDADE JURISDICIONAL ABSOLUTA À IMUNIDADE JURISDICIONAL MERAMENTE RELATIVA – RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.

OS ESTADOS ESTRANGEIROS NÃO DISPÕEM DE IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO, PERANTE O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO, NAS CAUSAS DE NATUREZA TRABALHISTA, POIS ESSA PRERROGATIVA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO TEM CARÁTER MERAMENTE RELATIVO. - O Estado estrangeiro não dispõe de imunidade de jurisdição, perante órgãos do Poder Judiciário brasileiro, quando se tratar de causa de natureza trabalhista.

Doutrina.

Precedentes do STF (RTJ 133/159 e RTJ 161/643-644). - Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar censurável desvio ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável com os grandes postulados do direito internacional.

O PRIVILÉGIO RESULTANTE DA IMUNIDADE DE EXECUÇÃO NÃO INIBE A JUSTIÇA BRASILEIRA DE EXERCER JURISDIÇÃO NOS PROCESSOS DE CONHECIMENTO INSTAURADOS CONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS. - A imunidade de jurisdição, de um lado, e a imunidade de execução, de outro, constituem categorias autônomas, juridicamente inconfundíveis, pois – ainda que guardem estreitas relações entre si – traduzem realidades independentes e distintas, assim reconhecidas quer no plano conceitual, quer, ainda, no âmbito de desenvolvimento das próprias relações internacionais.

A eventual impossibilidade jurídica de ulterior realização prática do título judicial condenatório, em decorrência da prerrogativa da imunidade de execução, não se revela suficiente para obstar, só por si, a instauração, perante Tribunais brasileiros, de processos de conhecimento contra Estados estrangeiros, notadamente quando se tratar de litígio de natureza trabalhista.

Doutrina.

Precedentes. (RTJ 184/740-741, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO) Impõe-se destacar, por isso mesmo, na linha dos precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 133/159 – RTJ 161/643-644 – RTJ 184/740-741), que deixará de prevalecer, excepcionalmente, a prerrogativa institucional da imunidade de jurisdição (imunidade à jurisdição cognitiva), sempre que o representante do Estado estrangeiro, por atuar em matéria de ordem estritamente privada (matéria laboral, p.

ex.), intervier em domínio estranho àquele em que usualmente se praticam, no plano das relações diplomáticas e consulares, atos jure imperii.

Esse entendimento encontra fundamento, como já referido, em precedentes que o Supremo Tribunal Federal firmou já sob a égide da vigente Constituição (RTJ 133/159, Rel.

Min.

SYDNEY SANCHES – RTJ 161/643-644, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO – RTJ 184/740-741, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO), apoiando-se, ainda, em autorizado magistério doutrinário (PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo II/263-265, 2ª ed., 1979, Forense; CLÓVIS RAMALHETE, Estado Estrangeiro Perante a Justiça Nacional, in Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, nº 4/315-330, Setembro/Dezembro de 1970; AMILCAR DE CASTRO, Direito Internacional Privado, p. 465/467, item n. 295, 6ª ed., 2008, Forense; CLÓVIS BEVILÁQUA, Direito Público Internacional, tomo I/79, 2ª ed., Freitas Bastos; OSCAR TENÓRIO, Direito Internacional Privado, vol.

II/351, 11ª ed., Freitas Bastos; HILDEBRANDO ACCIOLY, Tratado de Direito Internacional Público, vol.

I/286, item n. 330, 3ª ed., 2009, Quartier Latin; PEDRO LESSA, Do Poder Judiciário, p. 212, 1915, Livraria Francisco Alves; GUIDO FERNANDO SILVA SOARES, Das Imunidades de Jurisdição e de Execução, p. 152/161, 1984, Forense; LUIZ CARLOS STURZENEGGER, Imunidades de Jurisdição e de Execução dos Estados – Proteção a Bens de Bancos Centrais, in RDA 174/18; OSIRIS ROCHA, Reclamações Trabalhistas contra Embaixadas: Uma Competência Inegável e Uma Distinção Imprescindível, in LTr, vol. 37/602; JOSÉ FRANCISCO REZEK, Direito Internacional Público, p. 175/178, item n. 97, 14ª ed., 2013, Saraiva; GERSON DE BRITTO MELLO BOSON, Constitucionalização do Direito Internacional, p. 248/249, 1996, Del Rey; VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, Curso de Direito Internacional Público, p. 551/554, item n. 9, 5ª ed., 2011, RT, v.

g.).

