Decisão da Presidência nº 736126 de STF. Supremo Tribunal Federal, 25 de Marzo de 2014

Número do processo736126
Data25 Março 2014

DECISÃO Vistos.

União interpõe recurso extraordinário, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão da Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, assim ementado: ENQUADRAMENTO DE BEM REGISTRADO COMO TERRENO DE MARINHA E COBRANÇA DE TAXA DE OCUPAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA A LEGITIMAR TAL ENQUADRAMENTO - CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO DO BEM NO SPU E DESCONSTITUIÇÃO DE TAXA DE OCUPAÇÃO OBJETO DE EXECUÇÃO FISCAL - DEPÓSITO PRÉVIO (ART. 38 DA LEI 6.830/80) - DESNECESSIDADE - DIREITO DE PROPRIEDADE - DEVIDO PROCESSO LEGAL - Em face ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da CRFB/88), não constitui pressuposto processual ou condição específica da ação anulatória de débito objeto de execução fiscal o depósito prévio previsto no art. 38 da Lei nº 6.830/ Não pode o poder público, apenas através de procedimento administrativo demarcatório, considerar que o imóvel regularmente registrado como alodial, e há muito negociado como livre e desembargado, seja imediatamente havido como terreno de marinha, com a cobrança da chamada 'taxa de ocupação'.

O devido processo legal, para o caso, uma vez existindo discordância do proprietário aparente, exige a via judiciária, de modo a resguardar os direitos do beneficiário da presunção de veracidade do registro, até contra terceiros, diante da potencial evicção.

Inteligência dos artigos 9º e seguintes do Decreto-lei 9760 e seu cotejo com o artigo 5º, LIV, da Lei Maior.

Assim, enquanto não for desconstituído judicialmente o título de propriedade do autor, não haverá entre ele e a União relação jurídica que legitime o enquadramento de seu imóvel como terreno de marinha e a cobrança da taxa de ocupação correspondente.

Remessa e recurso desprovidos.

Opostos embargos de declaração, não foram providos.

Alega a recorrente violação do artigo 20, inciso VII, da Constituição Federal.

Aduz que a existência de título transcrito no Registro de Imóveis não impede que a União demarque suas terras e que, após sua identificação, promova, com base nos Decretos-lei nºs 9.760/46 e 1.561/77, as inscrições das ocupações existentes, aos ocupantes que se encontram ao amparo do art. 105 do primeiro Decreto-lei, sendo facultado requerer o aforamento.

Apresentadas contrarrazões, o recurso extraordinário foi admitido.

Decido.

Anote-se, inicialmente, que o recurso extraordinário foi interposto contra acórdão publicado após 3/5/07, quando já era plenamente exigível a demonstração da repercussão geral da matéria constitucional objeto do recurso, conforme decidido na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 664.567/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6/9/07.

Todavia, apesar da petição recursal haver trazido a preliminar sobre o tema, não é de se proceder ao exame de sua existência, uma vez que, nos termos do artigo 323 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, com a redação introduzida pela Emenda Regimental nº 21/07, primeira parte, o procedimento acerca da existência da repercussão geral somente ocorrerá quando não for o caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão A irresignação não merece prosperar.

Colhe-se do voto condutor do acórdão recorrido: (...) O autor é proprietário e possuidor do imóvel descrito na inicial desde 1973.

Adquiriu o imóvel sem quaisquer ônus, inexistente referência de cuidar-se de terreno de marinha, existindo anotação de cadeia dominial regular (fls. 30/33), é tema incontroverso.

Ocorre que, posteriormente, a União realizou procedimento administrativo, através de seu órgão de patrimônio, nos termos dos artigos 9º e seguintes do Decreto-lei 9760/46, e, aferindo cuidar-se a área constante do título do autor terreno de marinha, internamente demarcou-o assim, pretendendo cobrar, de tal arte, a chamada ‘taxa de ocupação’. …...................................................................................................

No caso, conforme já ressaltado pelo juiz de 1º grau (fls. 112/113), nem o procedimento administrativo previsto nos arts. 9º e seguintes do DL nº 9.760/46 observou os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois os interessados certos, à época, não foram intimados pessoalmente (fls. 65/98).

Mas o fato é que, mesmo se realizado regularmente, o referido procedimento administrativo não pode prevalecer, por si, sobre o título registrado, até então regular, de quem de direito.

Nas hipóteses nas quais não exista um imóvel, antes havido como alodial e regularmente negociado no mercado, aí sim, é suficiente o procedimento administrativo, tão-só.

Nos casos em que exista bem havido regularmente como livre de ônus, assim transcrito, assim há muito negociado, não havendo concordância do proprietário aparente, existe necessidade de uso da via judicial, com retificação do registro imobiliário, para que, finalmente, o terreno seja considerado de marinha.

Este é o devido processo legal, para a hipótese, e a lei é clara (artigos 32 e seguintes do mesmo Decreto-lei 9760). …...................................................................................................