Ocorre, porém, que o Supremo Tribunal Federal, tratando-se da questão pertinente à imunidade de execução (matéria que não se confunde com o tema concernente à imunidade de jurisdição), continua, quanto a ela (imunidade de execução), a entendê-la como prerrogativa institucional de caráter mais abrangente (CELSO D.

DE ALBUQUERQUE MELLO, Curso de Direito Internacional Público, vol.

II/1.344, item n. 513, 14ª ed., 2002, Renovar, v.

g.), ressalvada, no entanto, a hipótese excepcional de renúncia, por parte do Estado estrangeiro, à prerrogativa da intangibilidade dos seus próprios bens, tal como decidiu o Plenário desta Suprema Corte no julgamento da ACO 543-AgR/SP, Rel.

Min.

SEPÚLVEDA PERTENCE, valendo reproduzir, por bastante expressiva, a ementa da decisão proferida em referido processo: Imunidade de jurisdição.

Execução fiscal movida pela União contra a República da Coréia.

É da jurisprudência do Supremo Tribunal que, salvo renúncia, é absoluta a imunidade do Estado estrangeiro à jurisdição executória: orientação mantida por maioria de votos.

Precedentes: ACO 524-AgR, Velloso, DJ 9.5.2003; ACO 522-AgR e 634-AgR, Ilmar Galvão, DJ 23.10.98 e 31.10.2002; ACO 527-AgR, Jobim, DJ 10.12.99; ACO 645, Gilmar Mendes, DJ 17.3.2003. (grifei) Tenho para mim, no entanto, que, além da hipótese de renúncia por parte do Estado estrangeiro à imunidade de execução, também se legitimará o prosseguimento do processo de execução, com a consequente prática de atos de constrição patrimonial, se e quando os bens atingidos pela penhora, p.

ex., não guardarem vinculação específica com a atividade diplomática e/ou consular desempenhada, em território brasileiro, por representantes de Estados estrangeiros.

Assinalo que fiquei vencido, na honrosa companhia dos eminentes Ministros AYRES BRITTO, RICARDO LEWANDOWSKI, JOAQUIM BARBOSA e CEZAR PELUSO, no julgamento da ACO 543-AgR/SP, no qual se reconheceu assistir ao Estado estrangeiro, de modo absoluto, imunidade à jurisdição executiva (imunidade de execução).

Deixei consignado, então, em meu voto vencido, que a imunidade de execução, à semelhança do que sucede com a imunidade de jurisdição, também não constitui prerrogativa institucional absoluta que os Estados estrangeiros possam opor, quando instaurado, contra eles, perante o Poder Judiciário brasileiro, processo de execução.

Ao assim decidir, salientei que se revelaria possível fazer incidir a constrição judicial sobre bens de Estado estrangeiro, localizados em território nacional, desde que o credor exequente demonstrasse que tais bens não se achavam afetados a uma específica destinação diplomática e/ou consular, tal como corretamente decidiu o E.

Tribunal Superior do Trabalho: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.

ESTADO ESTRANGEIRO.

CONSULADO GERAL DA ÍNDIA.

IMUNIDADE RELATIVA DE JURISDIÇÃO E EXECUÇÃO.

IMPOSSIBILIDADE DE RECAIR PENHORA SOBRE BENS AFETOS À REPRESENTAÇÃO DIPLOMÁTICA.

CONCESSÃO DA SEGURANÇA.

Nos termos da jurisprudência do Excelso STF e desta Corte, é relativa a imunidade de jurisdição e execução do Estado estrangeiro, não sendo passíveis de constrição judicial, contudo, os bens afetados à representação diplomática.

Assim, deve ser parcialmente concedida a segurança, a fim de se determinar que não recaia penhora sobre bens atrelados, estritamente, à representação diplomática ou consular do impetrante.

Precedentes.

Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e parcialmente provido. (RO 1258500-04.2008.5.02.0000, Rel.

Min.

ALBERTO BRESCIANI – grifei) Cabe referir, neste ponto, a propósito da questão específica da imunidade de execução, o autorizado magistério de JOSÉ FRANCISCO REZEK (Direito Internacional Público, p. 216, item n. 100, 14ª ed., 2013, Saraiva): A execução forçada da eventual sentença condenatória, entretanto, só é possível na medida em que o Estado estrangeiro tenha, no âmbito espacial de nossa jurisdição, bens estranhos à sua própria representação diplomática ou consular – visto que estes se encontram protegidos contra a penhora ou medida congênere pela inviolabilidade que lhes asseguram as Convenções de Viena de 1961 e 1963, estas seguramente não derrogadas por qualquer norma ulterior (...). (grifei) São, também, desse eminente internacionalista e antigo Juiz da Corte Internacional de Justiça (Haia) e do Supremo Tribunal Federal (A Imunidade do Estado Estrangeiro à Jurisdição Local.

O Problema da Execução na Justiça do Trabalho, in I Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho, p. 239/242, 241/242, IBCB, 1995) as seguintes ponderações, que vale rememorar ante a extrema pertinência que assumem no contexto desta causa: Uma palavra final sobre o tema da execução, onde esbarramos com problema de grande seriedade.

Antes que o Brasil alterasse sua visão da matéria, outros países já o haviam feito, e, em alguns desses, como Itália, Alemanha e Estados Unidos da América, um dos Estados estrangeiros processados no foro comum, trabalhista ou civil, havia sido justamente o Brasil; e foram casos em que, por casualidade, por mero jogo de circunstâncias, a execução pôde consumar-se.

É certíssimo que ela não pode realizar-se sobre bens diplomáticos ou consulares.

Nesse particular tem havido ainda no foro brasileiro algum equívoco.

O processo de conhecimento, sim, tem cabimento, pode chegar a termo.

No domínio da análise prática das coisas, é sabido que o Estado estrangeiro propende a executar, sem criar problemas, a sentença condenatória proferida no processo de conhecimento.

Quando isso, entretanto, não acontece, o que é fato raro, a execução não pode materializar-se, forçadamente, sobre bens diplomáticos ou consulares.

Aí estaríamos agredindo, de modo frontal, norma escrita, norma convencional que nos obriga, e lançando o país em ilícito internacional.

Todavia, a execução pode materializar-se quando se consegue alcançar, dentro do domínio espacial da nossa soberania, incluído o mar territorial, o bem do Estado estrangeiro não coberto pela afetação diplomática ou consular.

Assim aconteceu quando o Brasil foi o réu.

Lá fora, eram bens do Instituto Brasileiro do Café, eram bens do Lloyd Brasileiro.

Bens do Estado, portanto, porém não afetos ao serviço diplomático ou consular.

Serviam, assim, de objeto a execução.

Eram penhorados e garantiam a execução eficaz. (grifei) As considerações que venho de expor levam-me a reconhecer que a imunidade de execução, à semelhança do que sucede com a imunidade de jurisdição, não ostenta caráter absoluto, de tal modo que, comprovado, pelo credor, que os bens pertencentes ao Estado estrangeiro não guardam vinculação com as atividades diplomáticas e/ou consulares, legitimar-se-á, então, nessa particular situação, a instauração, contra essa soberania estrangeira, do concernente processo de execução.

Entendo necessário fazer, ainda, neste ponto, uma ponderação – que considero relevante – consistente na distinção entre atos imputados a agentes diplomáticos ou consulares (a que se aplicam as disposições das Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e sobre Relações Consulares), de um lado, e aqueles atribuídos aos próprios Estados estrangeiros, de outro, consoante adverte, a esse propósito, o eminente Professor GUIDO FERNANDO SILVA SOARES (Curso de Direito Internacional Público, vol. 1/276, 2004, Atlas): No assunto, é mister distinguir as imunidades de jurisdição (incidentes relacionados ao conhecimento e julgamento das causas), das imunidades de execução (incidentes relacionados a medidas constritivas, definitivas ou provisórias, contra os bens ou direitos, tendo em vista o cumprimento preliminar ou definitivo das decisões dos órgãos do Poder Judiciário).

No caso das imunidades de jurisdição das pessoas a serviço do Estado, as regras internacionais são as que anteriormente expusemos e que não se confundem com as imunidades do próprio Estado estrangeiro, frente aos Poderes Judiciários nacionais de outro Estado (aspecto que será analisado a seguir).

Quanto às hipóteses das imunidades de execução, a questão desloca-se para o exame não das pessoas, mas da natureza dos bens, eventualmente penhoráveis ou não, e que, na verdade, ou são de propriedade do Estado estrangeiro, ou se encontram afetados a um serviço público de outro Estado, por pertencerem ou estarem na posse de pessoas a seu serviço.