Assim, correta está a sentença ao determinar (i) a inexistência de relação jurídica apta a ensejar o enquadramento do imóvel do autor como terreno de marinha; e (ii) a desconstituição dos Registros Imobiliários Patrimoniais – RIP’s nºs 5705.0013861-69 e 5705.0013862-40 perante a Secretaria de Patrimônio da União – SPU, de modo a tornar sem efeito as cobranças das taxas de ocupação correspondentes.

Como visto, as instâncias de origem decidiram a lide amparadas na legislação infraconstitucional pertinente (Decreto Lei 9.760/46).

Assim, a afronta ao dispositivo constitucional suscitado no recurso extraordinário seria, se ocorresse, indireta ou reflexa, o que é insuficiente para amparar o apelo extremo.

Ademais, o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que se mostra incabível em sede extraordinária.

Incidência da Súmula nº 279/STF.

Especificamente sobre o tema em análise, transcrevo o teor da recentíssima decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, em caso idêntico ao presente, nos autos do RE nº 798.483/RJ (DJe de 20/3/14), que bem aborda a questão: Trata-se de recurso extraordinário que impugna acórdão do Tribunal Regional da 2ª Região, assim ementado: ‘ADMINISTRATIVO.

DIREITO DE PROPRIEDADE.

TERRENO DE MARINHA.

DEVIDO PROCESSO LEGAL.

TAXA DE OCUPAÇÃO.

Não pode o poder público, apenas através de procedimento administrativo demarcatório, com citação por edital, considerar que o imóvel regularmente registrado como alodial, e há muito negociado como livre e desembargado, seja imediatamente havido como terreno de marinha, com a cobrança da chamada ‘taxa de ocupação’.

O devido processo legal, para o caso, exige quando menos a intimação pessoal.

Expressiva linha sustenta, inclusive, ser exigível a via judiciária, de modo a resguardar os direitos do beneficiário da presunção de veracidade do registro, até contra terceiros, diante da potencial evicção.

Inteligência dos artigos 9o e seguintes do Decreto-lei n° 9.760/1946, 1245, §2°, do CC e artigo 5º, LIV, da Lei Maior.

Remessa e apelação desprovidas.’ (eDOC 3, p. 7 No recurso extraordinário, interposto com fundamento no artigo 102, III, a, da Constituição Federal, sustenta-se, preliminarmente, a repercussão geral da matéria.

No mérito, aponta-se ofensa ao artigo 20, VII, da Constituição.

Defende-se, em síntese, que a inscrição do imóvel como terreno acrescido da marinha é válida, assim como as cobranças efetuadas pela GRPU.

Decido.

O recurso não merece prosperar.

O acórdão impugnado assentou o seguinte: ‘O autor é proprietário e possuidor do imóvel descrito na inicial desde 1994.

Adquiriu imóvel alodial, sem quaisquer ônus, inexistente referência de cuidar-se de terreno de marinha, existindo anotação de cadeia dominial regular, e isso é tema incontroverso.

Posteriormente, a União realizou procedimento administrativo nº 10768-007612/97-20, através de seu órgão de patrimônio, nos termos dos artigos 9º e seguintes do Decreto-Lei nº 9760/46, e, aferindo cuidar-se a área constante do título do autor terreno de marinha, internamente demarcou-o assim, pretendendo cobrar, de tal arte, a chamada taxa de ocupação. (…) Assim, a legítima e correta interpretação do artigo 11 do DL de 1946 é aquela que atende aos princípio da ampla defesa e contraditório, segundo a qual os interessados certos devem ser intimados pessoalmente para a defesa de sua propriedade.

Mais ainda quando o registro indica, antes, imóvel alodial e, aplicada outra regra, qual a do artigo 1.245, §2º, do CC, nem se poderia trilhar a mera via administrativa.

Não se negue que a Lei nº 11.481/07 alterou a redação do citado artigo 11, excluindo a intimação pessoal.

A exclusão foi feita, provavelmente para conferir maior celeridade aos trâmites administrativos, conforme aduzido pela União.

Mas a eficiência não pode atropelar o contraditório e o direito à defesa do administrado, mormente em casos nos quais o registro imobiliário indicava ser o imóvel alodial e, assim, outras regras afastariam até a via administrativa.

Ainda que, para argumentar, se admita tal via, ela deve prestigiar a efetiva ampla defesa e contraditório.

No caso, a União tinha ciência do nome e residência dos proprietários interessados no processo administrativo impugnado e, a despeito de tal fato, estes não foram intimados pessoalmente, mas por edital, genericamente.

E ninguém soube, de verdade, do procedimento, tanto que nem oposição houve.

Tudo em flagrante ofensa aos princípios da ampla defesa e contraditório.

A atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica sobre esse ponto, como se verifica a seguir: (…) Não é outro o entendimento desta Turma Especializada, in verbis: (…) No caso, nem o procedimento administrativo previsto nos artigos 9º e seguintes do DL nº 9.760/46 observou os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois os interessados certos, à época, não foram intimados pessoalmente.

Mas o fato é que seria possível argumentar que até processo administrativo adequado não poderia prevalecer, por si, sobre o título registrado, até então regular, de quem de direito.

Nos casos em que exista bem havido regularmente como livre do ônus, assim transcrito, assim há muito negociado, não havendo concordância do proprietário aparente, é razoável entender existir necessidade de uso da via judicial, com retificação do registro imobiliário, para que, finalmente, o terreno seja considerado de marinha.

Esta linha tem aparo em preceitos claros (artigos 32 e seguintes do mesmo Decreto-lei nº 9.760 e, hoje, o artigo 1.245, §2º, do CC).

No caso, este debate é desnecessário, pois a sentença já fixou aspecto sobre o procedimento administrativo, e a parte não recorreu.’ (grifei) (DOC 2, p. 82-83 e DOC 3, p. 1-3) Assim, o Tribunal de origem decidiu com base na legislação de regência (Decreto-Lei 7.760/1946) e nos elementos probatórios dos autos.

Para se entender de forma diversa, seria imprescindível interpretar a legislação infraconstitucional, assim como revolver o conjunto fático-probatório dos autos, procedimentos vedados no âmbito do julgamento do recurso extraordinário.

Nesse sentido: ‘AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.

TERRENOS DE MARINHA.

TITULARIDADE.

DEMARCAÇÃO.

NECESSIDADE DE ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.

OFENSA REFLEXA.

IMPRESCINDIBILIDADE DE EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO.

INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO STF.

AGRAVO IMPROVIDO.

I - Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo Tribunal de origem, acerca da titularidade do imóvel, seria necessária a análise das normas infraconstitucionais aplicáveis à especie, bem como o reexame do conjunto fático probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF.

Precedentes.

II – Agravo regimental improvido.’ (ARE-AgR 757.502, Rel.

Min.

Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 24.9.2013) ‘Agravo regimental em agravo de instrumento. 2 Direito Administrativo. 3.

Terreno de marinha.

Discussão acerca da titularidade do imóvel.

Necessidade de reexame do conjunto fático-probatório.

Impossibilidade.

Súmula 279. 4.

Agravo regimental a que se nega provimento.’ (AI-AgR 801.728, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 19.4.2012) ‘AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

CONSTITUCIONAL.

TERRENOS DE MARINHA.

TITULARIDADE DOMINIAL.

DEMARCAÇÃO.

NECESSIDADE DA ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E DO REEXAME DE PROVAS.

OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA.

INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.’ (RE-AgR 550.347, Rel.

Min.

Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJ 7.4.2011) Ante o exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (arts. 21, §1º, do RISTF, e 557, caput, do CPC).

Nesse mesmo sentido, os seguintes precedentes: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM FUNDAMENTO NO DECRETO-LEI N. 9.760/46.

OFENSA INDIRETA.

MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.

REEXAME DE FATOS E PROVAS.

INVIABILIDADE DO EXTRAORDINÁRIO. 1.

Controvérsia decidida com fundamento no decreto-lei n. 9.760/46.

Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2.

Reexame de fatos e provas.

Inviabilidade do recurso extraordinário.

Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal.

Agravo regimental a que se nega provimento (RE nº 587.410/RJ-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 29/5/09).

CONSTITUCIONAL.

ADMINISTRATIVO.

USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL.

TERRENO DE MARINHA.

NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS.

SÚMULA 279 DO STF.

OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO.

AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

SÚMULAS 282 E 356 DO STF.

I - O julgamento do RE demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF.

II - O acórdão recorrido dirimiu a controvérsia com base na legislação infraconstitucional aplicável à espécie.

Inadmissibilidade do RE, porquanto a ofensa à Constituição, se ocorrente, seria indireta.

III - Ausência de prequestionamento da questão constitucional suscitada.

Incidência das Súmulas 282 e 356 do STF.

IV - Agravo regimental improvido (RE nº 534.546/PE-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 19/9/08).

Ante o exposto, nos termos do art. 557, caput, do Código de Processo Civil, nego seguimento ao recurso extraordinário.

Publique-se.

Brasília, 25 de março de 2014.

Ministro Dias Toffoli Relator Documento assinado digitalmente

Partes

Recte.(s) : Banco Santander (Brasil) S/A

adv.(a/S) : Jeferson Antonio Erpen e Outro(a/S)

recdo.(a/S) : Lauri Mello

adv.(a/S) : Juliana Rocha Schiaffino e Outro(a/S)

adv.(a/S) : Leila Domingues Seelig

adv.(a/S) : Filipe Menegon

Observação

PROCESSO ELETRÔNICO

DJe-065 DIVULG 01/04/2014 PUBLIC 02/04/2014

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