Poderia parecer contraditório que, aos Estados, fossem concedidas menos imunidades que a seus representantes em outros Estados; contudo, é o que passa, tendo em vista que as imunidades concedidas aos representantes são tradicionais, muito bem definidas pelos usos e costumes e pelas normas multilaterais escritas, conforme já expusemos, e que aquelas eventualmente concedidas aos Estados são fenômenos modernos, em que o consenso dos Estados ainda é muito fluido.

O que deve ser evitado, nesse campo, é o erro de transporem-se regras das citadas Convenções de Viena de 1961 (sobre Relações Diplomáticas) e de 1963 (sobre Relações Consulares), para situações em que o próprio Estado diretamente se encontra envolvido com particulares, diante de tribunais de outros Estados. (grifei) É importante assinalar, a esse respeito, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Apelação Cível nº 9.696/SP, Rel.

Min.

SYDNEY SANCHES (RTJ 133/159-170), também fez essa distinção, como se depreende do voto então proferido pelo eminente Ministro FRANCISCO REZEK (RTJ 133/164-168): Esta Casa vinha sistematicamente proclamando que duas linhas de imunidade de jurisdição, fluentes do direito internacional público contemporâneo, alcançam, grosso modo, a representação dos Estados estrangeiros no território da República.

Numa primeira vertente temos as imunidades pessoais resultantes das duas Convenções de Viena, de 1961 e 1963, ambas promulgadas no Brasil, relacionada a primeira com o serviço diplomático, e a segunda com o serviço consular.

Quando se cuide, pois, de processo penal ou cível onde o pretendido réu seja membro do corpo diplomático estrangeiro aqui acreditado – ou ainda, em determinadas hipóteses, do serviço consular estrangeiro –, opera em sua plenitude o direito internacional escrito: tratados que, em certo momento, se negociaram lá fora, e que entraram em vigor para o Brasil, sendo aqui promulgados.

Ficou claro, não obstante, que nenhum dos dois textos de Viena diz da imunidade daquele que, na prática corrente, é o réu preferencial, ou seja, o próprio Estado estrangeiro.

Com efeito, o que nos evidencia a observação da vida judiciária é que raras vezes alguém intenta no Brasil um processo contra a pessoa de um diplomata ou cônsul estrangeiro.

O que mais vemos são demandas dirigidas contra a pessoa jurídica de direito público externo, contra o Estado estrangeiro.

Essas demandas, quando não têm índole trabalhista – o que ocorre em mais de dois terços dos casos – têm índole indenizatória e concernem à responsabilidade civil.

Quanto a esta imunidade – a do Estado estrangeiro, não mais a dos seus representantes cobertos pelas Convenções de Viena -, o que dizia esta Casa outrora, e se tornou cristalino no começo da década de setenta? Essa imunidade não está prevista nos textos de Viena, não está prevista em nenhuma forma escrita de direito internacional público.

Ela resulta, entretanto, de uma antiga e sólida regra costumeira do Direito das Gentes. (…). (grifei) Mesmo, porém, que não se fizesse essa distinção (que se revela necessária, contudo), ainda assim caberia uma observação referente aos denominados privilégios diplomáticos e consulares.

Sabemos que as Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961, Artigos 23, 34 e 36) e sobre Relações Consulares (1963, Artigos 32, 49, 50, 60, 62 e 66) instituíram, em favor das Missões Diplomáticas e das Repartições Consulares, prerrogativas e privilégios vários, dentre os quais, a garantia de intributabilidade, cuja incidência, no entanto, depende da observância da cláusula de reciprocidade (do ut des), a significar, portanto, que as autoridades brasileiras deverão dispensar, em nosso País, àquelas representações e repartições estrangeiras, o mesmo tratamento que o Estado a que se acham vinculadas dispensar, em seu próprio território, às Missões Diplomáticas e às Repartições Consulares nele mantidas pelo Brasil.

Caberia, portanto, à União Federal, presente o contexto subjacente a este processo de execução, demonstrar, ao Supremo Tribunal Federal, que o ora executado não proporciona, em seu próprio território, ao Brasil, o exercício dessa mesma garantia de intributabilidade, em ordem a tornar possível, desde que configurado eventual tratamento discriminatório, a aplicação, na espécie, da cláusula de reciprocidade.

É por esse motivo que entendo, com toda a vênia, sem desconhecer a extrema delicadeza de que se reveste a questão pertinente à intangibilidade dos bens titularizados por soberanias estrangeiras (GUIDO FERNANDO SILVA SOARES, Das Imunidades de Jurisdição e de Execução, 1984, Forense, v.

g.), que se deveria permitir, ao credor exequente (à União Federal, no caso), em situações como a que ora se examina, a possibilidade de comprovar que existem, em território brasileiro, bens passíveis de constrição judicial, pertencentes ao Estado estrangeiro que figura como devedor executado, desde que tais bens não se mostrem impregnados de destinação diplomática e/ou consular (requisito de expropriabilidade), de modo a ensejar-se o regular prosseguimento, perante órgão competente do Poder Judiciário nacional (o Supremo Tribunal Federal, na espécie), do processo de execução instaurado contra determinada soberania estrangeira.

Devo reconhecer, no entanto, como precedentemente salientado, que esta Suprema Corte, em outros julgamentos (ACO 524-AgR/SP, Rel.

Min.

CARLOS VELLOSO – ACO 634-AgR/SP, Rel.

Min.

ILMAR GALVÃO, v.

g.), vem adotando posição diversa, mais restritiva, daquela que tenho perfilhado: Ação Cível Originária

Execução Fiscal contra Estado estrangeiro.

Imunidade de jurisdição.

Precedentes. 3.

Agravo regimental a que se nega provimento. (ACO 645-AgR/SP, Rel.

Min.

GILMAR MENDES – grifei) CONSTITUCIONAL.

IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO.

EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA PELA UNIÃO CONTRA ESTADO ESTRANGEIRO.

CONVENÇÕES DE VIENA DE 1961 E 1963. 1.

Litígio entre o Estado brasileiro e Estado estrangeiro: observância da imunidade de jurisdição, tendo em consideração as Convenções de Viena de 1961 e 1963. 2.

Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ACO 522-AgR/SP e ACO 634-AgR/SP, rel.

Min.

Ilmar Galvão, Plenário, 16.9.98 e 25.9.2002, DJ de 23.10.98 e 31.10.2002; ACO 527-AgR/SP, rel.

Min.

Nelson Jobim, Plenário, 30.9.98, DJ de 10.12.99; ACO 524 AgR/SP, rel.

Min.

Carlos Velloso, Plenário, DJ de 09.05.2003. 3.

Agravo não provido. (ACO 633-AgR/SP, Rel.

Min.

ELLEN GRACIE – grifei) Observo que essa diretriz jurisprudencial vem orientando as decisões proferidas, no âmbito desta Corte, a propósito de idêntica questão (ACO 623/SP, Rel.

Min.

MOREIRA ALVES – ACO 672/SP, Rel.

Min.

NELSON JOBIM – ACO 673/SP, Rel.

Min.

MARCO AURÉLIO – ACO 691/SP, Rel.

Min.

SEPÚLVEDA PERTENCE – ACO 800/SP, Rel.

Min.

GILMAR MENDES – ACO 1.446/RJ, Rel.

Min.

ELLEN GRACIE – ACO 1.450/RJ, Rel.

Min.

EROS GRAU, v.

g.).

Vale destacar, por relevante, neste ponto, que, o Supremo Tribunal Federal, mesmo com nova composição, tem adotado idêntica compreensão em torno da matéria, reconhecendo, por isso mesmo, a impossibilidade jurídica de se promover execução judicial contra representações diplomáticas e/ou consulares de Estados estrangeiros (AI 597.817/RJ, Rel.

Min.

DIAS TOFFOLI – AI 743.826/RJ, Rel.

Min.

ROSA WEBER – ARE 678.785/SP, Rel.

Min.

DIAS TOFFOLI, v.

g.).

Em consequência da orientação que tem prevalecido no Supremo Tribunal Federal, e embora reafirmando respeitosa divergência, devo ajustar a minha compreensão da matéria ao princípio da colegialidade, considerados os inúmeros precedentes que a prática jurisprudencial desta Corte já estabeleceu no tema.

Sendo assim, pelas razões expostas, considerando, ainda, a orientação jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte, notadamente os julgamentos plenários da ACO 633-AgR/SP e da ACO 645-AgR/SP e com ressalva da posição pessoal que externei em decisão proferida na ACO 709/SP, de que sou Relator, julgo extinto este processo de execução, sem resolução de mérito.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 25 de fevereiro de 2014.

Ministro CELSO DE MELLO Relator

Partes

Recte.(s) : Maria da Graca dos Anjos Duarte

adv.(a/S) : Vilmar Sutil da Rosa

recdo.(a/S) : Instituto Nacional de Seguro Social - Inss

proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral Federal

Observação

DJe-044 DIVULG 05/03/2014 PUBLIC 06/03/2014

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